Em sentido estrito, não se pode provar que o homem é existência. Isso significa, em primeiro lugar, que a noção do homem como existência nunca será o resultado de um processo mental chamado nas ciências humanas positivas prova. Todas as ciências positivas supõem uma ideia da essência do homem, ao menos por se considerarem capazes de certos modelos científicos. Tem-se a impressão implícita de que o homem é essencialmente de tal modo que se consegue dizer alguma coisa sobre ele com o auxílio desses modelos. Pressuposição de natureza filosófica, não podendo, portanto, ser esclarecida pelas ciências positivas.1 Nas ciências humanas positivas o homem aparece como um “ingrediente” científico. O homem, porém, não se chama existência enquanto “ingrediente” das ciências, mas, entre outros, enquanto cientista.
Em segundo lugar, a afirmação de não se poder provar que o homem é existência significa que essa ideia não pode provir de outra, anterior, mais fundamental. Porque nada é anterior e mais fundamental para o homem que sua própria essência, e dessa essência se diz que é a existência.
A mesma afirmação não quer dizer, contudo, que o filósofo se encontre de todo impotente ou que cada um esteja apto a dizer sobre o homem o que lhe ocorre. O existir do homem, na verdade, não pode ser provado, mas sim apresentado, embora com grandes riscos.2 O filósofo pode procurar jazer ver a essência do ser do homem, como também o tentaram os materialistas e os espiritualistas. Mas nesse ensaio de “fazer ver” não tem nunca uma garantia completa de que se saia melhor que os outros, conquanto o espere e deseje expressamente.
Antes de passarmos à tentativa de mostrar o existir, convém realçar que falamos do homem no nível próprio de seu ser-homem. Quem ouve dizer que o ser do homem se chama ser-consciente-no-mundo, há de perguntar talvez se os que dormem, os narcotizados, os recém-nascidos, os imbecis, idiotas e esquizofrênicos serão ainda chamados homens. É claro que nesses exemplos não se fala do homem no nível próprio dé seu ser-homem. Evidente também que se tais indivíduos são todavia designados como homens, isso só é possível na base da :relação do ser-homem em nível impróprio com o ser-homem no mível próprio. O nível próprio do ser-homem é, pois, em certo sentido, “anterior” ao impróprio, o que torna possível falar, de algum modo, do ser-homem no nível impróprio como sendo homem. Ao “definirmos” o homem como existência, falamos dele no nível próprio de seu ser-homem.
Há vários caminhos pelos quais se pode fazer ver que o homem é existência. Alguns autores procuram chegar ao existir por uma análise da consciência, outros por uma análise da corporalidade humana. Visto que o primeiro caminho será tratado em nosso próximo capítulo, limitamo-nos agora à análise da corporalidade humana.
- Merleau-Ponty, Sens et Non-sens, p. 195.[
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- “A relação com o mundo, tal como pronunciada infatigavelmente em nós, não é algo que possa ser tornado mais claro por uma análise: a filosofia só pode colocá-la sob nosso olhar, oferecê-la a nossa constatação”. Merleau-Ponty, Phénoménologie de la Perception, Avant-propos, p. XIII.[
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