atitude natural

(VGKH)

Atitude natural (natürliche Einstellung): No §30 das Idées directrices, Husserl escreve que “a tese geral da atitude natural” consiste em descobrir e acolher como existente um mundo, ou seja — como mostrou a análise do conceito de mundo natural (§§27 a 29) — “uma única realidade espaço-temporal da qual eu mesmo faço parte, assim como todos os outros homens que nela se encontram e se relacionam com ela da mesma maneira”.

A atitude natural é uma posição de existência, mas em um sentido muito particular da existência. De fato, a existência posta na atitude natural não é a de um ou vários entes. Posso duvidar e recusar tal ou qual dado do mundo natural: isso não altera em nada a posição (a tese) geral da atitude natural. Pelo contrário, pressupõe a existência do mundo como realidade oniabrangente. Não apenas uma negação de existência particular não invalida a tese da atitude natural, mas a pressupõe: pois é apenas no interior da crença originária no mundo que um ente intramundano pode ser recusado como não sendo. Todas as ciências, que visam obter desse mundo um conhecimento mais amplo e confiável, são, nesse sentido, derivadas da atitude natural.

A tese da atitude natural não se refere apenas à existência de um ou vários entes, mas tampouco à totalidade dos entes. Ela desdobra o mundo não como totalidade dos entes atualmente percebidos ou copercibidos, ou que poderiam potencialmente sê-lo, mas como estrutura de horizonte: o “já aí”, aquilo que não cessa de estar presente e disponível para mim, mas que não pode, nem atualmente nem potencialmente, trocar completamente de papel com o efetivamente percebido ou copercibido. Pois, se atualizo o que é potencial, o que se torna atualizado deixa imediatamente de funcionar como horizonte. O mundo não é a totalidade dos entes que poderiam se dar por atualização das cogitationes potenciais. Assim, é por abuso de linguagem que Husserl pode dizer que “o mundo se dá como horizonte”. Pois o que se dá (gegenwärtigen) é apresentado no modo da percepção, da imagem ou da lembrança. O mundo, propriamente falando, não se dá, nem mesmo como horizonte. Mas ele está presente (vorhanden), disponível para uma consciência perceptiva, sem que jamais possa desempenhar o papel nem do percebido, nem do copercibido. Ele é aquilo que nunca pode faltar.

A atitude natural é, portanto, a tese da existência não de um ente do mundo, nem mesmo da totalidade dos entes mundanos, mas do mundo como horizonte último, ou seja, irredutível.

A atitude natural não é apenas posição de existência em um sentido muito particular da existência; é também em um sentido muito particular da tese que se pode dizer que ela é uma tese ou uma posição. De fato, a “tese natural” é algo completamente distinto do naturalismo, que, em certo sentido, também é uma tese. Ela é uma tese que permanece aquém de toda tomada de posição. Nesse sentido, não admite um contrário possível, não é uma resposta possível a uma interrogação que se poderia eventualmente confrontar com outra tese sobre o mundo. Ela é o que torna possível toda interrogação, toda tomada de posição. É o que é pressuposto por toda atitude, sua condição de possibilidade, seja ela teórica ou prática. Tudo se passa, portanto, como se a atitude natural não fosse tanto uma atitude, mas justamente, como diz Fink, “o que comanda todas as atitudes, as sustenta, aquilo em que elas se excluem ou alternam, o que as precede todas como sua possibilidade” (Fink, Représentation et image, in De la phénoménologie, éd. de Minuit, 1974, §4, p. 25). No fundo, essa tese que é a atitude natural é o contrário de uma tese: ela nomeia a dimensão originária de receptividade do homem diante do mundo. É um “viver engajado no mundo”. Por ela, o mundo não é posto como objeto de uma tese; é descoberto e acolhido como já aí, sempre disponível.

Ora, se a atitude natural não designa uma atitude, por que continuar a falar em “atitude natural”? Se essa tese geral é o contrário de uma tese ou posição, já que não posta nada, mas nomeia essa dimensão originária de receptividade do homem diante do mundo, por que se fala em “tese geral”? Em suma, por que encontrar algo aqui equivale a postular? É que, ao falar da tese geral da atitude natural, já nos colocávamos do ponto de vista transcendental. Descobre-se aqui que, para poder falar da atitude natural, já era preciso ter saído dela. É uma vez fora da atitude natural que se pode precisamente falar dela como fizemos, como se a atitude natural não pudesse aparecer a si mesma em sua significação própria. É a redução que revelará como posição essa crença que, no plano da atitude natural, se dá como descoberta, como pura receptividade. Ao falar de “tese natural”, já nos colocávamos do ponto de vista da redução transcendental, que revelará o mundo como constituído por uma subjetividade transcendental, como correlato de atos. Tudo se passa, portanto, como se o sentido radical da atitude natural só pudesse aparecer fora dela, na redução, que o revela no momento mesmo em que o suspende.

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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