A unidade do complexo de fenômenos, isto é, a constituição ontológica do ente acessível ao conhecimento finito, é determinada pelos princípios ontológicos, isto quer dizer, pelo sistema dos conhecimentos sintéticos a priori. [Ver o ensaio do Tradutor A Finitude na Revolução Kantiana, in Revista Brasileira de Filosofia, Volume XX (1970), pp. 515-526. (N. do T.)] O conteúdo objetivo representado a priori nestes “princípios sintéticos”, sua “realidade” no sentido antigo, justamente retido por Kant, de coisidade, se pode apresentar, sem a experiência, intuitivamente a partir dos objetos, isto é, a partir daquilo que é necessariamente intuído a priori com eles, a partir da pura intuição do “tempo”. Sua realidade é uma realidade objetiva, representável a partir dos objetos. Não obstante, é a unidade dos fenômenos, já que necessariamente dependente de um dar-se faticamente contingente, sempre condicionada e fundamentalmente imperfeita. Se agora esta unidade da multiplicidade dos fenômenos for representada como perfeita, então surge a representação de um conceito compreensivo, cujo conteúdo (realidade) não se deixa projetar numa imagem, isto é, em algo intuível. A representação é “transcendente”. Na medida, porém, em que esta representação de uma perfeição é, contudo, a priori necessária, possui ela, ainda que transcendente, no entanto, realidade transcendental. As representações deste caráter Kant denomina “ideias”. Ela “contém uma certa perfeição a que não tem acesso nenhum conhecimento empírico possível, e a razão persegue com isto apenas uma unidade sistemática, da qual procura aproximar a unidade empírica possível, sem jamais poder atingi-la de maneira completa” [Cf. Crítica da Razão Pura, A 568, B 596. (N. do A.)]. “Eu, porém, entendo por sistema a unidade dos conhecimentos múltiplos sob uma ideia. Esta é conceito racional da forma de um todo.” [Ibidem, A 832, B 860. (N. do A.)] Esta unidade e totalidade representada nas ideias não pode também nunca, porque “jamais pode ser projetada na imagem”, [Ibidem, A 328, A 328, B 384. (N. do A.)] referir-se imediatamente a algo intuível. Ela concerne, por conseguinte, enquanto unidade superior, sempre apenas à unidade da síntese do entendimento. Mas estas ideias “não são inventadas arbitrariamente, mas impostas pela natureza da razão mesma e se referem, portanto, necessariamente a todo o uso do entendimento”. [Ibidem, A 327, B 384. (N. do A.)] Como puros conceitos do entendimento, elas não brotam da reflexão do entendimento, ainda sempre referido ao que é dado, mas emergem do puro procedimento da razão enquanto conclusiva. Kant denomina, por isso, as ideias, à diferença dos conceitos “refletidos” do entendimento, conceitos “obtidos por conclusão” [Ibidem, A 310, B 367; ainda A 333, B 390. (N. do A.)] No procedimento conclusivo, porém, a razão visa a conquistar o incondicionado para as condições. As ideias, como puros conceitos racionais da totalidade, são, por isso, representações do incondicionado. “Portanto, o conceito transcendental da razão não é outro senão aquele da totalidade das condições para um condicionado dado. Pelo fato de o incondicionado poder unicamente tornar possível a totalidade das condições, e vice-versa, a totalidade das condições ser sempre, ela mesma, incondicionada, pode um puro conceito da razão como tal ser explicado pelo conceito incondicionado, na medida em que contém um fundamento da síntese do condicionado.” [Ibidem, A 322, B 379. — Quanto à integração da “ideia”, como uma determinada “espécie de representação” na “escala” das representações, cf. Ibidem, A 320, B 376 e ss. (N. do A.)] SOBRE A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO
Ideias são como representações da totalidade incondicionada de um âmbito do ente, representações necessárias. Na medida em que é possível uma tríplice relação das representações com algo, com o sujeito e com o objeto e com este novamente de duas maneiras, de maneira finita (fenômenos) e de maneira absoluta (coisa em si), surgem três classes de ideias, com as quais se deixam harmonizar as três disciplinas da metaphysica specialis da tradição. A ideia de mundo é, de acordo com isto, aquela em que é representada a priori a totalidade absoluta dos objetos acessíveis no conhecimento finito. Mundo designa, por conseguinte, tanto “conjunto de todos os fenômenos” [Ibidem, A 334, B 391. (N. do A.)] como “conjunto de todos os objetos da experiência possível” [Que significa: orientar-se no pensamento?, 1786. Obras Completas (Cassirer), IV, p. 355. (N. do A.)] Denomina todas as ideias transcendentais, na medida em que se referem à totalidade absoluta na síntese por fenômenos, “conceitos de mundo”. [Crítica da Razão Pura, A 407 ss., B 434. (N. do A.)] Mas pelo fato de o ente acessível ao conhecimento finito poder ser considerado ontologicamente, tanto sob o ponto de vista de sua quididade (essentia) como sob o ponto de vista de sua existência (existentia) ou, de acordo com a formulação kantiana desta diferença, segundo a qual ele também divide as categorias e princípios da analítica transcendental, “matematicamente” e “dinamicamente” [“Na aplicação dos conceitos puros do entendimento à experiência possível, é o uso de sua síntese, ou matemático ou dinâmico: pois eles se dirigem em parte à intuição, em parte à existência de um fenômeno em geral.” Ibidem, A 160, B 199. — No que diz respeito à correspondente distinção dos “princípios”, diz Kant: “Deve-se entretanto, notar que não tenho diante de meus olhos, aqui, tampouco os princípios da matemática, num caso, quanto os princípios da dinâmica geral (física) no outro, mas apenas os princípios do puro entendimento em sua relação com o sentido interno (sem distinção das representações nele dadas), dos quais aqueles, reunidos, recebem sua possibilidade. Denomino-os, portanto, levando mais em consideração sua aplicação que seu conteúdo…” Ibidem, A 162, B 302. — Cf., justamente no que respeita a uma problemática mais radical do conceito de mundo e do ente em sua totalidade, a diferença entre o sublime-matemático e o sublime-dinâmico. Crítica da Força do Juízo, particularmente § 28. (N. do A.)] surge como resultado uma divisão de conceitos de mundo em matemáticos e dinâmicos. Os conceitos de mundo matemáticos são os conceitos de mundo “em sentido estrito”, à diferença dos dinâmicos, que o filósofo também denomina “conceitos transcendentais da natureza”. [Ibidem, A 419 ss., B 446 ss. (N. do A.)] Contudo, Kant acha “muito conveniente” denominar estas ideias “em conjunto” conceitos de mundo, “porque com mundo se entende o conceito compreensivo de todos os fenômenos, e nossas ideias também se dirigem somente ao incondicionado sob os fenômenos”; em parte também porque a palavra “mundo” significa, no entendimento transcendental, a absoluta totalidade do conjunto das coisas existentes, e porque nós dirigimos nossa atenção unicamente para a perfeição da síntese (ainda que propriamente apenas no regresso às condições). [Ibidem. (N. do A.)] SOBRE A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO