VIDE humores; Befindlichkeit
O que indicamos ontologicamente com o termo disposição [Befindlichkeit] é, onticamente, o mais conhecido e o mais cotidiano [alltäglich], a saber, o humor [Stimmung] , o estar afinado [Gestimmtsein] num humor [Stimmung]. Antes de qualquer psicologia dos humores [Stimmung], ainda bastante primitiva, trata-se de ver [Sehen] este fenômeno [Phänomen] como um existencial fundamental e delimitar sua estrutura. STMSCC: §29
Tanto a equanimidade [Gleichmut] impassível quanto o desânimo [Missmut] reprimido na ocupação [Besorgen] cotidiana [alltäglich], a passagem [Überleiten] de um para outro, o resvalar no mau humor [Verstimmungen] não são, do ponto de vista ontológico, um nada, por mais que esses fenômenos passem despercebidos para a presença [Dasein], sendo considerados como os mais indiferentes e os mais passageiros. Que os humores [Stimmung] possam deteriorar-se e transformar-se, isto diz somente que a presença [Dasein] já está sempre sintonizada e afinada num humor [Stimmung]. Também a falta de humor [Ungestimmtheit] contínua, regular e insípida, que não deve ser confundida com o mau humor [Verstimmung], não é um nada, pois nela a própria presença [Dasein] se torna enfadonha para si mesma. Nesse mau humor [Verstimmung], o ser do pre [das Da] mostra-se como peso [Last] [NH: “peso [Last]”: o que deve ser carregado; o homem [Mensch] está entregue à responsabilidade [Überantwortung] e à apropriação da presença [Dasein]. Carregar: assumir-se a partir da pertinência ao próprio [eigentlich] ser]. Por que, não se sabe. E a presença [Dasein] não pode saber, visto que as possibilidades [Möglichkeit] de abertura [Erschliessungmöglichkeiten] do conhecimento [Erkenntnis] são restritas se comparadas com a abertura [Erschliessen] originária dos humores [Stimmung] em que a presença [Dasein] se depara com seu ser enquanto pre [das Da]. Também o humor [Stimmung] exacerbado pode aliviar o peso [Last] revelado pelo ser; mesmo essa possibilidade [Möglichkeit] de humor [Stimmung] revela, embora como alívio, o caráter de peso [Last] da presença [Dasein]. O humor [Stimmung] revela “como alguém está e se torna”. É nesse “como alguém está” que a afinação [Gestimmtsein] do humor [Stimmung] conduz o ser para o seu “pre [das Da]”. STMSCC: §29
Na afinação [Gestimmtheit] do humor [Stimmung], a presença [Dasein] já sempre se abriu em sintonia com o humor [Stimmung] como o ente a cuja responsabilidade [Überantwortung] a presença [Dasein] se entregou em seu ser e que, existindo, ela tem de ser. Aberto [Erschlossen] não significa conhecido como tal [als solches]. E justamente na cotidianidade [Alltäglichkeit] mais indiferente e inocente, o ser da presença [Dasein] pode irromper na nudez [193] de “que é e [comporta um] ter de ser”. O puro “que é” [dass es ist] mostra-se, enquanto o de onde (Woher) e o para onde (Wohin) permanecem obscuros. Constatar que a presença [Dasein] não “cede” a tais humores [Stimmung] na cotidianidade [Alltäglichkeit], isto é, que não persegue a abertura [Erschliessen] por eles realizada e não se deixa levar pelo que assim se abre, não constitui uma prova contra a fatualidade [Tatbestand] fenomenal [phänomenal] de o humor [Stimmung] abrir o ser do pre [das Da] em seu “que é” (Dass), mas sim um testemunho. Na maior parte das situações ôntico-existenciárias, a presença [Dasein] se esquiva ao ser que se abre nessa afinação [Gestimmtheit] do humor [Stimmung]; do ponto de vista ontológico-existencial, isto significa: naquilo de que o humor [Stimmung] faz pouco caso, a presença [Dasein] se descobre entregue a responsabilidade [Überantwortetsein] do pre [das Da]. É no próprio [eigentlich] esquivar-se [Ausweichen] que o pre [das Da] se abre em seu ser. STMSCC: §29
O ente que possui o caráter da presença [Dasein] é o seu pre [das Da], no sentido [Sinn] de dispor-se implícita ou explicitamente em seu estar-lançado [Geworfenheit]. Na disposição [Befindlichkeit], a presença [Dasein] já se colocou sempre diante de si mesma e já sempre se encontrou, não como percepção [Vernehmen], mas como um dispor-se numa afinação [Gestimmtheit] de humor [Stimmung]. Enquanto ente entregue à responsabilidade [Überantwortung] de seu ser, ela também se entrega à responsabilidade [Überantwortung] de já se ter sempre encontrado – encontro que não é tanto fruto de uma procura direta mas de uma fuga [Flucht]. A afinação [Gestimmtheit] do humor [Stimmung] não realiza uma abertura [Erschliessen] no sentido [Sinn] de observar o estar-lançado [Geworfenheit] e sim de enviar-se [194] e desviar-se. Na maior parte das vezes, ele faz pouco caso do caráter pesado da presença [Dasein] que nele se revela e, muito menos ainda, quando se alivia de um humor [Stimmung]. Esse desvio [Abkehr] é o que é, no modo da disposição [Befindlichkeit]. STMSCC: §29
Significaria um grande equivoco fenomenal [phänomenal] identificar o que se abre na afinação [Gestimmtheit] do humor [Stimmung] e como ele o faz com o que a presença [Dasein] “simultaneamente” aí conhece, sabe e acredita. Mesmo que a presença [Dasein] estivesse “segura” na crença de seu “para onde” (Wohin) ou pretendesse saber o seu de onde [Woher], mediante um esclarecimento racional, nada disso diminuiria o seguinte fenômeno [Phänomen]: o humor [Stimmung] coloca a presença [Dasein] diante desse que [Dass] de seu pre [das Da], o qual se lhe impõe como enigma inexorável. Do ponto de vista ontológico-existencial, não há nenhuma razão para se desprezar a “evidência [Evidenz]” da disposição [Befindlichkeit], comparando-a com a certeza [Gewissheit] apodítica de um conhecimento [Erkenntnis] teórico acerca do que é simplesmente dado [vorhanden]. Também não é menos falso abrigar esses fenômenos no âmbito do irracional. O irracionalismo – enquanto o outro lado do racionalismo – fala [Rede] apenas estrabicamente daquilo para o que o racionalismo é cego. STMSCC: §29
Que uma presença [Dasein] de fato possa, deva e tenha de se assenhorar do humor [Stimmung] através do saber e da vontade [Wille] pode, em certas possibilidades [Möglichkeit] da existência [Existenz], significar uma primazia da vontade [Wille] e do conhecimento [Erkenntnis]. Isso, porém, não deve levar a negação ontológica do humor [Stimmung] enquanto modo de ser [Seinsart] originário [ursprünglich] da presença [Dasein]. Neste modo de ser [Seinsart], ela se abre para si mesma antes de qualquer conhecimento [Erkenntnis] e vontade [Wille] e para além de seus alcances de abertura [Erschliessen]. Ademais, nunca nos tornamos senhores do humor [Stimmung] sem humor [Stimmung], mas sempre a partir de um humor [Stimmung] contrário. Obtivemos, pois, como primeiro caráter ontológico da disposição [Befindlichkeit] que: a disposição [Befindlichkeit] abre a presença [Dasein] em seu estar-lançado [Geworfenheit] e, na maior parte das vezes e antes de tudo, segundo o modo de um desvio [Abkehr] que se esquiva. STMSCC: §29
