Krell (1991:83-85) – Lumen Naturale

detalhe

(…) Heidegger está bem ciente do peso da tradição, que, como Karl Marx diz da história em geral, oprime o cérebro dos vivos como um pesadelo. E é quase como se Heidegger pudesse ouvir as declarações de futuros comentadores que não achariam nada mais natural do que identificar o Dasein com o sujeito e o mundo com o objeto. A análise temática do “ser-em” é para despertar o leitor de tal pesadelo, no qual todo o projeto de Ser e Tempo se afundaria. Heidegger não tem ilusões sobre a dificuldade da sua tarefa. Pois as suas tentativas anteriores de definir o Dasein como “o Ser do ‘entre’”, e ainda como o fenômeno global, podem muito bem ter despertado o fantasma que ele desejava enterrar. É nesta altura (capítulo 5 de SZ) que a palavra “Dasein” começa a aparecer como Dasein, a separação indicando paradoxalmente a inseparabilidade do mundo e do eu, e mesmo do Sein e do Dasein, na revelação.

O modo de falar onticamente figurado que se refere ao lumen naturale no homem não significa outra coisa senão a estrutura existencial-ontológica deste ser; significa que este ser é, pelo fato de ser, o seu Da. Dizer que ele é “iluminado” significa que ele é iluminado em si mesmo como ser-no-mundo, não por meio de outro ser, mas de tal modo que este ser é ele mesmo a clareira. Somente para um ser que é iluminado existencialmente de tal maneira é que as coisas que estão à mão são acessíveis na luz, escondidas na escuridão. O Da acompanha o Dasein do princípio ao fim. Carecer dele não é meramente factual, mas geralmente, não é o seu modo de ser. O Dasein é a sua revelação.

(…)

Lumen naturale é denominação de uma imagem ôntica do Ser do homem. Embora possa servir como evidência para a análise do Ser-em, não pode ser tomado como ontologicamente fundamentado e esclarecido. Porque não é um ser que, como atestado ôntico, possa servir para fundamentar a análise; é antes um dos fardos da nossa tradição – “fardo” entendido aqui tanto no seu sentido musical como no seu sentido mais opressivo.

original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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