Visão é um motivo recorrente em Heidegger. “Ver” é sehen. O substantivo derivado, Sicht, “vista”, já significou tanto ver como o que é visto, mas agora restringe-se ao que é visto, significando “visão, visibilidade”. Em palavras compostas Sicht retém, no entanto, o sentido de “vendo” ou “avistando”; Umsicht, lit. “olhando ao redor”, é “circunvisão”, e Rucksicht, lit. “olhando para trás”, é “respeito, consideração”. Adjetivos correspondentes frequentemente terminam em -ig: umsichtig, vorsichtig. Sicht gera sichtbar, “visível”, mas não sichtig. Heidegger extrai, no entanto, Sicht de seus compostos, restaurando assim seu sentido ativo. Cunha sichtig, “à vista (mente)” (SZ, 149). Sicht é uma característica fundamental de DASEIN, aparecendo sob várias formas: “A visão que, junto com a abertura (Erschlossenheit) do pré (Da), se dá existencialmente é, de modo igualmente originário, a pré-sença (Dasein) nos modos básicos de seu ser já caracterizado como a circunvisão (Umsicht) da ocupação, a consideração (Rucksicht) da preocupação, a visão (Sicht) do ser como tal em função do qual a pré-sença (Dasein) é sempre ela como é” (SZ, 146). Sicht “corresponde à iluminação (Gelichtetheit)”, à “abertura do pré”. “Ver” significa tanto “não perceber apenas com os olhos do corpo”, como também não “ apreender de modo puro e com os olhos do espírito algo simplesmente dado em seu ser”. O que importa para o “sentido existencial da visão” é que ver “encontra descoberto em si mesmo o ente a ele acessível” (SZ, 147). É difícil ver algo sem vê-lo como algo, “como mesa, porta, carro, ponte”: “O ver dessa visão já é sempre compreensão e interpretação. (…) “A simples visão das coisas mais próximas nos afazeres (GA40 Zutunhaben mit …) já traz consigo tão originariamente a estrutura de interpretação que toda e qualquer apreensão, por assim dizer, livre da estrutura-como (als freies) necessita de uma certa transposição e ajuste” (st, 149). (Inwood, MIDH)
A construção do mundo cotidiano das ocupações não é cega mas guiada por uma visão de conjunto, a circunvisão, que abarca o material, o usuário, o uso, a obra, em todas as suas ordens.
Esta visão não é uniforme e padronizada nem em seu direcionamento e perspectiva e nem em sua natureza. Para discriminar essas diversas modalidades de visão, que guiam o mundo das ocupações e preocupações, Ser e tempo compôs o radical de ver (Sicht) com diversas preposições e partículas conotativas. Assim, Ruck-Sicht indica uma maneira de ver, que leva em conta a diferença e a importância de tudo com que se lida e se carrega nas costas (Ruck). A tradução optou pelo termo “consideração”. Nach-Sicht exprime o empenho de correr atrás, aceitando as tensões, os limites e as características diferenciais das situações e modos de ser. A tradução reservou o termo “tolerância”. Durch-Sicht e seus derivados remetem para a força e a ação penetrante da visão que permite não apenas perpassar obstáculos e graus diferentes de densidade, como possibilita a integração respeitosa de uma visão de conjunto. A tradução encontrou em “transparência” a mesma força de expressão. (Schuback, STMS)