A virada capital que se opera com o autor dos Princípios [Descartes], é a transformação da noção de sujeito e de objeto. A escolástica conservava orgulhosamente a analogia entis e, em considerando o mundo como ens creatum, fazia um sujeito e não um objeto. Uma mesa, uma casa, uma árvore guardavam para ela as características do hypokeimenon, quer dizer do suppositus. Por aí se exprimia o traço essencial da presença de todo ente, a substancialidade. O subjectum, é isto que aí está, presente sob as “aparências”. O objeto então, tão paradoxal que isso nos pareça hoje em dia, é o que é oferecido ao simples olhar ou apresentado ao espírito, ob-jectum ou ens rationis, tal por exemplo uma montanha em ouro. É por excelência, o que entendemos hoje em dia como conceito subjetivo.
Nos gregos, o antikeimenon era simplesmente a maneira fundamental pela qual todo ente se oferece e pode se oferecer a um outro ente. Por toda parte onde coisas estão em relação, vão, vêm, surgem e desaparecem, se opõem ou passam umas nas outras, elas são entre elas antikeimena. Sujeito e objeto tinham portanto originalmente um sentido muito geral que exprime sua maneira de ser. Todo ente é sujeito e objeto, se exterioriza e se oferece assim às coisas vizinhas.
A substancialidade da substância vai receber agora uma interpretação nova e é esta modificação que constitui os tempos modernos. A substancialidade, o vimos, é desde sempre, intimamente ligada à ideia de presença. Por um lado esta presença foi visualizada desde o início de maneira ambígua, ao mesmo tempo no surgimento e na permanência. Por outro lado, o surgimento, o aparecer, pode ser entendido de duas maneiras: ou o aparecer vem da ação das coisas mesmas: Vorschein, dizem os alemães. É assim que a visualizavam a Antiguidade e a Idade Média e é o que constitui seu “realismo”. Ou o aparecer se faz pelo homem, na objetivação e na representação — Anschein —. É a maneira pela qual o concebem os tempos modernos. Seria certamente falso dizer que para os gregos ou os medievais os problemas de conhecimento e de saber não desempenhavam nenhum papel e que os modernos não viam na verdade um desvelamento das coisas por elas mesmas. Assim de um lado, o ente surge e se inserindo nesta zona clareada que abriu a aparição do ser mas que parece aqui estendida ao mundo onde o homem pode encontrar a todo tempo tudo isto que é; de outro lado, a metafísica moderna não cessa de encontrar seu solo verdadeiro no aparecer do ente, pois é este aparecer que, desvelado pelo homem, se identifica a sua representação.
É com efeito esta palavra “representação” que traduz a descoberta de Descartes concernente ao aparecer e a presença do presente. Trata-se para o eu de se representar isso que é e de se representar ao mesmo tempo si mesmo a si mesmo. Como a coisa encontrada pelo eu toma lugar em face dele em uma presença? É que ela não poderia ser aportada ao eu senão que lhe seja relacionada e representada, senão que ela lhe seja presente. Doravante, teremos uma imagem do mundo. Toda época da história não comporta necessariamente uma representação do mundo e não tem dela nem mesmo a ideia, pois esta preocupação caracteriza um momento do pensamento. A Idade Média a ignorava, como testemunham suas obras de arte cuja verdade decorria da correspondência imediata de todas as coisas a seu Criador. A Antiguidade não tinha também esta preocupação de uma imagem do mundo. No logos original, no “instante” — Augen-Blick — que marca a abertura do campo de presença e a instituição do tempo, o ente não ente somente porque o homem o olha, ele mesmo tem olhar ao homem.
No seio desta dimensão original, é o comum brotar do ser e do pensamento que suscita um para o outro e um pelo outro, o homem e o mundo. Tudo é tomado em uma unidade que os torna inseparáveis e envelopa até seu combate, seu polemos. Tal era o homem grego.