Holzhey-Kunz: existência

O conceito de “existência” já é corrente na filosofia antes de Kierkegaard e é aí utilizado, para dizer que algo realiter está presente e, portanto, não representa apenas uma quimera. Seu contraconceito é “essentia”, que designa a essência de coisas ou homens. Os dois são rigorosamente cindidos um do outro no interior da tradição filosófica, pois por mais que se saiba que algo existe, não se sabe ainda com isto nada sobre sua essência; inversamente, uma determinação essencial, por exemplo, sobre Deus, ainda não enuncia nada sobre se Deus também realmente existe ou não. Contra essa tradição de pensamento se remete Heidegger com a sua determinação do ser do homem, quando ele explica provocativamente: “A essência do ser-aí reside em sua existência” (ST, p. 42). Essa sentença é tão inaudita, que ela continua sem ser escutada. Seu significado só tem como ser compreendido, quando se reconhece, que Heidegger, em verdade, acolhe o conceito tradicional de “existência”, mas lhe dá, seguindo Kierkegaard, um novo sentido.

Um passo importante na transformação crítica da ontologia antiga consiste em restringir o discurso sobre existência e existir ao homem: só o homem “existe”. “Existência” se encontra, então, em oposição à mera “presença à vista” ou à mera “ocorrência”. Coisas ou outros seres vivos são “entes presentes à vista” ou mesmo – como os instrumentos criados pelo homem – “à mão”, mas eles não têm nenhuma existência, enquanto o homem nunca é apenas presente à vista ou à mão, mas “existe” enquanto tal. O particular do existir em face do mero estar presente à vista reside em que só o homem não é simplesmente, mas tem “de ser”: “A essência deste ente (isto é, do homem) reside em seu ter-de-ser’ (ST, p. 42).

No “ter-de-ser” reside, portanto, para Heidegger, o particular do homem, que o distingue tanto das coisas inanimadas quanto dos seres vivos não humanos. Só o homem existe, porque só para ele a própria vida nolens volens é tarefa, que lhe é estabelecida, enquanto ele viver; só sua vida (44) não é vivida de acordo com padrões naturalmente dados de antemão, mas precisa ser assumida e conduzida expressamente por ele. O discurso sobre uma “tarefa” trazida ao homem não pode certamente ser concebida de modo normativo no sentido de um dever a ser cumprido, pois o homem não tem outra possibilidade senão assumir sempre de algum modo essa tarefa; e ele o faz também, quando se deixa conduzir por outros ou mesmo impelir sem meta.

O que há de revolucionário nesta determinação existencial do homem? Anteriormente, o que estava em questão antes de tudo nos debates filosóficos era se o homem, segundo sua essência, seria espírito (razão) ou natureza e se seu agir seria em princípio livre ou determinado por leis naturais. Heidegger mostra, então, que esse debate teria por base um preconceito óbvio e ao mesmo tempo fatídico – a saber, o preconceito de que o “ser” humano teria exatamente como todos os outros entes o caráter de uma “presença à vista”. Isto levou, então, a que se pensasse o homem, independentemente de se ele fosse definido como ser espiritual ou como ser natural, a partir de “categorias da presença à vista” e, por isto, a que se o estabelecesse como um ser vivo, que é determinado por meio de características essenciais particulares (nele por si subsistentes) ou por meio de capacidades humanas particulares. Heidegger apresenta, então, o seu veto contra esse pensamento marcado por categorias da presença à vista, quando o que está em jogo é o homem. Com isto, ele exige também de nós daseinsanalistas uma reestruturação do pensar que precisa ser constantemente exercitada de maneira nova, pois o que nos é mais habitual do que conceber a peculiaridade do homem, na medida em que lhe atribuímos positivamente determinadas “características” e “capacidades” ou negativamente a falta delas?