(…) Levinas retoma a ideia platônica de um tempo perdido que nunca será encontrado enquanto tal, e que só ele nos envia e nos destina, só ele nos dá o ser por vir. Este imemorial do envio, onde o que nos envia nos precede, é uma perda que funda o dom. Este esquecimento antes do esquecimento é profundamente diferente do esquecimento de si mesmo tal como Heidegger o medita, embora este último tenha também um carácter inicial. Tanto em Ser e Tempo como na sua conferência sobre os Problemas Fundamentais da Fenomenologia (GA24), Heidegger utiliza uma forma positiva de pensar o esquecimento. Ele não é nada, não pode ser reduzido a uma perda ou privação de memória 1. “É uma modalidade específica, positivamente extática, da temporalidade” 2. O primeiro é o esquecimento na medida em que constitui a condição de possibilidade da memória no sentido habitual: “A lembrança só é possível a partir do esquecimento, e não o contrário” 3. E este primeiro esquecimento é o esquecimento de si próprio como “fuga perante o mais limpo ter-sido”. O ter-sido (Gewesenheit), como modo de ser, não se confunde com “o conceito vulgar de passado (Vergangenheit)” e não deve ser determinado por ele. Só o que existe pode ter sido. No entanto, “o esquecimento é uma modalidade elementar da temporalidade em que somos, desde logo e na maior parte das vezes, o nosso próprio ter-sido”2.
Não apaga, mas foge e, portanto, relaciona-se com aquilo de que foge. Faz-nos fugir em direção àquilo que nos preocupa. A medida deste abandono de si é tudo aquilo que nos faz agarrar. E “é apenas com base neste esquecimento originário (ursprünglichen (Vergessenheit)) próprio do ser factual que se abre a possibilidade de reter algo para o qual o ser-aí se voltou precisamente no seu tempo”, bem como a possibilidade de não o reter, daí o esquecimento no sentido corrente, que aqui manifesta um sentido apenas derivado e secundário. O que se opõe ao esquecimento primário não é a memória enquanto capacidade de retenção, mas aquilo a que Heidegger chama repetição, Wiederholung4. Fundada no futuro, esta repetição não reproduz de modo algum um passado, não o imita nem se conforma com ele, ela renova a existência recordando as suas possibilidades. Não tem nada em comum com a recordação no sentido habitual; não traz de volta qualquer memória. E, sem dúvida, só a repetição assim entendida pode verdadeiramente esquecer, esquecer em verdade, de tal modo que esse esquecimento não é um esquecimento de si mesmo, nem uma entrega às coisas. Porque o esquecimento em que nos encontramos pela primeira vez, longe de nos iluminar e libertar, escraviza-nos e aprisiona-nos na renovação das mesmas possibilidades cegas. Não transcende nada. Esta perda na inautenticidade é o ponto de partida a partir do qual o ser terá de se recapturar de cada vez — aliás, só se recaptura e se compreende na verdade recapturando-se — mas não forma o seu envio, tal como não põe em jogo o imemorial, ou o outro passado. Se este esquecimento é primário, não o é no mesmo sentido que o anteriormente meditado. O fato é que existe aqui uma ligação entre o esquecimento e a preocupação.