Aqui já se torna visível que a disposição [Befindlichkeit] está bem longe da simples constatação de um estado de alma. E possui tampouco o caráter de uma apreensão [Erfassen] reflexiva abrangente que toda reflexão [Überlegung] imanente só pode se deparar com “vivências” [Erlebnis], porque o pre [das Da] já se abriu na disposição [Befindlichkeit]. O “mero humor [Stimmung]” abre o pre [das Da] de modo mais originário [ursprünglich], embora também o feche de modo ainda mais obstinado do que qualquer não percepção [Vernehmen]. STMSCC: §29
Isto é o que mostra o mau-humor [Verstimmung]. Nele, a presença [Dasein] se faz cega para si mesma, o mundo circundante [Umwelt] da ocupação [Besorgen] se vela, a circunvisão [Umsicht] da ocupação [Besorgen] se desencaminha. A disposição [Befindlichkeit] é tão pouco trabalhada pela reflexão [Überlegung] que faz com que a presença [Dasein] se precipite para o “mundo” das ocupações [Besorgen] numa dedicação e abandono irrefletidos. O humor [Stimmung] se precipita. Ele não vem de “fora” [Aussen] nem de “dentro” [Innen]. Cresce a partir de si mesmo como modo de ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. Com isso, porém, passamos de uma delimitação negativa da disposição [Befindlichkeit] frente à apreensão [Erfassen] reflexiva do “interior” para uma compreensão positiva de seu caráter de abertura [Erschliessen]. O humor [Stimmung] já abriu o ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] em sua totalidade e só assim torna possível um direcionar-se para… O estado de humor [Gestimmtsein] não remete, de início, a algo psíquico e não é, em si mesmo, um estado interior que, então, se exteriorizasse de forma enigmática, dando cor as coisas e pessoas. Nisto mostra-se o segundo caráter essencial da disposição [Befindlichkeit]: ela é um modo existencial básico da abertura [Erschliessen] igualmente originária de mundo, de co-presença [Mitdasein] e existência [Existenz], pois também este modo é em si mesmo ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. STMSCC: §29
Além dessas duas determinações essenciais da disposição [Befindlichkeit] aqui explicitadas: a abertura [Erschliessen] do estar-lançado [Geworfenheit] e a abertura [Erschliessen] do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] em sua totalidade, deve-se considerar ainda uma terceira, que contribui sobremaneira para uma compreensão mais profunda da mundanidade [Weltlichkeit] do mundo. Como dissemos anteriormente, o mundo que já se abriu deixa e faz com que o ente intramundano [innerweltlich] venha ao encontro [begegnen]. Essa abertura [Erschliessen] prévia do mundo, que pertence ao ser-em [In-sein], também se constitui de disposição [Befindlichkeit]. Deixar e fazer vir ao encontro [Begegnenlassen] é, primariamente, uma circunvisão [Umsicht] e não simplesmente sensação ou observação [Betrachtung]. Numa ocupação [Besorgen] dotada de circunvisão [Umsicht], deixar e fazer vir ao encontro [Begegnenlassen] tem o caráter de ser atingido, como agora se pode ver [Sehen] mais agudamente a partir da disposição [Befindlichkeit]. Do ponto de vista ontológico, inutilidade, resistência, ameaça [drohen], são apenas possíveis, porque o ser-em [In-sein] como tal [als solches] se acha determinado [Bestimmtheit] previamente em sua existência [Existenz], de modo a poder ser tocado dessa maneira pelo que vem ao encontro [begegnen] dentro do mundo [innerweltlich]. Esse ser tocado funda-se na disposição [Befindlichkeit], descobrindo o mundo como tal [als solches], no sentido [Sinn], por exemplo, de ameaça [drohen]. Apenas o que é na disposição [Befindlichkeit] do medo [Furcht], o sem medo [Furchtlosigkeit], pode descobrir [entdecken] o que está à mão [zuhanden] no mundo circundante [Umwelt] como algo [196] ameaçador. O estado de humor [Stimmung] da disposição [Befindlichkeit] constitui, existencialmente, a abertura mundana [Weltoffenheit] da presença [Dasein]. STMSCC: §29
Os “sentidos [Sinne]” [Sinne] só podem ser “estimulados”, só é possível “ter sensibilidade para”, de maneira que o estimulante se mostre na afecção [Affektion], porque, do ponto de vista ontológico, os sentidos [Sinne] pertencem a um ente que possui o modo de ser [Seinsart] disposto no mundo. Por mais fortes que fossem a pressão e resistência, coisas como afecção [Affektion] não ocorreriam se a resistência não se descobrisse de modo essencial, se o ser disposto no mundo já não estabelecesse um liame com um ente intramundano [innerweltlich], trabalhado de modo privilegiado por humores [Stimmung]. Na disposição [Befindlichkeit] subsiste existencialmente um liame de abertura [Erschliessen] com o mundo, a partir do qual algo que toca pode vir ao encontro [begegnen]. Do ponto de vista ontológico-fundamental, devemos em princípio deixar a descoberta [entdecken] primária do mundo ao “simples humor [Stimmung]”. Uma intuição pura, mesmo introduzida nas artérias mais interiores de alguma coisa [Ding] simplesmente dada, jamais chegaria a descobrir [entdecken] algo como ameaça [drohen]. STMSCC: §29
Que a circunvisão [Umsicht] cotidiana [alltäglich] se equivoque, devido à abertura [Erschliessen] primordial da disposição [Befindlichkeit] e esteja amplamente sujeita a ilusão, isto é, segundo a ideia [Idee] de um conhecimento [Erkenntnis] absoluto de “mundo”, um me ón. Em razão dessas avaliações ontologicamente inadequadas, desconsidera-se inteiramente a positividade existencial da possibilidade [Möglichkeit] de ilusão. É justamente na visão [Sicht] instável e de humor [Stimmung] variável do “mundo” que o manual [zuhanden] se mostra em sua mundanidade [Weltlichkeit] específica, a qual nunca é a mesma. A observação [Betrachtung] teórica sempre reduziu o mundo à uniformidade do que é simplesmente dado [vorhanden]; dentro dessa uniformidade subsiste encoberta sem dúvida uma nova riqueza de determinações, passíveis de descoberta [entdecken]. Contudo, mesmo a mais pura theoria não conseguiu ultrapassar todos os humores [Stimmung]; o que é ainda simplesmente dado [vorhanden] em sua pura configuração apenas se mostra para a observação [Betrachtung] quando consegue chegar a si, demorando tranquilamente junto a…, na rastone e diagoge. O demonstrar [Aufweisung] da constituição ontológico-existencial de toda determinação de conhecimento [Erkenntnis] na disposição [Befindlichkeit] do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] não deve ser confundido com a tentativa de abandonar onticamente a ciência [Wissenschaft] ao “sentimento [Gefühl]”. STMSCC: §29
