Marion (2010:35-40) – aparição – fenômeno – dação

destaque

Todo o fenômeno aparece, mas só aparece na medida em que se mostra. Heidegger estabeleceu que o fenômeno se define como aquilo que se mostra em si e a partir de si mesmo: “(…) aquilo que se mostra em si mesmo” (Sein und Zeit, § 7, p. 31). Mas ele deixou largamente indeterminado o modo como se pode pensar o si que atua naquilo que se mostra. Com efeito, como pode um fenômeno pretender desenvolver-se por si e em si, se um Eu transcendental o constitui como objeto, disponibilizado para e pelo pensamento que o governa exaustivamente? Num tal mundo — o dos objectos técnicos, o nosso na sua maior parte — os fenômenos só atingem a categoria de objetos, pelo que a sua fenomenalidade permanece emprestada, como derivada da intencionalidade e da intuição que lhes conferimos. Para admitir, por outro lado, que um fenômeno se mostra, teríamos de ser capazes de reconhecer que ele tem um si, de tal forma que toma a iniciativa de se manifestar. A questão que se coloca é a de saber se e como essa iniciativa de manifestação pode caber (35) a um fenômeno. Propusemos uma resposta: um fenômeno só se mostra na medida em que primeiro se dá — tudo o que se mostra tem, para o fazer, de primeiro se dar. E, no entanto, como veremos, o inverso não é exatamente verdadeiro: nem tudo o que se dá se mostra — o dar nem sempre é fenomenalizado. Mas como é que podemos identificar o que é dado? A dação não pode ser vista diretamente, pois só se pode ver aquilo que já se mostra, ou pelo menos, no caso dos objetos, que se mostra. Se a manifestação pode resultar da dação, a dação deve precedê-la; permanece, portanto, anterior a ela, ou seja, não está ainda envolvida no espaço da visibilidade e, portanto, a rigor, invisível. Não poderíamos, portanto, acceder à dação, ao movimento pelo qual o fenômeno se dá, contornando a visibilidade do que eventualmente aí se mostra, supondo, é claro, que uma fenomenalidade não-objetiva pudesse ser atestada dessa forma. Assim, só resta um caminho: tentar identificar, no espaço de manifestação, regiões onde os fenômenos se mostram, em vez de se deixarem simplesmente mostrar como objetos. Ou, em alternativa, identificar as regiões onde o si do que se mostra atesta indiscutivelmente o impulso, a pressão e, por assim dizer, o impacto do que é dado. O si do que se mostra manifestaria indiretamente que ele se dá mais essencialmente. O mesmo si, que encontraríamos no fenômeno que se mostra, viria do si originário do que se dá. Mais claramente, o si da fenomenalização manifestaria indiretamente o si da dação, porque este último o operaria e, por fim, se tornaria uno com ele.

original

  1. Sein und Zeit, § 7, p. 31.[↩]
  2. On voit déjà que l’interprétation du phénomène, même banal, comme donné, non seulement n’interdit pas l’herméneutique, mais l’exige. Nous répondrions en ce sens aux objections de J. Grondin, in Laval philosophique et théologique, 43/3, 1987, et « La tension de la donation ultime et de la pensée herméneutique de l’application chez Jean-Luc Marion », Dialogue XXXVIII (1999), ou de J. Greisch, « L’herméneutique dans la “phénoménologie comme telle”. Trois questions à propos de Réduction et donation », Revue de métaphysique et de morale, 1999/1. — De même, pour le phénomène saturé du visage, une herméneutique est requise (voir infra, chap. V, § 5, p. 148 sq.). Le débat ne concerne pas la nécessité d’une herméneutique, hors de question depuis au moins Heidegger et Gadamer, mais ses légitimités phénoménologiques, qu’assurent mieux que d’autres certains des phénomènes saturés.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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