A questão platônico-aristotélica do sentido de ser como origem da Ontologia tradicional.
Os cursos de Heidegger nos anos que precederam a publicação de Sein und Zeit versaram, amiúde, sobre Aristóteles. Também o Sofista de Platão, que forneceu o mote de Sein und Zeit, serviu de tema a uma série de preleções, ao passo que noutro semestre Heidegger estudava os conceitos fundamentais da Filosofia antiga.
Além da novidade da perspectiva sob a qual ele encara a Filosofia grega, o seu debate com os mestres do passado é caracterizado por um novo método, que Heidegger chama de interpretação fenomenológica. Numa introdução às suas interpretações de Aristóteles, enviada a Paul Natorp em 1922, Heidegger falava, a cada passo, de Lutero, Gabriel Biel e S. Agostinho. Tratava-se de mostrar com que interrogações é mister afrontar os textos de Aristóteles, pai da Metafísica e mestre da tradição cultural do Ocidente.
As precauções da sua hermenêutica permitem-lhe evitar a falta, que invalida os mais eruditos estudos da Filosofia antiga: pensá-la não como os Gregos, mas através das lentes deformantes de uma tradição plurissecular. Ele conseguiu, assim, restituir aos termos, usados e banalizados, a força incomparável de uma experiência original e profunda. Esta empresa tornou-se possível, desde que Heidegger considerou o próprio pensar dos Gregos, no seu essencial, como uma Ontologia fenomenológica. Libertado do constrangimento, que lhe impunha a tradição, o texto de Aristóteles começou a falar de maneira surpreendente. E tão luminosos eram os fenômenos que a sua interpretação punha a descoberto, que os ouvintes de então mal podiam suspeitar que, com a reabilitação do Estagirista, Heidegger não tencionava senão poder “destruí-lo” autenticamente.
Os resultados deste esforço de identificação do sentido genuíno dos termos gregos, através do recurso às experiências originais, dos quais eles são a expressão, manifesta-se, em várias passagens de Sein und Zeit, a proposito de logos, phainomenon, noein, aletheia, ou quando são recordadas as análises aristotélicas dos afetos (pathe) e, em particular, do temor.
Entretanto, o que Heidegger mira, acima de tudo, é a elucidação do sentido grego de ser (on, ousia), do qual depende toda a visão filosófica das coisas, e a sua conexão com o fenômeno do tempo.