(MarionDado)
Podemos agora compreender como invocar um princípio na fenomenologia não contradiz, no entanto, o direito do fenômeno de se mostrar por si mesmo; de fato, a doação estabelece como princípio precisamente que nada precede o fenômeno, exceto sua própria aparição a partir de si mesmo; o que equivale a afirmar que o fenômeno advém sem outro princípio além de si mesmo. Em suma, o princípio, enquanto princípio da doação, deixa a primazia ao fenômeno – não se trata, portanto, tanto de um primeiro princípio, mas de um último princípio. Husserl o declara literalmente: «A doação absoluta é um [termo] último – absolute Gegebenheit ist ein Letztes.» 1 O termo último não equivale aqui a outra maneira de designar a primazia; pois o princípio da doação não intervém antes do fenômeno para lhe fixar a priori regras e limites de aparição; ele intervém após a manifestação do aparecer, que se desdobra livremente sem nenhum outro princípio, para apenas sancionar a posteriori, por redução, o que, no aparecer, merece verdadeiramente o título de fenômeno dado: só aparece como um fenômeno autêntico aquilo que se dá, e como fenômeno absoluto, aquilo que se dá absolutamente; o princípio dirige, após o fato, o aparecer, na medida exata em que o deixou aparecer a partir de si mesmo, na medida em que constata exatamente que ele se deu absolutamente – ou não. O quarto princípio tira seu privilégio do fato de permanecer último, de atuar em última instância e de julgar a posteriori – ou seja, do fato de que ele não age mais precisamente como um princípio que produziria o fenômeno de antemão, mas como a regra que prescreve que é preciso deixar o fenômeno advir por si mesmo. Atuando sempre após o fato, o paradoxal princípio «Quanto mais redução, mais doação» não apenas liberta o fenômeno dos três princípios ainda a priori, que lhe impunham suas aporias, não apenas contradiz a definição metafísica de todo princípio em geral (e, nesse sentido, emancipa a fenomenologia do projeto crítico), mas, sobretudo, renuncia a fundar o fenômeno para lhe deixar – enfim – a iniciativa de sua aparição a partir de si mesmo. A partir de então, a doação se torna menos uma opção fenomenológica entre outras, que se poderia aceitar ou recusar conforme o humor ou a escola, e mais a condição não fundadora e, no entanto, absoluta da ascensão do fenômeno em direção à sua própria aparição. Pode-se, certamente, sempre recusá-la; mas essa recusa bloqueia definitivamente a possibilidade de o fenômeno se mostrar a partir de si mesmo e como tal. Recusar o estatuto principial da doação – o princípio «Quanto mais redução, mais doação» – equivale, de fato e de direito, a fechar a abertura fenomenológica. A decisão sobre a doação equivale a uma decisão sobre a fenomenalidade do fenômeno. O jovem Heidegger o percebeu perfeitamente, ao perguntar: «O que significa “dado”, “doação” – essa palavra mágica da fenomenologia e a “pedra de tropeço” para todos os outros?» [23] Para alguns, o primado da doação causa escândalo, mas, ao recusá-la por preconceito, eles se fecham a nada menos do que à fenomenalidade do fenômeno. Para outros, o que abre o acesso a essa mesma fenomenalidade do fenômeno permanece uma palavra «mágica». Os primeiros caricaturam tanto mais o encantamento suposto dos segundos, quanto dele retiram a glória da racionalidade; os segundos acentuam tanto melhor o espanto dos primeiros, quanto dele tiram o prestígio da audácia especulativa. Mas pode ser que a recusa dos uns se harmonize com o encantamento dos outros, irmãos inimigos apoiados em um único pressuposto – que a doação não pode (ou não deve) aceder ao conceito. Ora, é precisamente essa suposição que nos aplicaremos, de agora em diante, a contestar: entre a magia e o escândalo, abre-se um outro caminho – que a doação articula racionalmente os conceitos que dizem o fenômeno tal como ele se manifesta.