Marc Richir – A ciência moderna procede da idealização

A ciência moderna procede da idealização, quer dizer da determinação segundo a exatidão matemática, de tudo o que no mundo da vida, a Lebenswelt, permanece irredutivelmente imerso no flou eidético, na indeterminabilidade ao menos relativa mas sempre indefinidamente aberta dos seres e das coisas. Esta idealização que procede de alguma maneira da hipótese do espaço e do tempo como parâmetros imutáveis, passa de pronto pela «geometrização» do mundo natural, para se prolongar na «matematização», em direito integral, da natureza. Tal é, segundo a Krisis, o espírito galileano, ao qual o espírito cartesiano aporta uma espécie de comutador metafísico pela concepção da dualidade do pensamento e da extensão, entendamos, em termos que já não são mais aqueles de Descartes, o dualismo do que é matematizável, logo objetivo, segundo o método matemático da física de inspiração galileana, e do que parece aí escapar, mas sempre sob reserva de investigações científicas mais precisas, sob a forma da alma ou da subjetividade. Assim sendo, é por isto que Husserl denominava por «substrução» o campo idealizado das objetividades matemáticas que tende a se substituir ao mundo natural, quer dizer a esvaziá-lo de seu sentido, este não se encontrando mais senão nas operações lógico-matemáticas e no sujeito operador da ciência, considerado todo poderoso, «mestre e possuidor da natureza». Toda questão do sentido que não será mais regrada pelo método matemático se torna por aí ilegítima, rejeitada na zona flou do não ainda conhecido e do irracional. O dualismo de inspiração cartesiana é tal que a alma ou a subjetividade, espécie de reduto para as questões de senso, se encolhe como uma ameixa.

{Marc Richir, «Science et phénoménologie»}