Hegel, no entanto, pensa, ao mesmo tempo, de modo pertinente o objeto de seu pensamento, num diálogo com a história do pensamento que o precedeu. Hegel é o primeiro que assim pode e deve pensar. Sua relação com a história da filosofia é a relação especulativa e somente como tal é ela a relação historial. O caráter do movimento da história é um acontecer no sentido do processo dialético. Hegel escreve (Enciclopédia, § 14): “O mesmo desenvolvimento do pensamento que é apresentado na história da filosofia é apresentado na própria filosofia, porém libertado daquela exterioridade historial, isto é, puramente no elemento do pensamento”.
Surpreendemo-nos e hesitamos. A filosofia mesma e a história da filosofia devem permanecer, segundo a própria palavra de Hegel, na relação de exterioridade. Mas a exterioridade pensada por Hegel de modo algum é externa no sentido grosseiro do simplesmente superficial e indiferente. Exterioridade significa o âmbito exterior, no qual reside toda a história e qualquer processo real em face do movimento da Ideia Absoluta. A elucidada exterioridade da história em relação com a Ideia se dá como consequência da auto-exteriorização da Ideia. A exterioridade mesma é uma determinação dialética. Fica-se muito longe do pensamento autêntico de Hegel quando se constata que o filósofo teria levado a uma unidade a representação histórica e o pensamento sistemático na filosofia. Pois para Hegel não se trata nem de historiografia nem de um sistema no sentido de um corpo doutrinário.
Qual o sentido destas observações sobre a filosofia e sua relação com a história? Elas querem indicar que o objeto do pensamento para Hegel é em si historial; isto, entretanto, no sentido do acontecer, cujo caráter de processo é para Hegel o ser enquanto pensamento que se pensa a si mesmo, pensamento que somente chega a si no processo de seu desenvolvimento especulativo e assim percorre os degraus das figuras sempre diversamente desenvolvidas e por isso antes necessariamente não desenvolvidas.
Somente a partir do objeto do pensamento assim experimentado emerge, segundo Hegel, uma norma própria, como medida para a maneira específica de seu diálogo com os pensadores que o precederam. (MHeidegger A CONSTITUIÇÃO ONTO-TEO-LÓGICA DA METAFÍSICA)
Hegel e os gregos — isto soa como: Kant e os gregos, Leibniz e os gregos, a escolástica medieval e os gregos. Soa assim e é, contudo, algo bem diferente. Pois Hegel pela primeira vez pensa a filosofia dos gregos como um todo e este sob o ponto de vista filosófico. Como é isto possível? Pelo fato de Hegel determinar a história enquanto tal de modo que ela deva ser filosófica em seu rasgo essencial. A história da filosofia é para Hegel o em si unitário, e por isso necessário processo, do avanço do espírito em direção de si mesmo. A história da filosofia não é uma pura sucessão das mais diversas opiniões e doutrinas, que se alternam sem conexão alguma.
Hegel afirma, numa introdução à suas preleções de Berlim sobre a história da filosofia: “A história, que temos diante de nós, é a história do auto-encontrar-se do pensamento.” (Preleções sobre a história da filosofia, Ed. Hoffmeister 1940, Vol. I, pág. 81, Nota). “Pois somente a história da filosofia desenvolve a filosofia mesma.” (Op. cit. pág. 235 segs.). De acordo com isto, a filosofia, enquanto o auto-desenvolvimento do espírito em saber absoluto e a história da filosofia são idênticos para Hegel. Nenhum filósofo, antes de Hegel, assumira tal postura fundamental da filosofia, que possibilita e exige do filosofar que se mova simultaneamente em sua história e que este movimento seja a própria filosofia. A filosofia, porém, tem, segundo a palavra de Hegel na introdução à sua primeira preleção aqui em Heidelberg, por “meta”: “a verdade” (op. cit. p. 14).
A filosofia é, enquanto sua história, como Hegel diz numa nota à margem do manuscrito desta preleção, o “reino da pura verdade — não os atos da realidade exterior, mas o íntimo permanecer-junto-de-si-mesmo do espírito.” (Op. cit. pág. 6, nota). “A verdade” — isto quer dizer aqui: o verdadeiro na sua pura realização, que simultaneamente expõe a verdade do verdadeiro, sua essência.
Ser-nos-á permitido então aceitar a determinação hegeliana da meta da filosofia, que é a verdade, como um aceno para uma consideração da questão do pensamento? Provavelmente sim, tão logo tivermos suficientemente elucidado o tema “Hegel e os gregos”, que agora quer dizer a filosofia na totalidade de seu destino, na perspectiva de sua meta, a verdade.
Esta é a razão porque perguntamos primeiramente: em que medida deve a história da filosofia enquanto história, ser filosófica em seu rasgo essencial? Que quer aqui dizer “filosófico”? Que significa aqui “história”? (MHeidegger HEGEL E OS GREGOS)