Marion (1989:72-78) – fenomenologia e ontologia

destaque

Enquanto que, para Husserl, a fenomenologia torna obsoleta a ontologia porque se ocupa, em seu lugar e melhor do que esta, do ente, para Heidegger, a fenomenologia eleva-se ao título de ontologia porque se desloca dos entes até o ser. A Hinsicht mudou radicalmente; ou melhor, a simples visão (Sicht) que só se pode fixar na evidência permanente e disponível — portanto no ente — é substituída pela Hinsicht, que só vê o ente em relação ao seu ser e por desígnio deste ser. O debate sobre o acordo ou antagonismo entre fenomenologia e ontologia aprofunda-se assim num debate sobre o próprio estatuto da ontologia: diz respeito ao ente (Husserl) ou ao ser do ente e ao seu modo de encontro (Heidegger)? O método fenomenológico permanece o mesmo, fora de questão, o debate diz respeito ao seu ponto de aplicação. Entre Husserl e Heidegger, a diferença é, à partida, entre o ente e o ser. Mas, perguntar-se-á de imediato, como é que esta segunda visão, que vê o ente como algo diferente do puro ente, se torna possível? Como é que a fenomenologia escorrega assim para além da sua própria auto-evidência? (…) Porque acusar aqui Husserl de ter “falhado a questão do ser” (Versaumnis der Seinsfrage)? Porque imputar-lhe como um fracasso o que, de fato, não era para ele uma questão prioritária? Qual é a legitimidade de uma censura se o que é objeto dela não tem importância para o acusado? Mas precisamente porque é que a questão do modo de ser do intencional, e portanto da consciência redutora, não interessa a Husserl? Porque é que a censura é dirigida precisamente para o endereço errado? Resposta: porque “a questão prioritária de Husserl não é de modo algum a questão do caráter de ser da consciência; o que o guia é antes a seguinte consideração: Como pode, em geral, a consciência tornar-se o objeto possível de uma ciência absoluta? O que o conduz, antes de mais, é a ideia de uma ciência absoluta. Esta ideia — a consciência deve ser a região de uma ciência absoluta — não é uma descoberta pura e simples, mas a ideia de que a filosofia moderna se tem ocupado desde Descartes. A elaboração da consciência pura como campo temático da fenomenologia não é conquistada fenomenologicamente num passo atrás em direção às próprias coisas (Rückgang auf die Sachen selbst), mas num passo atrás em direção à ideia tradicional de filosofia”. O fio condutor da fenomenologia não é seguido por Husserl até ao seu fim, a saber, a Seinsfrage, porque Husserl, tendo conquistado a intencionalidade e a redução (pelo que, a princípio, Heidegger ainda se reconhece como seu “discípulo”) utiliza-as apenas para desviá-las, a fim de alcançar o ideal filosófico de uma ciência absoluta da e pela consciência.

