McNeill (1999:208-209) – Freiheit – Liberdade – Freedom

Tradução

Heidegger aqui se despede não apenas do conceito vulgar de liberdade como “fazer o que quisermos”, mas também do conceito kantiano de liberdade como causalidade da vontade limitada pela lei da autonomia. Os seres humanos não são em si a “causa” de suas ações. As ações humanas não têm uma “causa” ou origem simples neste sentido, mas são sempre anárquicas. 1 Como anárquico no sentido de não terem causa simples ou archē, permanecem, no entanto, originários, ou seja, participam do trazer à tona algo novo, imprevisível, algo que de outra forma não existiria. O ser humano, segundo Heidegger, primeiro se torna livre por pertencer ao reino do “destino”. A liberdade, prossegue ele, de fato é o reino do destino (GA7:29). Isso não quer dizer que liberdade é destino, mas que liberdade e destino não se opõem. Só onde há destino pode haver liberdade e vice-versa. No entanto, a liberdade não torna primeiro o destino possível. A liberdade não vem em primeiro lugar; não é em si uma origem. Na verdade, a liberdade não é um atributo nem uma propriedade dos seres humanos: não é um fenômeno exclusivamente humano. “A liberdade prevalece sobre o que é livre no sentido de desobstruído (des Gelichteten), isto é, revelado” (GA7:28-29). Tudo o que foi revelado é, portanto, gratuito: pertence à liberdade, à clareira como o local de presença. No entanto, essa liberdade não prevalece simplesmente no sentido de um “dado” seguro, um “fato”, por assim dizer. Em vez disso, “Liberdade é aquilo que se esconde na clareira” (das lichtend Verbergende: GA7:29); é um acontecimento de finitude que, ao encerrar a presença, primeiro nos mantém abertos, liberando-nos de antemão para uma nova reivindicação de presença à qual devemos responder. E nisso não temos escolha. Já pertencentes a tal pretensão, estamos destinados a responder à presença – não de uma forma predeterminada, mas sempre de uma forma particular, sempre de uma forma ou de outra, precisamente por causa da finitude da presença. A liberdade, como um evento, ocorre assim e acontece no reino do destino. Mas de que maneira os seres humanos entram e pertencem a esse reino da liberdade? Heidegger escreve que o ser humano “primeiro vem a ser livre na medida em que pertence (gehört) ao reino do destino e, assim, se torna um ouvinte (Hörender), mas nunca um escravo (Höriger)”. Essa pertença é uma morada próxima ao destino, uma morada por meio da qual passamos a ser ouvintes, a estar abertos para o endereço e o chamado de presença, de ocultação, em qualquer instância. Este vir a ser (portanto, uma poiēsis) não é uma atividade humana, mas o acontecimento do futuro originário – um evento de origem que ocorre em e através dos seres humanos, certamente, mas apenas na medida em que eles já pertencem historicamente a um mundo, apenas na medida em que sempre já se entregaram (a sua presença) a um ter-sido e, portanto, à possibilidade de um futuro. Ao pertencer ao reino do destino, ao ouvir sua reivindicação – ao deixar-nos ser reivindicados por ele -, primeiro chegamos a ser livres. Em outras palavras, um deixar originário cujo momento primário é uma “passividade” (uma afirmação primária não explícita da mortalidade) é anterior a qualquer possibilidade de ação ou atividade humana livre, anterior também à possibilidade de resistência. A liberdade, na conta de Heidegger, é um evento de ocultação e limpeza que, como um evento, permanece “oculto e sempre auto-ocultando … o mistério” (GA7:29).

Original

(MCNEILL, William. The Glance of the Eye. Heidegger, Aristotle, and the Ends of Theory. New York: SUNY, 1999, p. 208-209)


  1. VA, 29 ↩

  2. VA, 28-29 ↩

  3. VA, 29 ↩

  1. Sobre o anárquico em Heidegger, ver Reiner Schürmann, Heidegger on Being and Acting: From Principles to Anarchy.[↩]
  2. On the anarchic in Heidegger, see Reiner Schürmann, Heidegger on Being and Acting: From Principles to Anarchy.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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