Dentro da problemática dessa investigação não será possível interpretar os diferentes modos da disposição [Befindlichkeit] e seus nexos de fundamentação. Esses fenômenos são de há muito conhecidos e onticamente sempre considerados pela filosofia, sob o nome de afetos [Affekt] e sentimentos. Não é por acaso que a primeira interpretação dos afetos [Affekt], legada e conduzida sistematicamente, não tenha sido tratada no âmbito da “psicologia”. Aristóteles investiga a pathe, no segundo livro de sua Retórica. Ao contrário da orientação tradicional do conceito [Begriff] de retórica como uma espécie de “disciplina”, ela deve ser apreendida como a primeira hermenêutica [Hermeneutik] sistemática da convivência [Miteinandersein] cotidiana [alltäglich] com os outros. O público [Öffentlichkeit], enquanto modo de ser [Seinsart] do impessoal [das Man] (cf. §27), não só possui seu estado de humor [Stimmung] como precisa da afinação [Gestimmtheit] do humor [Stimmung] e a “constrói” [macht] para si. É a partir dele e em seu sentido [Sinn] que fala [Rede] o orador [Redner]. Ele necessita da compreensão das possibilidades [Möglichkeit] do humor [Stimmung] para despertá-las e dirigi-las da maneira mais adequada. STMSCC: §29
A disposição [Befindlichkeit] é uma das estruturas existenciais em que o ser do “pre [das Da]” da presença [Dasein] se sustenta. De maneira igualmente originária, também o compreender [Verstehen] constitui esse ser. Toda disposição [Befindlichkeit] sempre possui a sua compreensão, mesmo quando a reprime. O compreender [Verstehen] está sempre afinado pelo humor [Stimmung]. Interpretando o compreender [Verstehen] como um existencial [NH: de modo ontológico-fundamental, isto é, a partir da remissão [Bezug] da verdade [Wahrheit] de ser] fundamental, mostra-se que esse fenômeno [Phänomen] é concebido como modo fundamental de ser da presença [Dasein]. No sentido [Sinn], porém, de um modo possível de conhecimento [Erkenntnis] entre outros, [202] que se distingue, por exemplo, do “esclarecer”, o “compreender [Verstehen]” deve ser interpretado juntamente com aquele, como um derivado existencial do compreender [Verstehen] primordial, que também constitui o ser do pre [das Da] da presença [Dasein]. STMSCC: §31
Enquanto existenciais, a disposição [Befindlichkeit] é o compreender [Verstehen] caracterizam a abertura [Erschliessen] originária de ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. No modo de ser [Seinsart] do humor [Stimmung], a presença [Dasein] “vê” possibilidades [Möglichkeit] a partir das quais ela é. Na abertura [Erschliessen] projetiva dessas possibilidades [Möglichkeit], ela já está sempre afinada pelo humor [Stimmung]. O projeto [Entwurf] do poder-ser [Seinkönnen] mais próprio [eigentlich] está entregue ao fato de ser lançado no pre [das Da] da presença [Dasein]. Mas não será que, com a explicação da constituição existencial do ser do pre [das Da], no sentido [Sinn] do projeto [Entwurf] projetado, o ser da presença [Dasein] se torna ainda mais enigmático? Com efeito. Devemos primeiro deixar despontar todo o enigma desse ser, quer para fracassar com autenticidade na tentativa de [208] “resolvê-lo”, quer para recolocar de modo novo a questão [Frage] do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] que se lançou em projetos. STMSCC: §31
Toda fala [Rede] sobre alguma coisa [Ding] comunica através daquilo sobre que fala [Rede] e sempre possui o caráter de pronunciar-se. Na fala [Rede], a presença [Dasein] se pronuncia. Entretanto, isso não ocorre porque a presença [Dasein] se acharia, de início, encapsulada num “interior” que se opõe a um exterior, mas porque, como ser-no-mundo [In-der-Welt-sein], ao compreender [Verstehen], ela já se acha “fora” [Aussen]. O que se pronuncia é justamente o estar fora [NH: o pre [das Da]; estar exposto como posição aberta], isto é, o modo cada vez diferente da disposição [Befindlichkeit] (ou do humor [Stimmung]) que, como se indicou, alcança toda a abertura [Erschliessen] do ser-em [In-sein]. O índice linguístico próprio [eigentlich] da fala [Rede] em que se anuncia o ser-em [In-sein] da disposição [Befindlichkeit] está no tom, na modulação, no ritmo da fala [Rede], “no modo de dizer”. A comunicação [Mitteilung] das possibilidades [Möglichkeit] existenciais da disposição [Befindlichkeit], ou seja, da abertura [Erschliessen] da existência [Existenz], pode tornar-se a meta [Ziel] explícita da fala [Rede] “poética”. STMSCC: §34
Este tipo de interpretação própria da falação [Gerede] já se consolidou na presença [Dasein]. É dessa maneira que aprendemos e conhecemos muitas coisas. É dessa maneira ainda que não poucas coisas jamais conseguem ultrapassar uma tal compreensão mediana. A presença [Dasein] nunca consegue subtrair-se a essa interpretação cotidiana [alltäglich] em que ela cresce. Todo compreender [Verstehen], interpretar e comunicar autênticos, toda redescoberta e nova apropriação cumprem-se nela, a partir dela e contra ela. Não é possível uma presença [Dasein], que não sendo tocada nem desviada pela interpretação mediana, pudesse colocar-se diante [Bringen vor] da paisagem livre de um “mundo” em si, para apenas contemplar o que lhe vem ao encontro [begegnen]. O predomínio da interpretação pública já decidiu até mesmo sobre as possibilidades [Möglichkeit] de sintonização com o humor [Stimmung], isto é, sobre o modo fundamental em que a presença [Dasein] é tocada pelo mundo. O impessoal [das Man] prescreve a disposição [Befindlichkeit] e determina o quê e como se “vê”. STMSCC: §35
Não é, porém, de forma ocasional ou suplementar que a presença [Dasein] realiza para si essa possibilidade [Möglichkeit] mais própria, irremissível [unbezüglich] e insuperável [unüberholbar], no curso de seu ser. Em existindo, a presença [Dasein] já está lançada nessa possibilidade [Möglichkeit]. De início e na maior parte das vezes, a presença [Dasein] não possui nenhum saber explícito ou mesmo teórico de que ela se ache entregue à sua morte [Tod] e que a morte [Tod] pertença ao ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. É na disposição [Befindlichkeit] da angústia [Angst] que o estar-lançado [Geworfenheit] na morte [Tod] se desvela [enthüllen] para a presença [Dasein] de modo mais originário [ursprünglich] e penetrante. A angústia [Angst] com a morte [Tod] é angústia [Angst] “com” o poder-ser [Seinkönnen] mais próprio [eigentlich], irremissível [unbezüglich] e insuperável [unüberholbar]. O próprio [eigentlich] ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] é aquilo com que ela se angustia. O porquê dessa angústia [Angst] é o puro e [326] simples poder-ser [Seinkönnen] da presença [Dasein]. Não se deve confundir a angústia [Angst] com a morte [Tod] e o medo [Furcht] de deixar de viver [ableben]. Enquanto disposição [Befindlichkeit] fundamental da presença [Dasein], a angústia [Angst] não é um humor [Stimmung] “fraco”, arbitrário e casual de um indivíduo singular e sim a abertura [Erschliessen] de que, como ser-lançado, a presença [Dasein] existe para seu fim. Assim, esclarece-se o conceito [Begriff] existencial da morte [Tod] como ser-lançado para o poder-ser [Seinkönnen] mais próprio [eigentlich], irremissível [unbezüglich] e insuperável [unüberholbar]. com isso, ganha nitidez a delimitação frente a um mero desaparecer, a um mero finar ou ainda a uma “vivência” do deixar de viver [ableben]. STMSCC: §50
