Luijpen: O “nada” como o ser do sujeito

A análise do que Heidegger chama o “nada” (Nichts) leva-nos à mesma conclusão.

A tarefa das ciências é esclarecer, o que implica que procuram reduzir o Sendo cósmico a seus antecedentes, às forças e processos cósmicos que lançam o Sendo no ser. Como é, porém, propriamente possível tal explicação ? Se também o homem fosse Sendo como todos os outros Sendos explicáveis cientificamente pelo homem, nada mais seria que obscuridade, em nenhuma parte brilharia a luz da explicação científica, o Sendo não se tornaria “manifesto” e o homem nada teria a dizer ou a dar que pensar. Mas o Sendo cósmico é “manifesto”, tendo o homem alguma coisa a dizer ou dando algo a pensar. Isso só é possível porque o homem, o ser-aí (Dasein), não é em si completamente um Sendo. Se este quer aparecer e referir-se ao ser-aí, precisa o ser-aí transcender o “Sendo-cósmico-no-ser-aí”. Caso contrário, o ser-aí não pode referir-se ao Sendo nem a si mesmo. Os Sendos cósmicos nunca se referem a si mesmos nem aos outros.1

O que há no ser-aí, porém, que faz com que transcenda em si mesmo o Sendo ? Sem dúvida, o outro-que-o-Sendo, a saber, o nada. “Ser-aí quer dizer: ser contido no nada”.2 O nada possibilita que o Sendo se manifeste e que o ser-aí se descubra a si mesmo.3 Portanto, não é o nihil negativum (nada negativo), a pura negação do conceito de “Sendo”,4 porque o manifestar-se do Sendo acontece pela anulação do nada.5 Trata-se de alguma coisa muito positiva. Vê-se, assim, que a ciência, a qual se ocupa com a explicação do Sendo e “nada” mais, não pode compreender-se sem o conceito do “nada”. Porque é precisamente por serem “contidas no nada” que as ciências são possíveis.6

O homem é concebido aqui por Heidegger como a polaridade do Sendo e do nada. Por Sendo entendo claramente o ente cósmico, explicável pelas ciências. Tal explicação se torna possível porque no próprio ser-aí se transcende o Sendo, que o homem também é. Essa instância ultrapassadora será chamada por Heidegger o nada, por não poder ser como o Sendo, explicado pelas ciências. Os objetos das ciências nunca levam a uma ciência. Com o outro-que-o-Sendo, Heidegger significa nitidamente o sujeito, o qual possibilita a maravilha de se perguntar pelo “porquê” do Sendo, i. e., a ciência.7 O filósofo chama de nada o sujeito, porque não é como aquilo que denominou Sendo. Mas esse nada é algo positivo. Não é nada: é não-uma-coisa! É a positividade do “deixar-ser” (Seinlassen).8

  1. “Se o ser-aí, no fundo de sua essência, não transcendesse. .. nunca poderia referir-se ao Sendo e, portanto, também não a si mesmo”. M. Heidegger, Was ist Metaphysik?, p. 35.[]
  2. M. Heidegger, ibid.[]
  3. “Sem a manifestação original do nada, não há o ser próprio nem a liberdade”. M. Heidegger, ibid.[]
  4. “O nada é a possibilitação da manifestação do Sendo como tal para o ser-aí humano. O nada não constitui o conceito contrário do Sendo, mas pertence originariamente à própria essência”. M. Heidegger, ibid.[]
  5. “No ser do Sendo acontece a anulação do nada”. M. Heidegger, ibid.[]
  6. “Agora, porém, se torna manifesto na questão sobre o nada que este ser-aí científico só é possível permanecendo, de antemão, no nada”. M. Heidegger, op. cit., p. 40.[]
  7. “Só porque se revela o nada do ser-aí, pode apoderar-se de nós a inteira estranheza do Sendo. Só quando a estranheza do Sendo nos oprime, despertamo-nos e abrimo-nos à admiração. Só com fundamento na admiração, i. e., na manifestação do nada, surge o porquê. Só por ser possível o porquê como tal, podemos, de certo modo, perguntar pelos fundamentos e fundamentar. Só porque podemos perguntar e fundamentar, dá-se à nossa existência o destino do investigador”. M. Heidegger, op. cit., p. 41.[]
  8. Assim também é que se deve entender a proposição aparentemente contraditória: Ex nihilo omne ens qua ens fit (op. cit., p. 40j. Ela tem sentido pelo nada do ser-aí, i. e., pela positividade da subjetividade, pela qual o homem inscreve em si o ser do ente cósmico. “Só no nada do ser-aí chega a si mesmo o Sendo na totalidade de sua própria possibilidade, ou seja, num modo finito”. M. Heidegger, op. cit., p. 40.[]