Jean Wahl (1998:239-241) – filosofar é transcender

Hoje eu gostaria de concluir o que temos a dizer sobre essa palestra de Heidegger (GA27), e gostaria de lembrá-los do que dissemos no final da última aula que, para colocar o problema do ser, é necessário opor o ser a algo, como ele afirma. Portanto, o problema do ser implica a afirmação do nada. É somente se houver o nada, diz ele, que o ser pode ser revelado, e ele também afirma — e podemos questionar essas duas afirmações — que, para que haja o nada, deve haver algo que ele chama de mundo ou transcendência. Ele conclui, a partir dessa segunda afirmação, que o problema do nada está ligado ao problema da transcendência, e essa transcendência é o que ele chama de Grundcharakter, o fato primitivo e fundamental. O que é essa transcendência, esse fato fundamental? É o fato de que algo como a realidade humana de repente se introduz no meio do ente, de tal forma que nessa realidade humana pode ser revelado um ente que não é a realidade humana e que também é a própria realidade humana. Isso quer dizer, de uma forma complicada, que a transcendência é o fato de que existe essa realidade humana que vê coisas diferentes de si mesma e que se vê ela mesma. Também me lembro de que dissemos depois que essa questão a respeito do ente, em sua totalidade, nasce do fundamento deste ente. Este fundamento, que não é outro senão o nada, nos leva a estudar a questão do que ele chama de forças fundamentais do ente. Esse tipo de dominação, esse tipo de Beherrschung da natureza no devir histórico mostra que a história e a natureza não são regiões separadas, e o que teremos de ver é o ser da natureza no devir da história, teremos de estudar a relação das forças fundamentais do ser.

Assim, vemos que, de acordo com Heidegger, o problema (240) do ser que desenvolvemos, ou melhor, que colocamos na primeira parte do curso, desenvolve-se no problema do mundo; e, por outro lado, é a partir do problema do mundo que o problema do ser adquire seu verdadeiro significado, coloca-se no horizonte a partir do qual deve ser colocado. Assim, vemos no que Heidegger diz aqui uma espécie de subordinação do problema do ser 1, que parecia fundamental, ao que ele chama de problema do mundo. Em todo caso, não há nenhuma relação de exterioridade entre esses dois problemas, pois é o conjunto desses dois problemas que constitui o problema da transcendência, e este foi geralmente mal colocado pelos filósofos, tomou formas que não são a forma autêntica. Para dizer a verdade, este problema não pode ser completamente resolvido hoje em dia, e o importante, pelo menos de acordo com Heidegger, é apresentá-lo bem.

A falha da filosofia, de acordo com ele — e uma das características deste curso é afirmar isso — tem sido dar preeminência ao problema do ser, enquanto o que é preeminente é o problema do mundo. Mas, na realidade, nenhum deles pode ser separado do outro, e é a totalidade desses dois caminhos que seguimos que faz a filosofia. A partir disso, podemos ver em que sentido filosofar é transcender autenticamente — essa é a definição de filosofia para ele. Agora, a transcendência do Dasein é vista em ambos os problemas. De fato, teremos de nos perguntar se é o mesmo tipo de transcendência, porque no primeiro problema, o problema do ser, filosofar é ir do ente ao ser, é transcender indo do ente em direção ao ser, ao passo que no segundo problema, filosofar é tomar consciência de que há um mundo que é um ente outro que nós. É uma transcendência menos transcendente do que a primeira.

Mas vamos deixar essa observação de lado. O que precisa ser dito é que a filosofia não tem como tema a transcendência da mesma forma que as ciências têm como objeto tal e tal tema: a natureza do mundo físico, fenômenos relacionados à vida etc. Pois aqui não há nada manifesto (241) (Vorhanden) e a filosofia não descreve a transcendência porque ela não pode ser descrita, e filosofar é transcender. Aqui, mais uma vez, teremos de nos fazer uma pergunta: é provável que não devamos tomar a transcendência como um tema da mesma forma que a ciência toma tal e tal domínio do ser como um tema. A conclusão seria que, se não tomarmos uma coisa como tema, teremos de viver essa coisa e não lidar com ela. Portanto, há outro problema aqui: o problema de como lidar com a transcendência. Em todo caso, de acordo com Heidegger, a transcendência não pode ser isolada da filosofia, ela é formada na filosofia: filosofar é permitir que a transcendência chegue. No ato de filosofar, a transcendência se mostra e se torna um fenômeno, deixamos que ela se construa, e devemos sempre evitar tomá-la como uma coisa: devemos tomá-la como um fenômeno transcendental, inspirado por certas indicações da fenomenologia. De fato, o livro fundamental de Heidegger, o único que possuímos em sua totalidade, é, diz ele, apenas uma pré-concepção (Vorbegriff) da fenomenologia. Devemos ir além do que Heidegger diz em Ser e Tempo (§7 (ET7)), e mostrar que filosofar é essencialmente construir; e vemos novamente algo que já foi indicado: é a tendência idealista em certas partes da filosofia de Heidegger.

  1. Cf. GA 27, § 45, p. 391 e seguintes[]