O ser-para-o-fim [Sein zum Ende] não se origina primeiro de uma postura que, às vezes, acontece, mas pertence, de modo essencial, ao estar-lançado [Geworfenheit] da presença [Dasein], que na disposição [Befindlichkeit] (do humor [Stimmung]) se desvela [enthüllen] dessa ou daquela maneira. O “saber” ou “não-saber” que, de fato, sempre vigora em cada presença [Dasein], a respeito do ser-para-o-fim [Sein zum Ende] mais próprio [eigentlich], é apenas a expressão da possibilidade [Möglichkeit] existenciária [existenziell] de se manter nesse modo de ser [Seinsart]. Que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes [zunächst und zumeist], muitos de fato não sabem da morte [Tod], isso não pode ser aduzido como prova de que o ser-para-a-morte [Sein zum Tode] não pertença “de maneira geral” à presença [Dasein]. Isso apenas mostra que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes [zunächst und zumeist], a presença [Dasein] encobre para si mesma o ser-para-a-morte [Sein zum Tode] mais próprio [eigentlich] em dele fugindo. É existindo que a presença [Dasein] morre de fato, embora, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes [zunächst und zumeist], o faça no modo da decadência [Verfallen]. Pois existir [existieren] faticamente não é somente um poder-ser-lançado no mundo, genérico e indiferente, já sendo também um empenhar-se no “mundo” das ocupações [Besorgen]. Nesse decadente ser-junto-a [Sein bei], anuncia-se a fuga [Flucht] da estranheza [Unheimlichkeit], isto significa, do ser-para-a-morte [Sein zum Tode] mais próprio [eigentlich]. Existência, facticidade [Faktizität], decadência [Verfallen] caracterizam o ser-para-o-fim [Sein zum Ende], constituindo, pois, o conceito [Begriff] existencial da morte [Tod]. No tocante à sua possibilidade [Möglichkeit] ontológica, o morrer [sterben] funda-se na cura [Sorge] [NH: mas a cura [Sorge] vige a partir da verdade [Wahrheit] do ser]. STMSCC: §50
A exposição do ser-para-a-morte [Sein zum Tode] mediano na vida [Leben] cotidiana [alltäglich] orienta-se pelas estruturas da cotidianidade [Alltäglichkeit] já explicitadas. No ser-para-a-morte [Sein zum Tode], a presença [Dasein] relaciona-se com ela mesma enquanto um poder-ser [Seinkönnen] privilegiado. Entretanto, o próprio [eigentlich] da cotidianidade [Alltäglichkeit] é o impessoal [das Man], constituído na interpretação pública expressa na falação [Gerede]. Este deve, portanto, revelar de que modo a presença [Dasein] cotidiana [alltäglich] interpreta para si o seu ser-para-a-morte [Sein zum Tode]. O fundamento da interpretação sempre molda uma compreensão que, por sua vez, também é sempre disposta, ou seja, afinada e sintonizada no humor [Stimmung]. Impõe-se, assim, a pergunta: Como a compreensão, que se acha disposta na falação [Gerede] do impessoal [das Man], abriu o ser-para-a-morte [Sein zum Tode]? Como o impessoal [das Man] se relaciona na compreensão com essa possibilidade [Möglichkeit] mais própria, irremissível [unbezüglich] e insuperável [unüberholbar] da presença [Dasein]? Que disposição [Befindlichkeit] o estar entregue à responsabilidade [Überantwortung] da morte [Tod] abre para o impessoal [das Man] e de que modo? STMSCC: §51
A possibilidade [Möglichkeit] mais própria, irremissível [unbezüglich], insuperável [unüberholbar] e certa é, no tocante à certeza [Gewissheit], indeterminada. Como o antecipar [Vorlaufen] abre esse caráter da possibilidade [Möglichkeit] privilegiada da presença [Dasein]? Como a compreensão antecipadora [Vorlaufen] projeta-se para um certo poder-ser [Seinkönnen] constantemente possível, de maneira que sempre fique indeterminado quando a absoluta impossibilidade [Unmöglichkeit] da existência [Existenz] tornar-se-á enfim possível? [342] No antecipar [Vorlaufen] para a morte [Tod] certa mas indeterminada, a presença [Dasein] abre-se para uma ameaça [drohen] que sempre emerge de seu próprio [eigentlich] pre [das Da]. O ser para o fim deve manter-se nessa ameaça [drohen] e não pode apagá-la, mas, ao contrário, ela é que deve construir a indeterminação [Unbestimmtheit] da certeza [Gewissheit]. Como é possível, do ponto de vista existencial, a abertura [Erschliessen] genuína dessa ameaça [drohen] permanente? Todo compreender [Verstehen] se dá numa disposição [Befindlichkeit]. O humor [Stimmung] lança a presença [Dasein] para o estar-lançado [Geworfenheit] de seu “que ela é pre-sença [dass-es-da-ist]”. A angústia [Angst], porém, é a disposição [Befindlichkeit] que permite que se mantenha aberta a ameaça [drohen] absoluta e insistente de si mesmo, que emerge do ser mais próprio [eigentlich] e singular da presença [Dasein]. Na angústia [Angst], a presença [Dasein] dispõe-se frente ao nada [Nichts] da possível impossibilidade [Unmöglichkeit] de sua existência [Existenz]. A angústia [Angst] se angustia pelo poder-ser [Seinkönnen] daquele ente assim determinado [Bestimmtheit], abrindo-lhe a possibilidade [Möglichkeit] mais extrema. Porque o antecipar [Vorlaufen] simplesmente singulariza a presença [Dasein] e, nessa singularização [Vereinzelung], torna certa a totalidade de seu poder-ser [Seinkönnen], a disposição [Befindlichkeit] fundamental da angústia [Angst] pertence ao compreender [Verstehen] de si mesma, própria da presença [Dasein]. O ser-para-a-morte [Sein zum Tode] é, essencialmente, angústia [Angst] [NH: mas não apenas angústia [Angst] e muito menos angústia [Angst] como mera emoção]. Isso é testemunhado, de modo indubitável, embora “apenas” indireto, pelo ser-para-a-morte [Sein zum Tode] já caracterizado, quando a angústia [Angst] se faz medo [Furcht] covarde e, superando, denuncia a covardia à angústia [Angst]. STMSCC: §53
