Haar (1990:136-138) – pensamento como escuta

Alves

Se o pensamento como tal não tem vocação política, qual é então a sua vocação específica? Este não se limitará apenas precisamente a ser uma vocação, quer dizer, um ser-chamado? A essência do pensamento não será a passividade, a submissão, a quase transparência a respeito de Aquele que chama, lhe dirige o Anspruch, o reivindica? «O pensamento realiza a relação do ser com a essência do homem». O pensamento como a realização mais alta da Verhältnis, da Relação completa, simultaneamente do ser com o homem e do homem com o ser, não se reduzirá ao abandono de toda a espontaneidade do homem?

Definindo o pensamento como escuta (o hören do zusammenghören), oferenda de si, entrega ao ser, («o pensamento deixa-se reivindicar pelo ser para dizer a verdade do ser»), Heidegger sustenta que o pensamento não somente tem um carácter activo, mas pode agir por si mesmo! «O pensamento age enquanto pensa». Como é possível? Como é que o pensamento pode simultaneamente abandonar-se à relação com o ser compreendendo-a antes que ela o compreenda, e «agir», quer dizer, ter um movimento próprio a partir de si mesmo? É o pensamento livre? Pode «agir» sem ser livre? O que é um pensamento que deixaria de ser o de um sujeito? Como pensar uma liberdade não autônoma, uma liberdade não auto-determinada? — Deixemos de momento estas questões em suspenso. Digamos apenas, provisoriamente, que a noção de «liberdade de pensamento» não tem o menor sentido para Heidegger, na acepção do livre pensador do século XVIII, ou do «espírito livre» do Nietzsche de Humano demasiado humano, quer dizer, dum pensamento que se coloca fora duma tradição para a criticar ou para a inverter. Para Heidegger, todo o pensamento é retoma, Wiederholung. Querer subtrair-se à tradição é o melhor caminho para se aprisionar nela inextricavelmente. Todo o pensamento não apenas responde a uma necessidade, mas é Not, quer dizer, ao mesmo tempo, urgência, violência e angústia. O caráter «necessário» de uma filosofia vem da sua correspondência à necessidade das próprias coisas. Qualquer pensamento que não exprima a posição dum indivíduo, mas traduza uma configuração epocal do ser, inscreve-se numa necessidade historial, onde passado, presente e futuro se abraçam dum modo irresistível e estritamente determinado. Um pensador existencial não escolhe o seu pensamento, obedece à situação a que está exposto.

English (McNeill)

Original

  1. Wm, p. 311; tr., BW, p. 193.[↩]
  2. Ibid., tr., BW, p. 194.[↩]
  3. Ibid., tr., BW, p. 193.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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