MacDowell: O tempo como horizonte da interpretação tradicional do ser

A tarefa da destruição da Ontologia tradicional, à luz da questão do sentido de ser, não é somente indicar a compreensão de ser, que nela vigora, mas, sobretudo, descobrir o seu fundamento. A grande intuição que está à base de Sein und Zeit é a da relação entre o sentido de ser e o tempo. Se o sentido de ser é dado em uma compreensão do ser, e se o homem e seu compreender são essencialmente temporais, a ideia de ser deve estar também em íntima relação com o tempo. De fato. o tempo é o horizonte da compreensão do ser em geral.

A interpretação tradicional do ser move-se, sem dar-se conta disso, neste horizonte do tempo, a bem dizer, de uma determinada compreensão do tempo. A temporalidade existencial, que constitui o sentido do ser do homem, não foi desvendada pelos Gregos. Do mesmo modo que a noção vulgar de tempo, a análise aristotélica não se apoia na temporalidade originária, mas recorre ao fenômeno secundário do tempo mundano, que se manifesta no cuidar do que está à mão, como datação dos dias e das horas. Entretanto, este tempo mundano não é interpretado autenticamente, de modo que os seus momentos apareçam, na sua conexão concreta com o cuidar, como aptos ou impróprios para… Tais relações de cada agora para com o mundo, como existencial, são niveladas. O tempo é concebido, então, como o puro suceder-se da sequência de agoras. É em função desta noção de tempo que é circunscrito o sentido de ser em geral e dos diversos modos de ser.

A existência do ente é o seu estar-aí, a sua presença e atualidade no mundo; a sua essência ou substância é aquilo que não passa, não muda, permanece constantemente presente. Este sentido de ser corresponde a um entender que é essencialmente “ver”, no sentido de presenciar, na Filosofia moderna representar (vor-stellen). O sintoma mais evidente desta determinação temporal do sentido de ser é a própria expressão ousia ou parousia, que significa, propriamente, “apresentação”, “presença”.

A caracterização do ontos on, i. e., daquilo que verifica sumamente o sentido de ser, como aei on, denota o mesmo predomínio da concepção naturalística do tempo. De fato, também a eternidade das essências como nunc stans é entendida a partir do tempo. Outro sinal deste fenômeno fornece a fórmula to ti en einai, usada por Aristóteles para designar a quididade. A forma temporal do verbo serve para exprimir a prioridade ou anterioridade da essência em relação ao ente e, ao mesmo tempo, a sua intemporalidade como presença constante. Enfim, quando a tradição ontológica se refere ao ser do ente como prius e a priori, o protesto de que tal determinação nada tem que ver com o tempo não basta para resolver os problemas que a própria expressão levanta.

0 tempo desempenha ainda o papel de critério para a distinção das diversas regiões do ente. É assim que se distingue entre o ente “temporal”, i. e., o processo da natureza e os acontecimentos da história, e o ente “in-temporal”, como as relações espaciais e numéricas, estudadas pela matemática. O conteúdo “atemporal” das proposições, do objeto do intelecto, é contraposto à sucessão “temporal” dos atos de entender humano. Uma linha divisória separa, enfim, toda a natureza mundana e temporal do ente supratemporal, i. e., eterno. Temporal significa, aqui, o que existe no tempo. Os modos de ser do ente são caracterizados em função de sua temporalidade. Isto indica que a própria ideia de ser, que preside a esta classificação, é temporal, se bem que não mais no sentido de “aquilo que existe no tempo”. O ser do que “não existe no tempo” (intemporal, supratemporal) é também temporal neste novo sentido, não simplesmente como uma privação da temporalidade, mas enquanto o horizonte em que se forma a sua ideia é intrinsecamente temporal.

A ideia tradicional de ser como presença constante é determinada, secretamente, por uma compreensão naturalística do tempo. Sem dar-se conta desta conexão, i. e., da função ontológica fundamental do tempo, a Filosofia grega considerou o tempo como um ente entre outros entes e tentou interpretá-lo a partir da própria ideia de ser, obtida já em função do tempo. A interpretação aristotélica do tempo, baseada na compreensão óbvia e vulgar deste fenômeno, permanece em vigor até nossos dias. A análise kantiana, apesar da subsunção deste fenômeno no sujeito, é orientada completamente pela noção vulgar e tradicional de tempo. O influxo aristotélico também é decisivo, apesar das aparências contrárias, nas interpretações de Hegel e de Bergson.