Kisiel (1995:21-23) – algo pré-teorético e algo teorético

Theodore Kisiel, em seu estudo sobre a gênese de Ser e Tempo (KISIEL, Theodore. The Genesis of Heidegger’s Being and Time. Berkeley: University of California Press, 1995, p. 21-23), afirma que Heidegger deu expressão inicial à “questão do sentido do ser”, em um curso dado em 1919. Um esquema feito pelo próprio Heidegger na lousa da sala de aula, e anotado por um aluno junto com outros apontamentos, é o essencial do que restou deste primeiro vislumbre filosófico. O esquema gráfico é o seguinte:

I. Algo pré-teorético (Das vortheoretische Etwas):

A. algo pré-mundo (Das vorweltliche Etwas) (momento básico da vida como tal (Grunmoment des Lebens überhaupt) –> algo primal (Ur-etwas)

B. algo pleno-de-mundo (Welthaltes Etwas) (momento básico de esferas particulares de experiência (Grundmoment bestimmer Erlebnissphären)) –> mundo-da-vida genuíno (Genuine Erlebniswelt)

II. Algo teorétco (Das theoretische Etwas):

A. algo objetivamente lógico-formal (Formallogisches gegenständliches Etwas) (motivado em algo primal (motiviert in Ur-etwas))

B. algo tipo-objeto (Objektartiges Etwas) (motivado em um mundo-da-vida genuíno (motiviert in genuiner Erlebniswelt))

O que este esquema parece identificar e distinguir é:

1) a questão ontológica do “isso” que mundifica e assim se apropria a si mesmo, aqui caracterizado como o “algo primal” (Ut-etwas) pré-teorético e pré-mundo. No ano seguinte em outro curso, este “algo primal” será designado tomando por empréstimo a palavra de Kant, “facticidade”.

2) a questão metodológica da relação potencialmente frutuosa entre algo primal pré-teorético (I.A) e algo objetivamente lógico-formal (II.A) que é “motivado” no Isso, e assim provê acesso ao Isso. Esta relação crucial para Heidegger será denominada dois semestres após, pela primeira vez, “indicação formal” (Formalanzeige); expressão que será desde então, até Ser e Tempo muito utilizada.

Para Kisiel, abrem-se questões: porque precisamente a vida fáctica apela por uma abordagem “formalmente indicativa”? O que é esta facticidade que dita a indicação formal?