Através da abertura [Erschliessen], o ente que chamamos presença [Dasein] está na possibilidade [Möglichkeit] de ser o seu pre [das Da]. Com o seu mundo, ele é, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes [zunächst und zumeist], uma presença [Dasein] para si mesmo, e isso de tal modo que, a partir do “mundo” das ocupações [Besorgen], [348] ele já abriu para si mesmo o poder-ser [Seinkönnen]. O poder-ser [Seinkönnen] em que a presença [Dasein] existe sempre já se entregou a determinadas possibilidades [Möglichkeit]. E isso porque se trata de um ente lançado. Este estar-lançado [Geworfenheit] acha-se aberto pela determinação da afinação [Gestimmtheit] do humor [Stimmung], de modo mais ou menos penetrante e claro. O compreender [Verstehen] pertence, de forma igualmente originária, à disposição [Befindlichkeit] (humor [Stimmung]). Por isso a presença [Dasein] “sabe” [NH: pretende sabê-lo] a quantas ela mesma anda na medida em que se projetou em possibilidades [Möglichkeit] de si mesma ou, afundando-se no impessoal [das Man], recebeu da interpretação pública do impessoal [das Man] as suas possibilidades [Möglichkeit]. Essa recepção, no entanto, só é existencialmente possível porque a presença [Dasein], enquanto ser-com [Mitsein] em compreendendo, pode escutar [NH: de onde [Woher] provém esse ouvir e poder ouvir? O ouvir sensível dos ouvidos como um modo lançado de aceitação] os outros. Perdendo-se no teor público [Öffentlichkeit] do impessoal [das Man] e na sua falação [Gerede], a presença [Dasein], ao escutar o impessoalmente si mesmo, não dá ouvidos ao próprio [eigentlich] de si mesma. Para a presença [Dasein] retirar-se da perdição [Verlorenheit] em que não dá ouvidos – retirar-se por ela mesma – ela deve primeiro poder encontrar a si enquanto o que não deu ouvidos a si mesma, por ter dado ouvidos ao impessoal [das Man]. Esse último dar ouvidos deve ser rompido, ou seja, a própria presença [Dasein] deve dar a si a possibilidade [Möglichkeit] de uma escuta [Hören] que o interrompa. A possibilidade [Möglichkeit] dessa interrupção reside em ser interpelada sem mediação. Esse apelo [Ruf] rompe o dar ouvidos ao impessoal [das Man] em que a presença [Dasein] não dá ouvidos quando, de acordo com seu próprio [eigentlich] caráter, desperta uma escuta [Hören] que, em tudo, se contrapõe à escuta [Hören] perdida [verloren]. Se este se caracteriza pelo “ruído” da ambiguidade [Zweideutigkeit] múltipla e variada da falação [Gerede] cotidianamente “nova”, o apelo [Ruf] deve apelar sem ruído, sem ambiguidade [Zweideutigkeit], sem apoiar-se na curiosidade [Neugier]. O que assim apelando se dá a compreender [Verstehen] é a consciência. STMSCC: §55
Que a presença [Dass] seja faticamente, esse que ela é já está aberto para a presença [Dass], não obstante o seu porquê possa manter-se velado. O estar-lançado [Geworfenheit] desse ente pertence à abertura [Erschliessen] do “pre [das Da]” e se desvela [enthüllen] constantemente em cada disposição [Befindlichkeit]. Este leva a presença [Dasein], de forma mais ou menos explícita e própria, para diante desse “que” (ela é) enquanto o ente que tem de ser o que é e pode ser”. Na maior parte das vezes, porém, o humor [Stimmung] fecha o estar-lançado [Geworfenheit]. A presença [Dasein] foge desse estar-lançado [Geworfenheit] para a facilidade da liberdade [Freiheit] pretendida pelo impessoalmente-si-mesmo [Man-selbst]. Caracterizou-se essa fuga [Flucht] como fuga [Flucht] da estranheza [Unheimlichkeit] que, no fundo, determina a singularidade do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. A estranheza [Unheimlichkeit] desvela-se propriamente na disposição [Befindlichkeit] fundamental da angústia [Angst] e, enquanto abertura [Erschliessen] mais elementar da presença [Dasein] lançada, coloca o seu ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] diante do nada do mundo com o qual ela se angustia na angústia [Angst] por seu poder-ser [Seinkönnen] mais próprio [eigentlich]. E se, dispondo no fundo de sua estranheza [Unheimlichkeit], a presença [Dasein] fosse quem [Wer] apela o apelo da consciência [Gewissensruf]? STMSCC: §57
O ser da presença [Dasein] é a cura [Sorge]. Ela compreende em si facticidade [Faktizität] (estar-lançado [Geworfenheit]), existência [Existenz] (projeto [Entwurf]) e decadência [Verfallen]. Sendo, a presença [Dasein] é lançada, mas não foi levada por si mesma para o seu pre [das Da]. Ela é em se determinando como poder-ser [Seinkönnen] que pertence a si mesma, mas não no sentido [Sinn] de ter dado a si mesma o que tem de próprio [eigentlich]. Existindo, ela nunca retorna aquém de seu estar-lançado [Geworfenheit], de tal modo que sempre só pudesse desenvolver esse “que é e (comporta) um ter de ser [Zu-sein]” propriamente a partir de seu ser si mesma e conduzi-lo ao seu pre [das Da]. O estar-lançado [Geworfenheit] não se encontra aquém dela como um acontecimento que de fato ocorreu e que se teria desprendido da presença [Dasein] e com ela acontecido. Mas enquanto é, e como cura [Sorge], a presença [Dasein] é constantemente o seu “que é”. Existindo, a presença [Dasein] é o fundamento de seu poder-ser [Seinkönnen] porque só pode existir [existieren] como o ente que está entregue à responsabilidade [Überantwortung] de ser o ente que ela é. Embora não tendo ela mesma colocado o fundamento, a presença [Dasein] repousa em sua gravidade que, no humor [Stimmung], se revela como peso [Last]. STMSCC: §58
Que humor [Stimmung] corresponde a esse compreender [Verstehen]? O compreender [Verstehen] do apelo [Ruf] abre a própria presença [Dasein] na estranheza [Unheimlichkeit] de sua singularidade. A estranheza [Unheimlichkeit] também desvelada no compreender [Verstehen] abre-se, de modo genuíno, pela disposição [Befindlichkeit] da angústia [Angst] que lhe pertence. Em seu fato, a angústia [Angst] da consciência é uma confirmação fenomenal [phänomenal] de que, no compreender [Verstehen] do apelo [Ruf], a presença [Dasein] é colocada diante da estranheza [Unheimlichkeit] de si mesma. O querer-ter-consciência [Gewissen-haben-wollen] transforma-se na prontidão para a angústia [Angst]. STMSCC: §60
