hermenêutica da facticidade

A segunda parte que eu gostaria de iniciar, agora, trata da hermenêutica da faticidade ou da teoria da compreensão heideggeriana. O que Heidegger tenta elaborar é um novo método para a compreensão do ser humano, mas não desde fora, desde um grande significante. Quando temos o ser humano situado apenas no universo da temporalidade (Zeitlichkeit), temos como hipótese uma interpretação por meio da analítica existencial ou, como ele chamou inicialmente, de hermenêutica da faticidade. Esta tem como meta, basicamente, a descrição do Dasein em sua historicidade (Geschichtlichkeit) e temporalidade, enquanto fonte de significância, isto é, enquanto aquele ente que tem como horizonte a compreensão de si mesmo. Assim, o ser humano, ao compreender a si mesmo, não se apanha em sua totalidade; mas, ao mesmo tempo, não pode deixar de se compreender, porque isso constitui a sua essência.

A descrição da analítica existencial pretende fazer uma espécie de desdobramento das condições fundamentais do ser humano enquanto o ente que constitui sentido (Sinn) ou significado (Bedeutung). O que significa constituir sentido? Não é um sujeito exterior que atribui nomes ou que dá sentido às coisas no mundo. Heidegger remete a operação de dar significado ao espaço da significância e da articulação do ser humano com o modo desde sempre. E, conforme o que vimos anteriormente, esta articulação com o mundo, em que o ser humano lida com o universo da cultura, com artefatos e objetos, gerará uma polissemia, ou seja, esta multiplicação de (155) sentidos que aparece no mundo humano como o resultado de sua própria finitude. Quer dizer, o ser humano constitui essa espécie de polissemia, que se dá pela impossibilidade de o reduzirmos a um fato único.

Ao desenvolver sua hermenêutica da faticidade, Heidegger dirá que devemos prestar atenção às diversas manifestações ou os modos de o ser humano “coagular” seus comportamentos e atividades, pois ele sempre significou sua relação com o mundo. Dito de maneira metafórica, o ser humano sempre “sinalizou” sua “passagem” pelo mundo — ainda que esta “passagem” não seja algo do passado, pois ela acompanha o ser humano. Ou seja, sobraram “vestígios” do ser humano, que não são da cultura, mas daquilo que constitui o próprio ser humano, porque ele é um pouco esse mundo no qual ele está.

Quando Heidegger diz “o Dasein é um ser-no-mundo”, ele está dizendo que o Dasein não apenas está no mundo como um objeto, mas que ele constitui e é constituído pelo mundo. Isso é a produção de sentido (Sinn) e significado (Bedeutung). A significância (Bedeutsamkeit) resulta da faticidade do Dasein. É por isso que não posso localizá-la ou marcá-la em algum lugar, porque ela não está em lugar algum; ela se dá com o homem enquanto ser-no-mundo. É claro que essa significância articula-se com as três dimensões temporais (Ekstase), sendo que a faticidade é a dimensão que une os significados. Essa união, no entanto, só acontece na medida que o homem é faticidade e projeto (Entwurf). Quando, por exemplo, o Dasein se aproxima de determinado objeto, de si mesmo como objeto da analítica existencial ou da cultura, ele realiza uma projeção de sentido, uma antecipação da compreensão, sem a qual ele não progride. Assim, na medida em que explicitamos e desenvolvemos essa projeção de sentido, nós a convertemos em significado, ou seja, o sentido é convertido, por intermédio da faticidade, em significado. O ser humano sempre trabalha projetivamente com certo horizonte de sentido e, quando isso torna-se “passado”, é visto como fático; nós temos, como resultado, o significado, aquilo que discutimos no universo da semântica, mas esta semântica não é uma teoria empírica, pois está ligada à significância (Bedeutsamkeit). Em Heidegger, o homem é alguém que (156) tem essa estrutura tríplice (Ekstase) (futuro, passado e presente), que podemos chamar de significância, coincidente com o seu modo de ser no mundo. E esta dimensão de significância dá-se, preponderamente, na faticidade, que é a condição para o Dasein “coagular” o futuro em um passado.

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

Designed with WordPress