Jacques English (2002) – aparição (Erscheinung) em Husserl

(JEVH)

Mais do que o “fenômeno” (Phänomen), uma noção inevitavelmente equívoca devido à dualidade de orientações que implica e entre as quais parece não querer escolher, é o par formado pelo desdobramento explícito, estabelecido a partir do verbo erscheinen (“aparecer”), entre a “aparição” (die Erscheinung) e o “aparecente” (das Erscheinende), que deve ser colocado no ponto de partida de toda a fenomenologia. Husserl insistiu nisso em um texto breve, mas crucial, escrito em 1907 (IP1, p. 111-117), em uma época de transição em que ele passou do nível ainda relativamente simples da psicologia intencional, herdada de Brentano, para o nível muito mais elaborado da fenomenologia transcendental. Nesse texto, ele resumiu as Lições sobre a Ideia da Fenomenologia que acabara de proferir, a fim de esclarecer melhor o “caminho do pensamento” que havia seguido. Ele distingue três estágios nos quais a reflexão fenomenológica deve se engajar, concluindo a exposição do terceiro estágio com uma série de considerações sobre o particípio presente grego phainomenon, que evidentemente assumem uma importância decisiva para a definição dessa nova disciplina que ele deseja fundar, permitindo-lhe evitar, no futuro, tal confusão.

A pressuposição fundamental do fenomenólogo não é apenas que ele nunca será capaz de explicar a possibilidade de qualquer conhecimento se não o tiver primeiro [5] reconduzido às condições nas quais o objeto sobre o qual ele agora se debruça teve que começar por aparecer ao sujeito ao qual ele apareceu. É também que, ao aparecer, esse objeto — ou melhor, o que ele viria a ser, já que ainda não estava constituído como tal — imediatamente se manifestou a essa instância subjetiva como algo transcendente, mesmo que seu sentido ainda estivesse apenas se delineando através das séries mais ou menos indefinidamente multiplicáveis de aparições pelas quais ele já se impunha a ela, a ela que, correlativamente, se situava em uma posição de retirada em relação a ele.

É, de fato, o descompasso, inscrito dentro da própria unidade do aparecer, entre esses dois polos distintos, que corre o risco de não ser levado em consideração se nos contentarmos em dizer, simplesmente, “fenômeno”, suscitando inevitavelmente um mal-entendido. Pois seria então impossível saber, de forma exata, a qual dos dois estamos nos referindo, e, assim, muito rapidamente, pelo recuo que ele deve inicialmente tomar para alcançar as aparições, o fenomenólogo seria acusado de querer reduzir o fenômeno no sentido objetivo ao fenômeno no sentido subjetivo, transformando-o em uma mera “aparência” (Schein), desprovida de qualquer consistência intrínseca. No entanto, seu projeto é antes destacar o caráter essencialmente intencional da consciência, ou seja, seu movimento projetivo em direção a algo diferente dela que lhe apareceu e sobre o qual ela teve que realizar uma “doação de sentido” (Sinngebung) para poder subsequentemente convertê-lo em um “ente” (Seiendes), atribuindo-lhe todas as determinações ônticas e ontológicas que lhe convêm de acordo com a ordem das “partes” (Teile) das quais ele é composto na unidade do “todo” (Ganze) que ele delimita, e colocando-o, a partir de então, fora das condições em que ele inicialmente apareceu de maneira subjetiva.

Não que Husserl não tenha continuado a usar frequentemente o termo “fenômeno” após 1907, especialmente em um grupo de textos escritos dez anos depois e ainda pouco conhecidos, embora constituam uma das melhores introduções à fenomenologia que ele escreveu para iniciantes, partindo [6] dessa noção tal como ela já aparece antes da redução. Trata-se de sua Lição Inaugural em Friburgo: A Fenomenologia Pura, seu Campo de Pesquisa e seu Método, e de dois artigos: Fenomenologia e Psicologia (PP) e Fenomenologia e Teoria do Conhecimento (PT), que ele planejava publicar nos Kant-Studien, mas que não foram publicados na época, nem mesmo durante sua vida, já que só em 1987 foram incluídos no volume XXV das Husserliana (p. 68-225). No entanto, se esses três textos possuem tal interesse, é precisamente porque eles gradualmente introduzem, em cadeia, todos os principais termos de seu vocabulário, remetendo-os ao par de oposição entre a aparição e o aparecente como à origem necessariamente desdobrada da qual eles emergem (PT, Apêndice V, p. 219-225). Pois era certamente impossível para Husserl ir imediatamente contra o uso predominante na linguagem comum, dando, por exemplo, a essa “ciência dos fenômenos puros da consciência” um nome diferente de “fenomenologia”, para que ela não mais enfrentasse tal incompreensão. No entanto, isso dificilmente poderia ser para ele um motivo válido para não preferir a linguagem mais precisa baseada nesse desdobramento, já que, sempre que possível, ele próprio recorreu a ela, tanto mais que já a havia utilizado no volume II das Investigações Lógicas, na Segunda Investigação, criticando veementemente Hume por ter cometido tal confusão entre “a aparição e o aparecente” (RLII, § 36, p. 231-232).

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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