Henry (2002b:18-20) – fenomenologia e fenomenalidade

nossa tradução

A fenomenologia é a ciência da essência dos fenômenos e esta essência é aquilo que os torna possíveis enquanto fenômenos. A possibilidade interior de um fenômeno, seja ele qual for, não é outra senão sua fenomenalidade, ou seja, seu aparecer. Portanto, devemos distinguir rigorosamente isto que aparece, por exemplo, a mesa que está à minha frente, disto que lhe permite aparecer.

Esta questão é estudada na Estética Transcendental da Crítica da Razão Pura. Kant mostra ali que isto que permite a esta mesa me aparecer, tal qual me aparece, é o espaço enquanto representação a priori, que serve de fundamento às intuições externas. Para que um objeto espacial qualquer seja possível, devo ter a intuição do espaço. O espaço é, portanto, a condição para a possibilidade de fenômenos. Para ampliar a questão, pode-se estabelecer este princípio: a condição de possibilidade de um fenômeno não é jamais senão seu conteúdo particular, ou mais precisamente isto que lhe permite se mostrar, em outros termos sua manifestação ou sua fenomenalidade. O objeto da fenomenologia não é, portanto, o objeto no sentido em que o entendemos de maneira ordinária, mas a maneira como este se dá a nós. Esta definição fundamental é formulada nas famosas lições de 1905, dadas por Husserl em Göttingen, que renovam completamente a concepção do tempo na modernidade. Husserl mostra que o objeto adequado da fenomenologia são “os objetos no como”, melhor dizendo, no como de sua dação para nós. Se considero precisamente a temporalidade da dação, o objeto, por exemplo, esta conferência, pode se dar a mim no presente, aqui e agora, ou bem no passado, como será o caso logo-logo, ou bem ainda no futuro tal qual vocês a anteciparam. Como aponta Husserl, “a forma do como é a orientação: o atual, o logo-passado, o advindo”. Em outras palavras, a dação no passado, a dação no presente, a dação no futuro são temas de investigação que devem ser cernidos enquanto tais. O que significa, por exemplo, uma dação para o futuro, seja ele qual for, seja a minha jornada para a estação se eu tiver que pegar o trem mais cedo ou qualquer outro projeto?

Diria, portanto, que a fenomenologia não considera os objetos tanto em sua particularidade quanto no como de sua dação. É abrir um campo infinito de investigação, porque este objeto, digamos que esta sala de seminário com seus participantes, possa se dar aqui a mim em um como sempre novo: pode-o na percepção atual, mas também na imaginação. Pode-o até se dar a mim conceitualmente: o que é um seminário de sociologia? E assim por diante. Estes modos de dação são absolutamente fundamentais, eles são mais importantes do que aquilo que nos é dado através deles.

Levando adiante a análise, direi que o objeto da fenomenologia se situa além do objeto no como de sua dação, quer dizer, além da maneira pela qual se dá a mim, por exemplo, esta mesa aqui apresenta-se enquanto objeto de percepção no espaço. Mais radicalmente, o objetivo da fenomenologia consiste a não mais se ocupar dos objetos para tomar unicamente em consideração apenas seus modos de dação enquanto modos disto que se pode chamar do aparecer puro. Independentemente de tudo o que aparece, há de fato um aparecer puro que dele é a condição. O objetivo da fenomenologia é, portanto, o modo de dação, ou seja, o modo de mostração, de manifestação, de revelação – todos esses termos sendo equivalentes. Podemos dizer com mais precisão que o objeto da fenomenologia é a fenomenalidade enquanto processo, em outras palavras, a fenomenalização da fenomenalidade, quer dizer, ainda a maneira pela qual a fenomenalidade pura se fenomenaliza, vem a se mostrar efetivamente. Mas então, se o objeto da fenomenologia é o modo de fenomenalização dos entes, esta questão permanece formal. Enquanto falamos apenas sobre o modo de fenomenalização em geral, ainda não dizemos em que consiste fenomenologicamente, em aparecer efetivo, esta maneira de fenomenalizar. E é, no entanto, isto que deveria ser dito.

Agora, se nos referirmos aos princípios essenciais da fenomenologia como foram definidos por Husserl, vemos que este modo de fenomenalização da fenomenalidade, ou seja, a efetividade de um aparecer, permaneceu em uma total indeterminação, que atinge no coração os princípios e exige que esta fenomenologia seja levada mais adiante.

Original

[Excertos de HENRY, Michel. Auto-donation (AD). Entretiens et conférences. Paris: Prétentaine, 2002b, p. 18-20]

  1. Emmanuel Kant, Critique de la raison pure, Paris, PUF, 1993, p. 58 : « L’espace n’est rien autre chose que la forme de tous les phénomènes des sens extérieurs, c’est-à-dire la condition subjective de la sensibilité sous laquelle seule nous est possible une intuition extérieure ».[↩]
  2. Edmund Husserl, Leçons pour une phénoménologie de la conscience intime du temps, Paris, PUF, 1964.[↩]
  3. Ibid., p. 157.[↩]

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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