Husserl – O sentido da história e a filosofia moderna

Se refletimos nos efeitos da evolução das ideias filosóficas sobre toda a humanidade (aquela que não se ocupa ela mesma dos problemas filosóficos), devemos dizer: só a compreensão interna do vai e vem da filosofia moderna, de Descartes aos nossos dias, uniforme apesar de todas as suas contradições, torna possível uma compreensão do nosso próprio tempo. As verdadeiras lutas do nosso tempo e as únicas que têm um sentido são as lutas entre um humanismo que já ruiu e um humanismo ainda apoiado sobre o seu fundamento, mas que luta para conservar esse fundamento ou para pôr um novo. As lutas espirituais propriamente ditas do humanismo europeu enquanto tal desenrolam-se como lutas entre filosofias, a saber entre as filosofias cépticas — que são, antes, «não filosofias», que da filosofia guardaram o nome mas não a missão — e as filosofias verdadeiras e ainda vivas. Ora, a sua vitalidade reside precisamente em elas combaterem pelo seu sentido verdadeiro e autêntico e, por isso mesmo, pelo sentido de um humanismo autêntico. Conduzir a razão latente à compreensão das suas possibilidades e, assim, mostrar claramente que a possibilidade de uma metafísica é uma possibilidade verdadeira, eis o único caminho para introduzir uma metafísica ou uma filosofia universal na via laboriosa da realização.

Só por este meio se pode decidir se o fim inato do humanismo europeu desde o nascimento da filosofia grega, fim que consiste em o humanismo querer ser um humanismo pela razão filosófica e não acreditar poder ser um humanismo senão assim — neste movimento infinito da razão latente para a razão evidente e no esforço infinito de se dar normas graças precisamente a esta verdade e a esta autenticidade à escala humana — se este fim, digo, é uma pura quimera, ou um simples fato histórico, uma aquisição fortuita de uma humanidade fortuita no meio de outras humanidades e de outras historicidades. Ou então se no humanismo grego não aflorou pela primeira vez o que está contido essencialmente, enquanto enteléquia, no humanismo. Enquanto tal, o Humanismo tomado em sentido absoluto consiste essencialmente em «ser homem» nas humanidades religadas pelos elos de geração e de sociedade; e se o homem é um ser razoável (animal racional), é-o somente na medida em que toda a sua humanidade é humanidade racional — orientada de um modo latente para a razão ou orientada manifestamente para essa enteléquia tornada consciente de si mesma, tornada clara para si mesma e que dirige agora conscientemente e segundo a necessidade do seu ser a evolução da humanidade.

{[A Crise das Ciências Europeias, trad. E. Gerrer, Les Études Philosophiques, n.° 2, 1949, pp. 139-140]}