O grande pensador francês da fenomenologia volta-se agora, em sequência a seu notável estudo sobre o Cristo, EU SOU A VERDADE (art950), para uma reflexão aprofundada sobre a encarnação do Verbo, da Verdade. Elucidar a “encarnação”, a existência na carne, o “ser-carne”, tal é a proposta deste livro. A carne não é o corpo. Pois é a carne que se experienciando, se sofrendo, se submetendo e se suportando a si mesma, desfrutando de si segundo impressões sempre renascentes, é capaz de sentir o corpo que lhe é exterior, de tocá-lo assim como de ser tocada por ele. Só a carne nos permite no final das contas conhecer o corpo.
Mas a elucidação da carne vai ao encontro necessariamente da afirmação fundamental que se encontra no Prólogo do Evangelho de João: “E o Verbo se fez carne” (Jo 1,14). Tese inverossímil, sobre a qual se joga no entanto a sorte do cristianismo através dos tempos. Ela afirma ao mesmo tempo que a carne do Cristo é semelhante à nossa, que o homem “é carne”, que a unidade do Verbo e da carne é possível e se realiza no Cristo. Mas que deve ser a carne para ser revelação ? E que deve ser a revelação para se realizar como carne ?
Eis algumas das questões deste livro de Michel Henry, prolongando e aprofundando sobremaneira sua investigação fenomenológica da tradição cristã, segundo sua perspectiva ímpar de uma meditação da Vida, conforme objeto de seus estudos anteriores, em particular seu EU SOU A VERDADE (art950).
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INTRODUÇÃO: A QUESTÃO DA ENCARNAÇÃO (art960)
A REVIRAVOLTA DA FENOMENOLOGIA
-*OBJETO DA FENOMENOLOGIA: A QUESTÃO DO APARECER
-*A INDETERMINAÇÃO INICIAL DAS PRESSUPOSIÇÕES FENOMENOLÓGICAS DA FENOMENOLOGIA. OS PRINCÍPIOS DA FENOMENOLOGIA
-*O PRECONCEITO OCULTO DAS PRESSUPOSIÇÕES DA FENOMENOLOGIA. A REDUÇÃO ARRUINANTE DE TODO “APARECER” AO APARECER DO MUNDO
-*A crise da fenomenalidade em Martin Heidegger. A indigência ontológica do aparecer do mundo
-*O critério da linguagem. Avanço decisivo e limites da interpretação fenomenológica da linguagem
-*O paradoxo do “mundo” como poder de desrealização
-*A QUESTÃO TORNADA CRUCIAL DA IMPRESSÃO, COMPREENDIDA COMO FUNDADORA DA REALIDADE. O PROBLEMA DE SEU ESTATUTO FENOMENOLÓGICO. INTENCIONALIDADE E IMPRESSÃO
-*A vinda para fora de si da impressão no fluxo temporal e sua destruição
-*A origem da “impressão originária”. Inevitável remetimento de uma fenomenologia da impressão à fenomenologia da vida
-*A passividade originária da impressão e sua “paixão” na afetividade transcendental da vida. O Presente vivo
-*A questão do aparecer original e o cogito de Descartes. Três interrogações fundamentais implicadas por ele
-*Má interpretação do cogito cartesiano por Husserl. Suas consequências: o denegrimento da vida singular e sua substituição pela “essência” da vida na virada temática do método fenomenológico
-*Análise da vida temática. A aporia do método fenomenológico
-*Suprema tentativa para superar a aporia. A questão do “dado-em-imagem” da vida invisível
-*A auto-revelação originária da vida como fundamento do método fenomenológico. Resposta ao problema filosófico geral concernente à possibilidade de pensar a vida
FENOMENOLOGIA DA CARNE
-*Aparecer e conteúdo do mundo: a questão do mundo sensível
-*A crítica radical do mundo sensível. Amplitude e limites da redução galileana
-*A contra-redução cartesiana
-*A crítica husserliana da redução galileana na Krisis
-*Retorno à análise do corpo sensível mundano. O remetimento do corpo sentido ao corpo transcendental que o sente. A ambivalência do conceito de “sensível”
-*A tentativa de superar a oposição do corpo sentidor e do corpo sentido: a problemática do último Merleau-Ponty e a absolutização do Sensível
-*Desdobramento do corpo transcendental. A corporeidade originária imanente encontrando sua essência na vida
-*A geração da carne na Vida absoluta. Caracteres fenomenológicos originários da carne decorrente desta geração
-*Da concepção helênica do corpo à fenomenologia da carne. As problemáticas fundamentais de Irineu de Lião e de Tertuliano
-*A interpretação radical da carne como matéria fenomenológica da vida e como sua auto-revelação. O cogito cristão de Irineu de Lião
-*Analítica do “eu posso”. O poder-se-mover como condição do poder-tocar e de todo poder atribuído ao corpo. Candillac e Maine de Biran
-*A carne, memória imemorial do mundo
-*A carne, lugar de dação de um corpo desconhecido — dado antes da sensação e antes do mundo. Estruturação e propriedades do “corpo orgânica”
-*A possibilidade originário da ação como pulsão carnal do corpo orgânico. A realidade prática invisível do conteúdo do mundo. Constituição e estatuto do corpo próprio objetivo
-*A teoria da constituição do corpo próprio no capítulo III de Ideen II. A tripla ocultação da possibilidade transcendental do “eu posso”, da existência do corpo orgânico, da localização sobre ele de nossas impressões
-*Retorno ao quiasmo. O que quer dizer “ser-tocado”. Fenomenologia da pele como completude da teoria da constituição do corpo próprio.
-*Retorno à tese de Condillac. O autoerotismo da estátua: a carne como lugar da perdição. Passagem necessária de uma fenomenologia da carne a uma fenomenologia da Encarnação.
FENOMENOLOGIA DA ENCARNAÇÃO: A SALVAÇÃO NO SENTIDO CRISTÃO
*Recapitulação dos resultados obtidos ao termo da reviravolta da fenomenologia e da análise denomenológica da carne
-*A questão do “eu posso” em uma fenomenologia da Encarnação
-*Ilusão e realidade do “eu posso”
-*O esquecimento da vida e sua lembrança no pathos da praxis cotidiana
-*O esquecimento da vida e sua lembrança patética na angústia
-*A duplicidade do aparecer e o redobramento da angústia
-*O desejo e ao “salto no pecado”
-*As duas carnes transcendentais da relação erótica. O ego da descrição
-*A relação erótica na imanência da vida: o fracasso do desejo
-*A relação erótica no aparecer do mundo. A repetição do fracasso
-*A redução da relação erótica à sexualidade objetiva no tempo do niilismo
-*A vida é sem porque. A vida é boa
-*Os graus da passividade: do Gênesis ao Prólogo de João
-*A via da salvação segundo Irineu de Lião e segundo Agostinho de Hipona
-*A experiência de outro em uma fenomenologia da vida
-*A relação a outro segundo o cristianismo: o corpo místico do Cristo
CONCLUSÃO: ALÉM DA FENOMENOLOGIA E TEOLOGIA: A ARQUI-INTELIGIBILIDADE JOANICA