Laffoucrière (1968:255-256) – logos é história

(…) Só existe uma história do logos. Como o logos marca não apenas a unidade do ser e do ente, mas também sua diferenciação, ele abre o registro da temporalidade. Ele expressa essa temporalidade de duas maneiras: no que diz e no que não diz. No que diz, ela se encarna nas obras dos homens. No que não diz, refere-se ao advento da presença. Segue-se necessariamente uma dupla consideração: o logos se imporá como Grund, isto é, como aquilo que funda a expressão de cada momento na forma manifesta que tomou. Além disso, como o ser do qual ele é o não, na ausência que ele atesta, ele se refere a deuses e homens.

Por ser Grund, ele explica todas as construções metafísicas que reinaram durante séculos, e estas, por serem Grund, possuem uma parcela indiscutível de verdade. Como tantas outras doutrinas, elas são falsas apenas por se absolutizarem, apenas pelo que esquecem: que esse Grund é Abgrund, abismo, Nichtung original, aniquilação do ser que se dá a pensar. Essa mesma dádiva do logos a todo momento é a dimensão viva do divino. Ao localizar o surgimento do logos no da do homem, em sua identidade e em sua diferença, Heidegger restaura a unidade da ontologia e da teologia que a metafísica, satisfeita em interdefini-las, havia esquecido.

Certamente devemos agora nos perguntar a que definição de homem esse esboço pode se relacionar. Dois textos são tradicionais: animal rationale et faciamus hominem ad imaginem et similitudinem nostram. O homem pensa e fala e o homem é divino. Não se trata de negar nenhum dos pontos de vista. É a unidade deles que estamos buscando. Onde ela se encontra?

Ela é alcançada na abertura do Da, ou seja, na dispensação da presença que o logos expressa a cada vez. Basicamente, há uma dispensação do logos. Heidegger especifica que devemos substituir a fórmula metafísica: Anthropos = zoon logon echon, homem = ser vivo que tem a palavra, por esta outra: physis = logos anthropon echon, o desabrochar dá a cada vez a palavra que tem o homem (GA40). Certamente não estamos hipostasiando o logos. Dispensação, aquilo que nos dispõe a … é, acima de tudo, orientação. Em suma, tem um sentido. Abre-nos de uma forma singular, que nunca mais se repetirá, para nós mesmos, para os outros, para as coisas e para Deus. Constitui o momento situado que é nosso enraizamento. O mundo, o cosmos, é apenas outro nome para logos-aion. Ambos expressam algo que ainda não foi ouvido: a dispensação do ser (GA10), ou seja, o fato de que as categorias, a maneira como abordamos o ente, não são nem do pensamento, como a metafísica acredita, nem do ente, como o senso comum acredita, mas do logos. Melhor ainda, elas são logos.

(LAFFOUCRIÈRE, Odette. Le destin de la pensée et “La Mort de Dieu” selon Heidegger. La Haye: Martinus Nijhoff, 1968)

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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