Kockelmans (1984:99-101) – espaço-tempo

Ao enviar (Geschick) como tal, a essência do tempo se mantém. Por tempo não entendemos aqui aquele tempo com a ajuda do qual medimos o movimento e que é derivado dos entes, mas sim a temporalidade que pertence ao horizonte transcendental do sentido do Ser. Ela é meramente (100) o modo pelo qual o desvelamento vem a acontecer. Em toda a tradição metafísica, o tempo nunca foi adequadamente desdobrado ou mesmo discutido. Essa foi a razão pela qual o Ser dos entes sempre foi considerado a partir da perspectiva da presença (Anwesenheit) e o tempo foi pensado como uma série de momentos-agora, dos quais um está presente apenas no sentido estrito e os outros não estão mais ou ainda não estão presentes. Dessa forma, uma das ek-stases do tempo começou a ocupar a posição privilegiada sobre as outras ek-stases e, assim, o presente foi considerado o núcleo do tempo; as outras ek-stases foram então interpretadas a partir desse ponto de vista. Mas em tudo isso, o horizonte inteiro que está por trás de toda presença nunca foi examinado. Heidegger, em um esforço para superar o domínio da presença e do presente, tenta pensar o tempo como a simultaneidade do passado, do presente e do futuro, ou, como ele costuma dizer, a unidade do ter-sido, da presença e do presente que está aguardando o nosso encontro e que geralmente é chamado de futuro.1 “Simultaneidade” é o jogo entre as três dimensões, mas ela mesma não é algo como uma quarta dimensão. Em vez disso, é aquilo a partir do qual as três dimensões se originam. Além disso, na visão de Heidegger, as três dimensões são igualmente importantes; não é possível que uma delas prevaleça sobre as outras duas. O ter-sido, que vai embora e, no entanto, permanece, assim como o futuro, que chega e, no entanto, ainda está pendente, não pode ser pensado a partir da perspectiva da constância do presente, como algo que ainda não está ou não está mais presente. Além disso, o presente não é, de forma alguma, o que é constante; ao contrário, o presente autêntico se concretiza em cada caso se e quando o ter sido e o futuro jogam juntos e se misturam. Também ficará claro que a “simultaneidade” mencionada aqui não pode ser pensada como o “em si” do tempo; em vez disso, pode ser experimentada apenas na diferenciação que, no entanto, também se junta ao reter o ter-sido, deixando o futuro chegar e acomodando-se no que é próprio do presente genuíno.2

Além disso, o tempo, tomado como simultaneidade, e o espaço se mantêm juntos. E a unidade dos dois não deve ser considerada como se referindo à totalidade de todos os “lugares” que são exteriores uns aos outros em termos de espaço e tempo, mas sim como aquilo que torna essa exterioridade de “lugares” possível em primeiro lugar. Simultaneidade e espaço, entendidos no sentido aqui pretendido, constituem juntos o escopo do espaço-tempo (Zeit-Spiel-Raum), o domínio movido e articulado do desvelamento, que se abre como envio e, ao mesmo tempo, se retrai em ocultação, para que os entes possam ser.

O tempo como o conjunto mensurável de momentos-agora e o espaço como a exterioridade mensurável de pontos vêm à tona somente depois que o escopo original do espaço-tempo foi mascarado e a retirada e velamento do Ser (101) foram esquecidos em favor de algo que está presente como mensurável. Vemos isso já no tratado de Aristóteles sobre o tempo.3 E todas as concepções posteriores de tempo (incluindo as de Agostinho, Leibniz, Kant, Hegel e Schelling) têm suas raízes nessa ideia básica aristotélica de tempo, que já estava implícita no pensamento grego da época.4 Mas essa concepção objetivada de espaço e tempo não esgota as possibilidades ocultas na essência do escopo do espaço-tempo. Também é óbvio que a proximidade e a distância de Deus, e o ser-oposto-um-ao-outro de Deus e do homem, não podem ser experimentados a partir da perspectiva de um espaço e tempo tão objetivos. Uma vez que o espaço e o tempo são colocados como aquilo que pode ser medido, o mundo tomado como o escopo do espaço-tempo é distorcido.5 Por outro lado, quando Heidegger se concentra no escopo do espaço-tempo e depois fala sobre o sentido original do espaço e do tempo, não é sua intenção rejeitar as concepções de espaço e tempo propostas pelas ciências objetivantes. Pelo contrário, ele afirma explicitamente que essas concepções também estão corretas; ele apenas indica e circunscreve o domínio dentro do qual essas concepções se sustentam e, em seguida, acrescenta que a essência do tempo e do espaço é tão inesgotável quanto a do próprio Ser.6

O desvelamento, como o envio do escopo do espaço-tempo, se organiza e forma a estrutura de construção do mundo, à medida que se desenvolve no quadrinômio terra e céu, deuses e mortais (Geviert). O velamento, que é uma das características básicas do desvelamento, mostra-se como terra, que emerge apenas quando se fecha. A outra característica básica, a saber, o desvelamento, manifesta-se no céu que, como indisponível, se estende acima da terra e, portanto, eleva a terra para o aberto. Como tal, o mundo é a batalha ou a luta entre a terra e o céu, luta considerada aqui como a intimidade de um para com o outro, na qual um nunca pode estar sem o outro. Mas o mundo nunca é apenas um mundo em si mesmo; ao contrário, ele é o acontecimento da abertura dos entes no Dasein. Em sua essência, o homem é empregado para a passagem do desvelamento, mas ele é empregado como mortal, a quem o caminho de sustentação da verdade e do mundo está sendo dado apenas na medida em que esse caminho de sustentação é reunido em direção ao apelo daquilo que é totalmente outro, a saber, o divino.

  1. GA12:US, p. 213[↩]
  2. Pöggeler, Denkweg, pp. 250-51[↩]
  3. Aristotle, Physics, IV, 10-14, a17b29-224a17; cf. GA24:GP, pp. 327-61 (231-56)[↩]
  4. GA8:WD, pp. 40-41[↩]
  5. GA12:US, pp. 208-211[↩]
  6. Pöggeler, Denkweg, pp. 251-52[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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