(ELTI)
Não foi por acaso que a relação teórica foi o esquema preferido da relação metafísica. O saber ou a teoria significa, em primeiro lugar, uma relação tal com o ser que o ser cognoscente deixa o ser conhecido manifestar-se, respeitando a sua alteridade e sem o marcar, seja no que for, pela relação de conhecimento. Neste sentido, o desejo metafísico seria a essência da teoria. Mas teoria significa também [29] inteligência — logos do ser — ou seja, uma maneira tal de abordar o ser conhecido que a sua alteridade em relação ao ser cognoscente se desvanece. O processo do conhecimento confunde-se neste estádio com a liberdade do ser cognoscente, nada encontrando que, em relação a ele, possa limitá-lo. Esta maneira de privar o ser conhecido da sua alteridade só pode ser levada a cabo se ele for visado através de um terceiro termo — termo neutro — que em si mesmo não é um ser. Nele viria amortecer-se o choque do encontro entre o Mesmo e o Outro. Este terceiro termo pode aparecer como conceito pensado. O indivíduo que existe abdica então em favor do geral pensado. O terceiro termo pode chamar-se sensação em que se confundem qualidade objectiva e afecção subjectiva. Pode manifestar-se como o ser distinto do ente: ser que, ao mesmo tempo, não é (quer dizer, não se põe como ente) c entretanto corresponde à obra perseguida pelo ente, e não é um nada. Ser, sem a espessura do ente, é a luz em que os entes se tornam inteligíveis. À teoria, como inteligência dos seres, convém o título geral dc ontologia, A ontologia que reconduz o Outro ao Mesmo, promove a liberdade que é a identificação do Mesmo, que não se deixa alienar pelo Outro. Aqui, a teoria empenha-se numa via que renuncia ao Desejo metafísico, à maravilha da exterioridade, dc que vive esse Desejo. — Mas a teoria, como respeito da exterioridade, desenha uma outra estrutura essencial da metafísica. Tem a preocupação de crítica na sua inteligência do ser — ou ontologia. Descobre o dogmatismo e o arbitrário ingénuo da sua espontaneidade e põe em questão a liberdade do exercício ontológico. Procura então exercê-la de maneira a remontar, em cada instante, à origem do dogmatismo arbitrário deste livre exercício. O que levaria a uma regressão ate ao infinito, se essa subida tivesse também de continuar a ser uma caminhada ontológica, um exercício da liberdade, uma teoria. De maneira que a sua intenção crítica a leva para além da teoria e da ontologia: a crítica não reduz o Outro ao Mesmo como a ontologia, mas põe em questão o exercício do Mesmo. Um pôr em questão do Mesmo — que não pode fazer-se na espontaneidade egoísta do Mesmo — é algo que se faz pelo Outro. Chama-se ética a esta impugnação da minha espontaneidade pela presença de Outrem. A estranheza dc Outrem — a sua irredutibilidade a Mim, aos meus pensamentos e às minhas posses — realiza-se precisamente como um pôr em questão da minha espontaneidade, como ética. A metafísica, a transcendência, o acolhimento do Outro pelo Mesmo, dc Outrem por Mim produz-se concretamente como a impugnação do Mesmo pelo Outro, isto é, como a ética que cumpre a essência crítica do saber. E tal como a crítica precede o dogmatismo, a metafísica precede a ontologia.