Kisiel (1995:19-20) – Hermenêutica da Facticidade

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O breve esboço que o próprio Heidegger faz do seu desenvolvimento em direção à Ser e Tempo, pouco depois do seu aparecimento, coloca o dedo no primeiro impulso que a ela conduziu, nomeadamente, a plena identificação do fáctico e dos meios para chegar a ele (“indicação formal”), e localiza o início deste impulso no seu trabalho sobre Duns Scotus. De fato, um exame atento da obra de habilitação mostrará que ela é totalmente regida pela tendência para a facticidade, ou o que o próprio Duns Scotus chamava haecceitas (thisness). A própria escolha de Duns Scotus como tema de dissertação foi ditada pelo fato de “ele ter encontrado uma maior e mais fina proximidade (haecceitas) com a vida real, a sua multiplicidade e potencialidade, do que os escolásticos antes dele” (GA1:145). Mas a isto, Heidegger acrescenta também uma apreciação da perspicácia lógica de Scotus. Pois é o acoplamento dos dois sentidos, a sensação de formalidade e concretude ao mesmo tempo, que entra em ação na descoberta do próprio Heidegger no Kriegsnotsemester de 1919. O que aconteceu aqui foi, de fato, uma dupla descoberta, não só da facticidade, mas também da abordagem “formalmente indicativa” dessa facticidade. A própria ideia de “indicação formal” encontra, de fato, os seus primeiros estímulos na versão escocesa da doutrina aristotélico-escolástica da analogia do ser. Considerar a dissertação de Scotus como um precursor traz à tona os elementos de uma “hermenêutica da facticidade” já operando em filigrana no que Scotus poderia ter chamado de sua “gramática formal especulativa da thisness”. É simplesmente uma questão de olhar para a densa selva da velha e cansada habilitação durante tempo suficiente, e nos sítios certos, até que ocorra uma mudança de gestalt que traga a sua hermenêutica de facticidade crescida para o exterior. E, como uma “indicação formal” vinda do além, recebemos diretamente de Heidegger, na sua carta a Löwith em 1927, a garantia de que o esforço será bem sucedido.

original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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