A decisão [Entschlossenheit] antecipadora [Vorlaufen] não é, de modo algum, um subterfúgio inventado para “superar” a morte [Tod]. Ela é o compreender [Verstehen] que responde ao apelo da consciência [Gewissensruf], a qual libera a possibilidade [Möglichkeit] de a morte [Tod] apoderar-se da existência [Existenz] da presença [Dasein] e de, no fundo, dissipar todo encobrimento de si mesma, por menor que seja. O querer-ter-consciência [Gewissen-haben-wollen], determinado [Bestimmtheit] como ser-para-a-morte [Sein zum Tode], também não significa um desprendimento do mundo mas conduz, sem ilusões, à decisão [Entschlossenheit] do “agir [handeln]”. A decisão [Entschlossenheit] antecipadora [Vorlaufen] também não surge de uma disposição [Befindlichkeit] “idealista” que sobrevoa a existência [Existenz] e suas possibilidades [Möglichkeit]. Ela brota do compreender [Verstehen] sóbrio de possibilidades [Möglichkeit] fundamentais e fáticas da presença [Dasein]. Junto com a angústia [Angst] sóbria que leva para a singularidade do poder-ser [Seinkönnen], está a alegria mobilizada dessa possibilidade [Möglichkeit]. Nela, a presença [Dasein] se vê livre dos “acasos” dos entretenimentos que a curiosidade [Neugier] solícita cria, sobretudo, a partir das ocorrências do mundo. A análise destes estados fundamentais de humor [Stimmung] ultrapassa, porém, os limites estabelecidos para a presente interpretação em seu propósito de ontologia fundamental. STMSCC: §62
Em seu sentido [Sinn] temporal [zeitlich], a decisão [Entschlossenheit] representa uma abertura [Erschliessen] própria da presença [Dasein]. A abertura [Erschliessen] constitui um ente, de tal maneira que, em existindo, pode ser o seu “pre [das Da]” ele mesmo. Em relação [Beziehung] a seu sentido [Sinn] temporal [zeitlich], a cura [Sorge] foi caracterizada apenas em seus traços fundamentais. Demonstrar a sua constituição temporal [zeitlich] concreta significa interpretar, temporalmente, cada um de seus momentos estruturais, quais sejam, compreender [Verstehen], disposição [Befindlichkeit], decadência [Verfallen] e fala [Rede]. Todo compreender [Verstehen] possui o seu humor [Stimmung]. Toda disposição [Befindlichkeit] é compreensiva. O compreender [Verstehen] disposto possui o caráter de decadência [Verfallen]. O compreender [Verstehen] decadente e afinado pelo humor [Stimmung] articula-se na fala [Rede], no tocante à sua compreensibilidade [Verständigkeit]. A constituição temporal [zeitlich] de cada um dos fenômenos mencionados remete, cada vez, a uma temporalidade [Zeitlichkeit] que, como tal [als solches], garante a unidade estrutural possível de compreender [Verstehen], disposição [Befindlichkeit], decadência [Verfallen] e fala [Rede]. STMSCC: §68
O compreender [Verstehen] nunca se dá solto no ar, mas está sempre numa disposição [Befindlichkeit]. Na afinação [Gestimmtheit] do humor [Stimmung], o “pre [das Da]” sempre se abre e fecha [425] de modo igualmente originário [ursprünglich]. A afinação [Gestimmtheit] do humor [Stimmung] coloca a presença [Dasein] diante (vor) de seu estar-lançado [Geworfenheit] de tal maneira que o estar-lançado [Geworfenheit] não é reconhecido como tal [als solches], abrindo-se, bem mais originariamente, no “como se está”. Existencialmente, ser e estar-lançado [Geworfenheit] significa: dispor-se deste ou daquele modo. A disposição [Befindlichkeit] funda-se, portanto, no estar-lançado [Geworfenheit]. O humor [Stimmung] representa o modo em que sempre eu [Ich] sou primariamente o ente-lançado. Como se torna visível a constituição temporal [zeitlich] da afinação [Gestimmtheit] do humor [Stimmung]? Como se mostra o nexo [Zusammenhang] existencial entre a disposição [Befindlichkeit] e o compreender [Verstehen] a partir da unidade ekstática de cada temporalidade [Zeitlichkeit]? STMSCC: §68
Aviando e desviando da própria presença [Dasein], o humor [Stimmung] realiza aberturas. Existencialmente, só é possível colocar-se diante [Bringen vor] desse que (se é) [Dass] do próprio [eigentlich] estar-lançado [Geworfenheit] – seja desvelando com propriedade [Eigentlichkeit] ou encobrindo com impropriedade [Uneigentlichkeit] – quando o ser da presença [Dasein], de acordo com seu sentido [Sinn], é constantemente o vigor de ter sido [Gewesenheit]. O colocar-se diante [Bringen vor] deste ente-lançado, que impessoalmente se é, não cria o vigor de ter sido [Gewesenheit]. A sua ekstase [Ekstase] é que possibilita o encontrar-se [finden] como disposição [Befindlichkeit]. O compreender [Verstehen] funda-se, primariamente, no porvir [Zukunft], ao passo que a disposição [Befindlichkeit] se temporaliza [zeitigen], primariamente, no vigor de ter sido [Gewesenheit]. Humor temporaliza-se, ou seja, a sua ekstase [Ekstase] específica pertence a um porvir [Zukunft] e a uma atualidade [Gegenwart] mas de tal forma que o vigor de ter sido [Gewesenheit] modifica as ekstases [Ekstase] igualmente originárias. STMSCC: §68
Já salientamos que os humores [Stimmung], não obstante conhecidos do ponto de vista ôntico [ontisch], não são reconhecidos em sua função existencial originária. São considerados vivências fugazes que “dão cor” a todo o “estado d’alma”. O que, para uma simples observação [Betrachtung], não passa de um aparecer e desaparecer fugaz pertence, no entanto, à consistência [Ständigkeit] originária da existência [Existenz]. Mas o que pode haver de comum entre os humores [Stimmung] e o “tempo”? Que estas “vivências” [Erlebnis] vêm e vão, que elas transcorrem “no tempo”, é uma constatação trivial; sem dúvida, e, na verdade, uma constatação ôntico-psicológica. A tarefa consiste, porém, em demonstrar [Aufweisung] a estrutura ontológica da afinação [Gestimmtheit] do humor [Stimmung] em sua concreção existencial e temporal [zeitlich]. Numa primeira aproximação, isso pode apenas significar: tornar visível, ao menos uma vez, a temporalidade [Zeitlichkeit] do humor [Stimmung]. A tese segundo a qual “disposição [Befindlichkeit] funda-se, primariamente, no vigor de ter sido [Gewesenheit]” diz que o caráter existencial básico do humor [Stimmung] é uma recolocação em… [426] A recolocação não produz o vigor de ter sido [Gewesenheit], mas a disposição [Befindlichkeit] sempre revela, para a análise existencial, um modo do vigor de ter sido [Gewesenheit]. A interpretação temporal [zeitlich] da disposição [Befindlichkeit] não pode, portanto, pretender deduzir os humores [Stimmung] da temporalidade [Zeitlichkeit] e dissolvê-los em puros fenômenos de temporalização [Zeitigung]. Trata-se apenas de comprovar que os humores [Stimmung], no que e no modo em que “significam” existenciariamente, só são possíveis com base na temporalidade [Zeitlichkeit]. A interpretação temporal [zeitlich] limitar-se-á aos fenômenos já analisados do medo [Furcht] e da angústia [Angst]. STMSCC: §68
