Husserl (MC:31-33) – O idealismo transcendental

A transcendência é um caráter de ser imanente, que se constitui no interior do ego. Todo sentido que se possa conceber, todo ser concebível, chama-se ele imanente ou transcendente, cai no domínio da subjetividade transcendental. Um seu exterior é um contrassenso, ela é a universal, a absoluta concreção. Não tem sentido querer captar o universo do ser verdadeiro como qualquer coisa que está fora do universo da consciência possível, do conhecimento possível, da evidência possível, de modo (31) que ambos os universos se correlacionassem de uma forma simplesmente exterior por meio de uma lei fixa. <33> Por essência, ambos se correspondem, e aquilo que se corresponde por essência é, também, concretamente um, um na concreção absoluta: a da subjetividade transcendental. – Ela é o universo do sentido possível, um exterior será precisamente algo sem sentido. Mas já o próprio sem sentido é um modo de sentido, e esta ausência de sentido tem a sua evidência. Isto não vale, porém, simplesmente para o ego fático e para aquilo que faticamente lhe está acessível enquanto ente para ele. A autoexplicitação fenomenológica é uma autoexplicitação apriorística, e assim tudo é válido para qualquer ego pensável, possível, para cada ser pensável e, por conseguinte, para quaisquer mundos pensáveis. A Teoria do Conhecimento autêntica só tem, assim, pleno sentido enquanto fenomenológico-transcendental, a qual, em vez de ter que ver com inferências, que são um contrassenso, de uma suposta imanência para uma suposta transcendência de “coisas-em-si” que, alegadamente, seriam, por razões de princípio, incognoscíveis, tem exclusivamente que ver com o esclarecimento sistemático da operatividade cognitiva, na qual estas devem, de ponta a ponta, ser compreendidas como uma realização intencional. Precisamente por isso, todo tipo de ser, tanto real como ideal,1 se torna ele próprio compreensível enquanto formação constituída precisamente nesta operatividade da subjetividade transcendental. Este tipo de compreensibilidade é a mais alta forma de racionalidade que se pode conceber. Todas as transviadas interpretações do ser provêm da cegueira ingênua a respeito dos horizontes que são codeterminantes do sentido do ser. Assim conduz a pura autoexplicitação do ego, prosseguida na pura evidência e, com isso, na concreção, até um Idealismo transcendental, se bem que num sentido fundamental essencialmente novo; não no de um Idealismo psicológico, nem no de um Idealismo que, a partir de dados sensuais carecidos de sentido, quer derivar um mundo pleno de sentido, não um Idealismo kantiano, que, pelo menos como conceito-limite, crê poder manter em aberto a possibilidade de um mundo de coisas-em-si – mas antes um Idealismo que não consiste em nada mais do que na autoexplicitação, (32) consequentemente desenvolvida, na forma de uma ciência egológica sistemática de cada sentido de ser com o qual tudo o que é deve poder ter para mim, o ego, precisamente um sentido. Este Idealismo não é, porém, um produto de jogos argumentativos, um troféu a ganhar no combate dialético com os realismos. <34> Ele é a explicitação do sentido, prosseguida num trabalho efetivo, da transcendência (pré-dada ao ego através da experiência) da Natureza, da Cultura, do Mundo em geral, e isto é o desvendamento sistemático da própria intencionalidade constituinte. A prova deste Idealismo é a realização da própria Fenomenologia.

  1. N.T.: Real, ideal.[]