Haar (1999:67-71) – a obsessão do outro em Lévinas

destaque

Não parece que o Outro, segundo Levinas, possa ter um significado único e unívoco. Será o Outro apenas uma questão de conceptualidade? Poder-se-á dizer que ele “é”, uma vez que se situa “aquém ou além do ser”? O Outro designa simultaneamente: — uma universalidade abstrata, o Outro, concebido como “o absolutamente Outro”; — dimensões pré-reflexivas ou não representáveis da subjetividade: a passividade, o infinito; — o “Estrangeiro” que é por vezes o primeiro a chegar, um estranho, por vezes o vizinho, tal e tal como eu conheço; — e finalmente, a particularidade do Rosto onde um Outro completamente singular se apresenta na proximidade de um encontro face a face que é ao mesmo tempo “altura”, distância intransponível. O Outro indica apenas a alteridade transcendente do Todo Outro, porque o Outro não é Deus, mas o lugar da relação com Deus, “a manifestação da altura onde Deus se revela”. A altura do Outro seria o equivalente ao Sagrado heideggeriano, mas só metaforicamente se pode chamar-lhe lugar. Porque o Outro, como veremos, é um não-lugar, um fora de lugar. Poderá uma “ética” (ethos significa “habitação” ou “moral”) ser implantada fora de qualquer lugar, fora de qualquer reciprocidade positiva e fora de qualquer objetivação? Deixemos a questão em aberto. — Em todo o caso, esta polissemia do Outro torna problemática a definição dada à subjetividade: “é o Outro no Mesmo”. De que sentido do Outro estamos aqui a falar? Para Levinas, não é necessário dizer: “Eu é um outro”, mas o Outro está “em” mim, “antes” de mim. O Outro é o verdadeiro Sujeito, o Eu absoluto, ao passo que o Ego pertenceria à esfera superficial da consciência, ela própria presa à manutenção da mesmidade do “ser”. Mas que Outro é esse que determina originariamente o sujeito como Eu? Se o Eu é o absolutamente Outro, haverá necessariamente uma clivagem entre o Ego e o Eu, uma clivagem que, se absoluta, conduziria a uma cisão do sujeito. Mas se o Outro está no Mesmo, eles devem encontrar-se! Não será então o sujeito o resultado da dialética interna do Mesmo e do Outro, uma dialética que pressupõe a relação, o combate e também a mistura? Ora, Levinas mantém a dialética entre os dois grandes gêneros do Sofista, recém-definida a partir de uma inversão do seu sentido platônico, mas também a recusa, voltando a uma verdadeira cisão parmenideana: “O Mesmo e o Outro estão em relação e absolvem-se dessa relação, permanecendo absolutamente separados”.

original

  1. Autrement qu’être ou au-delà de l’essence, p. 32. Ci-dessous AE.[↩]
  2. Totalité et infini, p. 51. Ci-dessous : 77.[↩]
  3. AE, p. 14, 141.[↩]
  4. Op. cit., p. 51.[↩]
  5. TI, p. 13.[↩]
  6. AE.p. 128.[↩]
  7. Ibid., p. 36.[↩]
  8. AE, p. 4-5.[↩]
  9. AE, p. 57.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

Designed with WordPress