Marion (1989:12-14) – o ser fenomenalmente presente na categoria

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(…) Num caso — Heidegger — Husserl alcança a intuição categorial do ser nas Investigações, especialmente na sexta, e rompe assim com a dissimulação neo-kantiana da metafísica finita para se abrir a uma dação do ser: “Para poder sequer desdobrar a questão do sentido do ser, o ser tinha de ser dado, para se poder questionar o seu sentido. O tour de force de Husserl consistiu precisamente em tornar o ser fenomenalmente presente na categoria. Através deste tour de force”, acrescenta Heidegger, “eu tinha finalmente um fundamento: o ‘ser’ não é um simples conceito, uma pura abstração obtida através do trabalho de dedução”. Sem dúvida, Husserl não desdobrou realmente a questão do sentido do ser (Sinn des Seins); o fato é que o avanço assim conseguido permite colocar a questão do ser, por assim dizer, já para além da metafísica. Daí a filiação direta, que Heidegger nunca formula explicitamente, mas que não deixa de sugerir, entre, por um lado, as Investigações Lógicas que conduzem à intuição categorial que dá o ser, e Sein und Zeit, que constrói a questão do ser através da análise do Dasein. De acordo com esta abordagem tópica, a descoberta de 1900-1901 antecipa a destruição da ontologia e realiza assim o fim da metafísica. A descoberta ultrapassa a metafísica. — A outra abordagem — que devemos a J. Derrida, que adquiriu assim um mérito fenomenológico definitivo — inverte completamente a perspectiva. O avanço das Investigações consiste certamente em identificar a significação (Bedeutung, meinen) na sua idealidade a priori. Mas longe de tirar a consequência de que a significação significa por si mesma, sem necessidade de recorrer à presença intuitiva, Husserl não deixaria de reconduzir a significação a uma intuição de realização, que a assegura em presença evidente. Assim, a fenomenologia perpetuaria, contra a sua própria intenção — contra a intencionalidade da significação — o primado da presença, e afundar-se-ia numa derradeira “aventura da metafísica da presença”; em suma, “a pertença da fenomenologia à ontologia clássica” seria traída pelo recurso à intuição para assegurar a presença na significação, mas sobretudo pelo primado inquestionável da própria presença na e sobre a significação.

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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