Começaremos a análise com a demonstração da temporalidade [Zeitlichkeit] do medo [Furcht]. Caracterizou-se o medo [Furcht] como disposição [Befindlichkeit] imprópria [uneigentlich]. Em que medida o vigor de ter sido [Gewesenheit] é o sentido [Sinn] existencial que o possibilita? Que modo desta ekstase [Ekstase] caracteriza a temporalidade [Zeitlichkeit] específica do medo [Furcht]? Medo é ter medo [fürchten] do que ameaça [drohen]. Trata-se do que se aproxima prejudicialmente, como já descrito, do poder-ser [Seinkönnen] fático [faktisch] da presença [Dasein], no âmbito do que está à mão [zuhanden] e do que é simplesmente dado [vorhanden] nas ocupações [Besorgen]. No modo da circunvisão [Umsicht] cotidiana [alltäglich], o ter medo [fürchten] abre algo que ameaça [drohen]. Um sujeito [Subjekt] meramente espectador nunca poderia descobrir [entdecken] algo assim. Mas não será esta abertura [Erschliessen] de ter medo [fürchten] de alguma coisa [Ding] um deixar vir-a-si? Não é correta a determinação do medo [Furcht] como espera [Erwarten] de um mal que está vindo (malum futurum)? Não será o sentido [Sinn] temporal [zeitlich] primário do medo [Furcht] tanto o porvir [Zukunft] como o vigor de ter sido [Gewesenheit]? Indiscutivelmente, o medo [Furcht] não apenas se “relaciona” com o que “está por vir [zukünftig]”, entendido como o que só advém “no tempo”, mas também esse relacionar-se, em si mesmo, já está por vir [zukünftig], no sentido [Sinn] do tempo originário [ursprünglich]. Sem dúvida, também pertence à constituição existencial e temporal [zeitlich] do medo [Furcht] um aguardar [Gewärtigen]. Mas, de início, isso diz apenas que a temporalidade [Zeitlichkeit] do medo [Furcht] é imprópria [uneigentlich]. Será que ter medo [fürchten] de alguma coisa [Ding] é apenas esperar [Erwarten] uma ameaça [drohen] em advento? Esperar [Erwarten] uma ameaça [drohen] em advento ainda não precisa ser medo [Furcht], e é tão pouco medo [Furcht] que lhe falta justamente o caráter do humor [Stimmung] específico do medo [Furcht]. Este reside em que o aguardar [Gewärtigen] próprio [eigentlich] ao medo [Furcht] deixa e faz com que aquilo que ameaça [drohen] volte para o poder-ser [Seinkönnen] fático [faktisch], empenhado em ocupações [Besorgen]. Só no aguardar [Gewärtigen] é que o que ameaça [drohen] pode estar de volta para [Zurück auf] o ente [427] que eu sou [ich bin] e, dessa forma, a presença [Dasein] só pode ser ameaçada caso já se tenha aberto, ekstaticamente, o para onde volta. O caráter de humor [Stimmung] e afecção [Affektion] do medo [Furcht] reside em que o aguardar [Gewärtigen] medroso tem medo [Furcht] “de si mesmo”, isto é, em que todo ter medo [fürchten] de alguma coisa [Ding] é um ter medo [fürchten] por… O seu sentido [Sinn] existencial e temporal [zeitlich] constitui-se por um esquecer-se de si: qual seja, extrair-se [Ausrücken], de forma conturbada, do poder-ser [Seinkönnen] fático [faktisch] em sentido [Sinn] próprio [eigentlich]; é nesse esquecer [Vergessen] que o ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] ameaçado se ocupa do que está à mão [zuhanden]. É com razão que Aristóteles determina o medo [Furcht] como lype tis he tarache, aflição [Gedrücktheit] e conturbação [Verwirrung]. A aflição [Gedrücktheit] pressiona a presença [Dasein] no sentido [Sinn] de voltar para o seu estar-lançado [Geworfenheit] mas de tal maneira que justamente este estar-lançado [Geworfenheit] se fecha. Já a conturbação [Verwirrung] funda-se num esquecer [Vergessen]. O extrair-se [Ausrücken] no esquecimento [Vergessenheit] de um poder-ser [Seinkönnen] fático [faktisch] e decidido baseia-se nas possibilidades [Möglichkeit] de salvação e escape previamente descobertas numa circunvisão [Umsicht]. Porque se esquece de si e não apreendendo nenhuma possibilidade [Möglichkeit] determinada [Bestimmtheit], a ocupação [Besorgen] que se teme salta do mais próximo para o mais próximo. Com isso, todas as possibilidades [Möglichkeit] “possíveis” e impossíveis se oferecem. Aquele que tem medo [Furcht] não se detém em nenhuma delas; o “mundo circundante [Umwelt]” não desaparece, ao contrário, lhe vem ao encontro [begegnen] justamente nesse não-mais-se-reconhecer no mundo circundante [Umwelt]. Essa atualização [Gegenwärtigen] conturbada do que é melhor por ser o mais próximo pertence ao esquecimento [Vergessenheit] de si, inerente ao medo [Furcht]. É sabido que o habitante de uma casa em chamas, por exemplo, frequentemente, quer “salvar” as coisas mais indiferentes por estarem mais imediatamente à mão. A atualização [Gegenwärtigen] esquecida de si de uma confusão de possibilidades [Möglichkeit] soltas possibilita a conturbação [Verwirrung] do medo [Furcht] que, como tal [als solches], lhe constitui o caráter específico de humor [Stimmung]. O esquecimento [Vergessenheit] inerente à conturbação [Verwirrung] também modifica o aguardar [Gewärtigen], caracterizando-o como um aguardar [Gewärtigen] aflito e conturbado por oposição a uma pura espera [Erwarten]. STMSCC: §68
O esquecer [Vergessen], inerente ao medo [Furcht], conturba, deixando a presença [Dasein] perdida [verloren] em meio a possibilidades [Möglichkeit] “mundanas” não apreendidas. Diante desta atualização [Gegenwärtigen] que não se sustenta, a atualização [Gegenwärtigen] da angústia [Angst] se mantém na recolocação do estar-lançado [Geworfenheit] mais próprio [eigentlich]. De acordo com seu sentido [Sinn] existencial, a angústia [Angst] não pode se perder em ocupações [Besorgen]. Quando algo assim parece ocorrer numa disposição [Befindlichkeit], trata-se então do medo [Furcht] que o entendimento cotidiano [alltäglich] confunde com a angústia [Angst]. Embora a atualidade [Gegenwart] da angústia [Angst] se mantenha, ela ainda não possui o caráter do instante [Augenblick], que se temporaliza [zeitigen] na decisão [Entschlossenheit]. A angústia [Angst] só conduz para o humor [Stimmung] de uma decisão [Entschlossenheit] possível. Sua atualidade [Gegenwart] mantém o instante [Augenblick], em que ela mesma e somente ela é possível, num salto. STMSCC: §68
A possibilidade [Möglichkeit] de apoderar-se, que distingue o humor [Stimmung] da angústia [Angst], comprova-se na temporalidade [Zeitlichkeit] específica da angústia [Angst] por [430] ela fundar-se, originariamente, no vigor de ter sido [Gewesenheit] e porque somente a partir dele é que se temporalizam porvir [Zukunft] e atualidade [Gegenwart]. Nele, a presença [Dasein] retoma inteiramente a nudez de sua estranheza [Unheimlichkeit] e é por ela possuída. Esta possessão não só toma de volta a presença [Dasein] das possibilidades [Möglichkeit] “mundanas”, mas também lhe dá a possibilidade [Möglichkeit] de um poder-ser [Seinkönnen] próprio [eigentlich]. STMSCC: §68
