Maurizio Ferraris (GK:16-18) — Kant – ontologia e epistemologia

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Se eu puder mostrar que a Crítica da Razão Pura realmente pode ser resumida nessas teses, também terei justificado minha posição geral, a saber, que a visão de Kant parece oferecer uma teoria da experiência, mas realmente apresenta uma teoria da ciência, precisamente porque confunde os dois níveis. Isso pode parecer uma conclusão insignificante e desagradável, mas, a meu ver, tem a vantagem de definir economicamente o núcleo do pensamento de Kant, as causas de seu sucesso e as razões de sua relativa obsolescência após duzentos anos.

Cinco teses ontológicas

Concedida esta premissa, aqui estão as cinco teses ontológicas:

1. Tese sobre o espaço. “Por meio do sentido externo, uma propriedade de nossa mente, representamos para nós mesmos objetos como fora de nós, e todos sem exceção como no espaço.” Em outras palavras, há um recipiente, espaço, com três dimensões, que contém todos as coisas estendidas, dos átomos e moléculas para cima, e que as precedem.

2. Tese sobre o tempo. “Nem a coexistência nem a sucessão jamais entrariam em nossa percepção, se a representação do tempo não fosse (…) a priori.” Há outro contêiner, o tempo, que contém tudo o que está contido no contêiner espacial, além de outros objetos mais fugazes ( como lembranças e expectativas), existindo no tempo, mas não no espaço, e possuindo duração, mas não extensão.

3. Tese sobre Substância. “Em todas as mudanças de aparência, a substância é permanente.” Não aprendemos desta substância invariável desde o hábito, mas somos dotados de um conceito que precede a experiência e que nos ajuda a entender, por exemplo, que água, gelo e vapor são três estados de uma única substância. Sem o conceito, não chegaríamos aí.

4. Tese sobre Causa. “Todas as alterações ocorrem em conformidade com a lei da conexão de causa e efeito.” Aqui também, se não soubéssemos, antes de qualquer experiência, que o fogo faz a água ferver, apenas os sentidos não poderiam nos ensinar que ele o faz.

5. Tese sobre o Eu. “Deve ser possível que o “eu penso” acompanhe todas as minhas representações.” Há um ponto não estendido e imutável, não muito diferente do cogito cartesiano, mas um pouco mais elaborado, pois contém não apenas dúvidas, mas também os quatro anteriores pontos de espaço, tempo, substância e causa. Toda vez que tenho uma sensação ou um pensamento, o eu o registra e se refere a ele mesmo (estou com calor; vejo vermelho; estou pensando em Pégaso ou Napoleão). Se não o fizesse, as experiências e os pensamentos não se vinculariam a nada, como é o caso quando realizamos alguma ação, como fechar a porta, sem pensar nisto, e então não nos lembramos de tê-lo feito.

Cada uma dessas teses tem seu próprio objetivo: as teses sobre espaço e tempo são respostas a Leibniz e a George Berkeley (1685-1753), que consideravam o espaço e o tempo como resultado das relações entre objetos e não como formas a priori; que a substância visa corrigir John Locke (1632-1704), que considerou a substância um construto mental gerado pelo hábito; aqueles sobre causa e sobre o eu têm, como já observamos, Hume como alvo.

Duas teses epistemológicas

Mediadas pela tese sobre o eu, que é um sujeito conhecido e um objeto conhecido, as teses ontológicas se apoiam em duas teses epistemológicas.

1. A tese de esquemas conceituais. “Pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem conceitos são cegos.” Kant foi o primeiro filósofo a sustentar que, para ter experiências, é necessário ter esquemas conceituais (idealismo transcendental); e ele foi provavelmente o primeiro – pelo menos entre os filósofos – a sustentar que apenas o que existe no espaço e no tempo existe (realismo empírico). O ponto crucial sobre a tese dos esquemas conceituais, que resume e possibilita as cinco teses ontológicas, é que não basta para ser capaz de ver ter olhos: precisamos de óculos para transformar a percepção desfocada e desordenada em experiências claras e coerentes. Esses espetáculos são os conceitos que são articulados em julgamentos dos quais as categorias seguem.

2. Esta tese está ligada a outra, a do Fenômeno, que resume o significado da revolução copernicana: “O objeto indeterminado de uma intuição empírica é intitulado fenômeno.” Não temos tráfego direto com coisas em si mesmas, mas apenas com objetos que nos aparecem através da mediação do espaço e do tempo (as formas puras da intuição e o aparato perceptivo que os carrega), do eu e dos esquemas ou categorias conceituais. No entanto, os fenômenos não são meras aparências, mas existem não menos do que o eu, que é conhecido apenas como um fenômeno.

Inglês

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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