(…) era necessário, em primeiro lugar, buscar um conceito suficiente da existência humana que nos permitisse perguntar qual é sua relação com Deus. Na perspectiva da Carta sobre o Humanismo, o homem habita, na medida em que é homem, na proximidade de Deus (GA9:CartaH). A relação se abre imediatamente no Dasein porque Da é a proximidade do ser como tal. É nessa proximidade ou em lugar nenhum que devemos decidir se o deus ou os deuses se recusam a si mesmos, como se recusam a si mesmos, se e como a noite permanece, se o dia do sagrado amanhece, se nesse amanhecer do sagrado uma aparição do deus ou dos deuses pode mais uma vez começar, e como.
O mesmo texto caracteriza nossa era como aquela em que a dimensão do sagrado foi estrangulada. Esse fechamento talvez seja o único infortúnio. Depois de Hölderlin, Heidegger fala sem rodeios sobre esse tempo de miséria em que os deuses fugiram, e não apenas os deuses e o deus, mas o próprio brilho da divindade foi extinto na história do mundo. Les Chemins qui ne mènent nulle part (GA5) analisa essa característica moderna da perda dos deuses, a desdivinização, a Entgötterung: “a expressão não se refere a um simples abandono dos deuses, Beseitigung, ateísmo puro e simples. O despojamento dos deuses é o processo de dois lados pelo qual, por um lado, a ideia geral do mundo — Weltbild — foi descristianizada na medida em que o fundamento do mundo foi concebido como o Infinito (Descartes), o incondicionado (Kant), o Absoluto (Hegel) e, por outro lado, o cristianismo — Christentum — deu outra interpretação de seu cristianismo — Christlichkeit — e, assim, adaptou-se aos novos tempos. A divinização é o estado de indeterminação sobre deus e deuses. Ela não exclui a religiosidade, pelo contrário. “Como a subjetividade reina, o relacionamento com os deuses é transformado em uma experiência religiosa, em uma fé moralista e prática. O resultado é uma concepção da Providência que é a antítese da vontade de poder” (GA6T2).
Para Heidegger, esse é o sintoma de um esquecimento cujo outro nome é a perda do sentido conjunto do ser e do homem.