Original

  1. Prolegomena, § 32, GA:20, p. 423.[↩]
  2. Ibid., GA:20, p. 423; dans la formule « Das Sein am Seienden soll abgelesen werden, d. h. was phänomenologische Interpretation in die Vor-sicht stellt, ist das Sein », ablesen anticipe sur la question par laquelle Sein und Zeit commence à privilégier le Dasein parmi tous les étants lisibles : « An welchem Seienden soll der Sinn von Sein abgelesen werden ? », Heidegger ajoutera en marge de son exemplaire : « Aber nicht wird an diesem Seienden der Sinn von Sein abgelesen » (Sein und Zeit, § 2, p. 7).[↩]
  3. Respectivement Sein und Zeit, § 7, p. 37 et Ein Vorwort. Brief an P. William J. Richardson, in W. Richardson, Through Phenomenology to Thought, La Haye, Ν. Nijhoff, 1963, p. XVII, tr. fr. C. Röels, in Questions IV, Paris, 1976, p. 184. Pareille traversée de la phénoménologie au-delà d’elle-même, donc pour la première fois jusqu’à ce qui la provoque, se devine dès 1925 (Prolegomena, § 6 « … durch sie hindurch… », GA, 20, p. 63, et p. 183-184).[↩]
  4. Prolegomena, § 8 : « … Apriori als eines Charakters des Seins des Seienden, nicht des Seienden selbst » (GA, 20, p. 102-103).[↩]
  5. Prolegomena, § 9, GA, 20, p. 118, dont aussi cette déclaration : « Phänomenologie als Wissenschaft von den apriorischen Phänomenen der Intentionalität hat es also nie und nimmer mit Erscheinungen oder gar blossen Erscheinungen zu tun. » Le critère de la phénoménalité se trouve formulé aussi expressément en 1927, mais sous son aspect positif seulement, et donc moins brutalement : « Sur le sol du préconcept de phénoménologie ainsi défini, les termes “phénoménal” et “phénoménologique” pourraient maintenant aussi recevoir une signification fixe. On nomme “phénoménal” ce qui dans le mode de rencontre des phénomènes est donné et explicitable; ainsi parlera-t-on de structures phénoménales. On nomme “phénoménologique” tout ce qui appartient au mode de monstration (Art der Aufweisung) et d’explicitation et tout ce qui contribue à former la conceptualité requise pour cette recherche » (Sein und Zeit, § 7, p. 37). L’envers du phénoménologique ainsi défini reste peut-être à l’œuvre sous le nom, alors utilisé, de « concept vulgaire de phénomène ».[↩]
  6. Prolegomena, § 13 : « … die Seinsart der Akte bleibt unbestimmt » (GA, 20, p. 172, voir p. 157, 177, 178, etc.).[↩]
  7. Prolegomena, § 11, GA, 20, p. 147; voir ibid., p. 153-154.[↩]
  8. « Es bedarf wohl kaum des Geständnisses, dass ich mich auch heute noch Husserl gegenüber als Lernender nehme » (Prolegomena, § 13, GA, 20, p. 168). D’où la fameuse note 1 de Sein und Zeit, § 7, p. 38, et la remarque dans Hegels Phänomenologie des Geistes (1930/30, GA, 32, p. 40).[↩]
  9. Ibid., GA, 20, p. 173.[↩]
  10. « … ein unüberbrückbarer Wesensunterschied », Ideen I, § 43, Hua, III, p. 99. Voir § 42, p. 96 : « … die prinzipielle Unterschiedenheit der Seinsweisen, die kardinalste, die es überhaupt gibt (…) ein prinzipieller Unterschied der Gegebenheitsart »; § 49, p. 117 : « Zwischen Bewusstsein und Realität gähnt ein wahrer Abgrund des Sinnes »; § 76, p. 174 : « … dieser radikalsten aller Seinsunterscheidungen — Sein als Bewusstsein und Sein als sich im Bewusstsein “bekundendes”, “transzendentes” Sein… ». Ce dernier texte se trouve cité et commenté, en vue d’en souligner le « manquement fondamental », par Heidegger en Prolegomena, § 13, GA, 20, p. 157-159. Voir infra, chap. III, § 2, p. 126 sq., IV, § 4, p. 182 sq., et VI, § 1, p. 212 sq.[↩]
  11. Ideen I, § 46, qui atteint le « sommet » de la méditation (Hua, III, p. 109, « Höhepunkt »), définit bien la sphère immanente de la conscience comme « eine Sphäre absoluter Position », voire comme « absolute Wirklichkeit » (ibid., p. 108). Le mode d’être de la conscience ne se sépare radicalement du mode d’être de la transcendance du monde qu’en le mimant, par un renvoi réciproque qui les inscrit également dans la position effective et présente.[↩]
  12. Prolegomena, §13, GA, 20, p. 178. Voir § 9, p. 118; § 11, p. 147; § 13, p. 159; § 14, p. 183.[↩]
Excertos de ,

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

Designed with WordPress