Compreender a geometria e um fato de cultura dado em geral é já estar consciente da sua historicidade, ainda que de maneira «implícita». Mas isto não é uma locução vazia, pois é verdadeiro de maneira completamente universal, para todo o fato dado sob o título «cultura», trate-se da mais baixa cultura, relativa às necessidades vitais, ou da cultura mais elevada (ciência, Estado, Igreja, organização econômica, etc); é verdade que em toda a compreensão simples deste fato como fato de experiência, há já uma «consciência solidária» de que ele é uma formação nascida de um formar humano. Por muito fechado que seja este sentido, por muito «implícito» que seja o nosso co-visar, a possibilidade evidente da explicitação, da «elucidação» e da clarificação pertencem-lhe. Cada explicitação e cada passagem da elucidação ao pôr em evidência (mesmo se pode acontecer imobilizar-se cedo demais) não são nada mais que um desvendamento histórico; é, em si mesmo e essencialmente, um ato histórico e, enquanto tal, por uma necessidade de essência, traz em si o horizonte da sua história. O que, certamente, equivale a dizer ao mesmo tempo: o conjunto do presente da cultura, compreendido como totalidade, «implica» o conjunto do passado da cultura numa universalidade indeterminada, mas estruturalmente determinada. Mais exatamente, implica uma continuidade de passados implicando-se uns aos outros, cada um constituindo em si um presente de cultura passado. E esta continuidade no seu conjunto é uma unidade da tradicionalização até ao nosso presente e que, enquanto se encontra ele mesmo na permanência do decorrer de uma vida, é um tradicionalizar. É, como dissemos, uma universalidade indeterminada, mas com uma estrutura principal e susceptível de uma explicitação ainda muito mais ampla a partir do que foi anunciado, estrutura na qual também as possibilidades de toda a investigação e de toda a determinação das realidades fato–concretas estão fundadas, «implicadas».
Por isso o pôr em evidência da geometria, tenhamos ou não disso uma consciência clara, é o desvendamento da sua tradição histórica. Apenas este conhecimento, para não ficar ao nível do discurso vazio ou de generalidade indiferenciada, requer que, por uma exploração conduzida a partir do presente e nele, se restaurem completa e metodicamente as evidências diferenciadas cujo tipo, mais acima, isolamos… Prosseguidas de maneira sistemática, dão, nada mais nada menos, que o a priori universal da história na mais alta riqueza das suas componentes.
Podemos então dizer também: a história não é, de princípio, nada mais senão o movimento vivo da solidariedade e da implicação mútua da formação do sentido e ida sedimentação do sentido originários.
{(A Origem da Geometria, trad. J. Derrida, Presses Universitaires de France, pp. 201-203).}