interpelar

Anrufen, anrufen

O impessoalmente si mesmo é interpelado para o si-mesmo. Esse, contudo, não é o si-mesmo que se pode tornar “objeto” de avaliação, nem o si-mesmo que se empenha com curiosidade e sem descanso no exame de sua “vida interior” e nem tampouco o si-mesmo de uma cupidez “analítica” de olhar os estados da alma e suas profundezas. A interpelação do si-mesmo no impessoalmente si mesmo não o leva para um interior a fim de se trancar para o “mundo exterior”. O apelo passa por cima de tudo isso e desfaz tudo isso para INTERPELAR unicamente o si-mesmo que, por sua vez, não é senão no modo de ser-no-mundo. STMSC: §56

O que a consciência testemunha só poderá adquirir plena determinação caso se delimite, com clareza e suficiência, o caráter que deve ter o ouvir que genuinamente corresponde ao apelo. A compreensão própria, aquela que “segue” o apelo, não é um mero acréscimo do fenômeno da consciência, um processo que poderia ou não advir. Só se pode apreender a vivência plena da consciência, partindo da e junto com a compreensão do INTERPELAR. Se a própria presença (Dasein) é em si mesma sempre ao mesmo tempo quem apela e o interpelado, então quando não se dá ouvidos ao apelo, quando não se dá ouvidos a si, está em jogo um modo determinado de ser da presença (Dasein). Do ponto de vista existencial, um apelo solto no ar, ao qual “nada se segue”, é uma ficção impossível. No modo de ser da presença (Dasein), o “que nada segue” significa algo positivo. STMSC: §57

Do mesmo modo, só a partir da análise da compreensão do INTERPELAR é que se pode retornar explicitamente à discussão daquilo que o apelo dá a compreender. Foi, no entanto, apenas com esta caracterização ontológica geral da consciência que se tornou possível conceber, existencialmente, o que na consciência é apelado no sentido de “dívida”. Todas as experiências e interpretações da consciência convêm, de alguma maneira, que a “voz” da consciência fala de “dívida”. STMSC: §57

A fim de se apreender fenomenalmente o que se ouviu na compreensão do INTERPELAR é preciso retornar, de forma renovada, à interpelação. A interpelação do impessoalmente-si-mesmo significa fazer apelo ao si-mesmo mais próprio para assumir o seu poder-ser e isso enquanto presença (Dasein), ou seja, enquanto ser-no-mundo das ocupações e ser-com os outros. A interpretação existencial daquilo para que o apelo faz apelo não pode pretender delimitar nenhuma possibilidade concreta e singular de existência, desde que suas possibilidades e tarefas metodológicas sejam devidamente compreendidas. Não se pode e nem se quer fixar no apelado o que sempre se dá, existenciariamente, em cada presença (Dasein), mas sim aquilo que pertence à condição existencial de possibilidade do poder-ser fático e existenciário. STMSC: §58

A compreensão existenciária que escuta o apelo é tanto mais própria quanto mais a presença (Dasein) escutar e compreender, sem estabelecer remissões, o seu ser-interpelado e quanto menos aquilo que se diz, o que convém e possui validade, deturpa o sentido do apelo. O que reside essencialmente na propriedade da compreensão do INTERPELAR? O que no apelo se dá a compreender de modo essencial, embora nem sempre seja, faticamente, compreendido? STMSC: §58

É a partir da expectativa de uma indicação útil das possibilidades de “ação”seguras, disponíveis e calculáveis que se sente a falta de um conteúdo “positivo” no que se apela. Essa expectativa funda-se no horizonte da ocupação que compreende e força a existência da presença (Dasein) à ideia de um todo negociável segundo regras. Tais expectativas que, em parte, constituem também o solo implícito da exigência de uma ética material dos valores frente a uma ética “meramente” formal acabam se decepcionando com a consciência. O apelo da consciência não propicia tais indicações “práticas” unicamente porque ele faz apelo à presença (Dasein) para a existência, para o poder-ser mais próprio de si mesma. Com as máximas esperadas e precisamente calculadas, a consciência negaria à existência nada menos do que a possibilidade de agir. Porque, manifestamente, a consciência não pode ser “positiva” nesse modo, ela também não funciona nesse mesmo modo “apenas negativamente”. O apelo não entreabre nada que, enquanto algo passível de ocupação, pudesse ser positivo ou negativo, porque ele diz respeito a um ser ontologicamente diverso, qual seja, à existência. Em contrapartida, no sentido existencial, o apelo, compreendido corretamente no sentido existencial, propicia o que há “de mais positivo”, ou seja, a possibilidade mais própria que se pode dar à presença (Dasein) enquanto reclamação apeladora do poder-ser faticamente a cada vez si-mesma. Ouvir com propriedade o apelo significa colocar-se na ação fática. Só podemos conquistar uma interpretação plena e suficiente do que se apela no apelo quando se elaborar e apresentar a estrutura existencial à base da compreensão que propriamente escuta o INTERPELAR como tal. STMSC: §59

A interpretação existencial da consciência deve expor um testemunho de seu poder-ser mais próprio que está sendo na própria presença (Dasein). O testemunho da consciência não é um anúncio indiferente mas uma apelação apeladora do ser e estar em dívida. O que se testemunha é, pois, “apreendido” no ouvir que compreende o apelo sem deturpações, no sentido por ele mesmo intencionado. Apenas a compreensão do INTERPELAR, enquanto modo de ser da presença (Dasein), propicia o teor fenomenal do que é testemunhado no apelo da consciência. Caracterizamos a compreensão própria do apelo como querer-ter-consciência. Esse deixar o si-mesmo mais próprio agir em si por si mesmo, em seu ser e estar em dívida, representa, do ponto de vista fenomenal, o poder-ser próprio, testemunhado na presença (Dasein). A sua estrutura existencial deve ser agora liberada numa exposição. Somente assim penetraremos na constituição fundamental da propriedade da existência que se abre na própria presença (Dasein). STMSC: §60

A decisão conduz o ser do pre (das Da) à existência de sua situação. A decisão, porém, delimita a estrutura existencial do poder-ser próprio, testemunhado na consciência, isto é, do querer-ter-consciência. Nele reconhecemos a compreensão adequada do INTERPELAR. Com isso, torna-se inteiramente claro que o apelo da consciência, o fazer apelo ao poder-ser, não propõe nenhum ideal vazio de existência, mas faz apelo para a situação. Essa positividade existencial do apelo da consciência, corretamente compreendido, também evidencia a medida em que a limitação da tendência do apelo para culpabilizações anteriormente cometidas e contraídas desconhece o caráter de abertura da consciência e aparentemente só nos transmite a compreensão concreta de sua voz. A interpretação existencial que compreende o INTERPELAR enquanto decisão desvela a consciência como o modo de ser que se acha no fundo da presença (Dasein). É neste modo de ser que a consciência, testemunhando o poder-ser mais próprio, possibilita para si mesma a sua existência fática. STMSC: §60