Ambos os humores [Stimmung] do medo [Furcht] e da angústia [Angst], no entanto, nunca “ocorrem” apenas isoladamente no “fluxo das vivências”, mas sempre de-terminam o humor [Stimmung] de um compreender [Verstehen] ou de-terminam para si o humor [Stimmung] a partir de um compreender [Verstehen]. O medo [Furcht] encontra seu ensejo nos entes que vêm ao encontro [begegnen] no mundo circundante [Umwelt]. A angústia [Angst], ao contrário, surge da própria presença [Dasein]. O medo [Furcht] sobrevêm a partir do intramundano [innerweltlich]. A angústia [Angst] cresce a partir do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] enquanto ser-lançado-para-a-morte. Em seu sentido [Sinn] temporal [zeitlich], este “crescer” da angústia [Angst], a partir da própria presença [Dasein], significa que o porvir [Zukunft] e a atualidade [Gegenwart] da angústia [Angst] se temporalizam a partir de um vigor de ter sido [Gewesenheit] originário [ursprünglich], entendido como recolocar a possibilidade [Möglichkeit] de retomada [Wiederholung]. A angústia [Angst], no entanto, só pode “crescer” propriamente numa presença [Dasein] decidida. Embora o decidido desconheça o medo [Furcht], ele compreende precisamente a possibilidade [Möglichkeit] de angústia [Angst] como possibilidade [Möglichkeit] do humor [Stimmung] que nem inibe e nem conturba. Ao contrário, libera de possibilidades [Möglichkeit] “nulas”, tornando-o livre para as possibilidades [Möglichkeit] próprias. STMSCC: §68
Mas será que, talvez, a tese da temporalidade [Zeitlichkeit] dos humores [Stimmung] não valha apenas no caso dos fenômenos escolhidos para a análise? Como se pode encontrar um sentido [Sinn] temporal [zeitlich] na morna ausência de humores [Stimmung] que domina o “cotidiano [alltäglich] cinzento”? E o que dizer da temporalidade [Zeitlichkeit] dos humores [Stimmung] e afetos [Affekt] como esperança [Hoffnung], alegria, encantamento e jovialidade? Que não apenas o medo [Furcht] e a angústia [Angst] mas também outros fenômenos estão existencialmente fundados num vigor de ter sido [Gewesenheit], isso se mostra, claramente, quando nomeamos [431] fenômenos tais que tédio, tristeza, melancolia e desespero. Sem dúvida, sua interpretação deve fazer-se com base numa analítica mais ampla da presença [Dasein], elaborada existencialmente. Mas também um fenômeno [Phänomen] como a esperança [Hoffnung], que parece totalmente fundada no porvir [Zukunft], deve ser analisado de forma correspondente à análise do medo [Furcht]. Em oposição ao medo [Furcht], que se relaciona a um malum futurum, costuma-se caracterizar a esperança [Hoffnung] como espera [Erwarten] de um bonum futurum. Para a estrutura do fenômeno [Phänomen], porém, o decisivo não é tanto o caráter “futuro” daquilo a que a esperança [Hoffnung] está relacionada mas, sobretudo, o sentido [Sinn] existencial do próprio [eigentlich] ter esperança [Hoffnung]. Também aqui o caráter de humor [Stimmung] reside, primariamente, em ter esperança [Hoffnung] enquanto ter esperança-para-si. Aquele que tem esperança [Hoffnung] carrega, por assim dizer, a si mesmo para dentro da esperança [Hoffnung], contrapondo-se ao que é esperado. Isso pressupõe, no entanto, um ter-se-conquistado. Que a esperança [Hoffnung], em oposição ao medo [Furcht] que abate, alivia diz apenas que também essa disposição [Befindlichkeit] permanece referida ao peso [Last] de uma carga, no modo de ser [Seinsart] o ter sido. Do ponto de vista ontológico, o humor [Stimmung] exaltado, ou melhor, exaltante só é possível numa remissão [Bezug] ekstático-temporal da presença [Dasein] ao fundamento-lançado de si mesma. STMSCC: §68
Por fim, o que demonstra, da forma mais penetrante, o poder do esquecer [Vergessen] nos humores [Stimmung] cotidianos da ocupação [Besorgen] imediata é a morna ausência de humor [Stimmung] na indiferença [Gleichgültigkeit]. Pois esta não se prende nem força [Kraft] nada, abandona-se a tudo que cada dia lhe apresenta, aceitando, assim, de certo modo, tudo. Este ir levando a vida [Leben], que “deixa tudo ser” como é, funda-se num esquecer [Vergessen] que se abandona ao estar-lançado [Geworfenheit], possuindo o sentido [Sinn] ekstático de um vigor de ter sido [Gewesenheit], impróprio [uneigentlich]. Deve-se distinguir com precisão a indiferença [Gleichgültigkeit], que pode acompanhar a sucessão desenfreada de tarefas, da equanimidade [Gleichmut]. Este humor [Stimmung] surge da decisão [Entschlossenheit]. Esta se concentra no instante [Augenblick] das possíveis situações do poder-ser [Seinkönnen] todo, que se abre no antecipar [Vorlaufen] para a morte [Tod]. STMSCC: §68
A interpretação temporal [zeitlich] de compreender [Verstehen] e disposição [Befindlichkeit] deparou-se não apenas com a ekstase [Ekstase] primária referente a cada fenômeno [Phänomen] mas também com toda a temporalidade [Zeitlichkeit]. Da mesma forma que o porvir [Zukunft] possibilita primariamente o compreender [Verstehen] e o vigor de ter sido [Gewesenheit] possibilita o humor [Stimmung], o terceiro momento estrutural da cura [Sorge], a decadência [Verfallen], encontra seu sentido [Sinn] existencial na atualidade [Gegenwart]. A análise preparatória da decadência [Verfallen] teve início com a interpretação da falação [Gerede], da curiosidade [Neugier] e da ambiguidade [Zweideutigkeit]. A análise temporal [zeitlich] da decadência [Verfallen] deve seguir o mesmo caminho. Contudo, a investigação se limitará em considerar a curiosidade [Neugier] porque é nela que se pode ver [Sehen], mais facilmente, a temporalidade [Zeitlichkeit] específica da decadência [Verfallen]. A análise da falação [Gerede] e da ambiguidade [Zweideutigkeit], por sua vez, já pressupõe o esclarecimento da constituição temporal [zeitlich] da fala [Rede] e da significação [Bedeuten] (da interpretação). STMSCC: §68
Todavia, esses múltiplos carateres da cotidianidade [Alltäglichkeit] não caracterizam, de forma alguma, um mero “aspecto” da presença [Dasein], quando se “olha impessoalmente” para o fazer e o empreender do homem [Mensch]. A cotidianidade [Alltäglichkeit] é um modo de ser [Seinsart] ao qual pertence, sem dúvida, a manifestação pública. Mas enquanto modo de existir [existieren] próprio [eigentlich], a cotidianidade [Alltäglichkeit] é também mais ou menos conhecida de cada presença [Dasein] “singular”, através da disposição [Befindlichkeit] de uma ausência morna de humor [Stimmung]. Na cotidianidade [Alltäglichkeit], a presença [Dasein] pode “sofrer” de estupidez, pode mergulhar na sua estupidez ou dela escapar, buscando uma nova dispersão para fazer frente à dispersão nos negócios e tarefas. Mas a existência [Existenz] também pode amestrar, embora nunca apagar, o cotidiano [alltäglich] no instante [Augenblick] e, sem dúvida, apenas “por um instante [Augenblick]”. STMSCC: §71