Haar (1987/1993:182-183) – ética em Heidegger

tradução

Frequentemente acusou-se Heidegger de ter esquecido a dimensão “ética”. No entanto se o primeiro motivo do distanciamento à respeito da fenomenologia foi a necessidade da desconstrução a fim de deixar ver a historicidade da verdade, o segundo motivo terá sido, constatando a futilidade do ideal de ciência rigorosa, de buscar as condições de uma possível ars vivendi. Face a uma ameaça tão radical quanto aquela da tecnicização do mundo e da instrumentalização do pensamento, a pura vontade de saber não é somente estéril, mas desprezível. Ora este segundo motivo, que não se desdobra verdadeiramente senão nos últimos textos como Gelassenheit (“serenidade”) é quase tão antigo no itinerário heideggeriano quanto o primeiro. Desde 1929, ao final de Kant e o problema da metafísica (p. 301) a relação à técnica era apresentada como a exigência de suma escolha, como uma alternativa ética mais que ontológica: “O problema do ser conseguirá através de todas estas questões encontrar sua força e seu alcance elementares? Ou somos neste ponto vítimas da loucura da técnica, do afazer e da celeridade expeditiva que não possamos mais ter amizade pelo que é essencial, simples e durável? ” (sublinhamos). Na época da técnica a neutralidade fenomenológica não é mais admissível. A posição de “espectador desinteressado” se torna insustentável quando se trata, não mais do sentido do ser, mas da possibilidade de aniquilamento da essência humana.

Também o questionamento do último Heidegger se faz mais e mais ético: como viver com a técnica? É preciso recusar toda atitude de fuga (182) que consistiria em condenar esta como uma “obra do diabo” (QIII, p. 176). Não se trata também de ir se refugiar em algum retiro, ou de conduzir uma existência esquizofrênica no interior do mundo técnico, como não houvesse nem rádio, nem televisão, nem automóveis. É preciso usar aparelhos e máquinas, mas sempre conservando nossas distâncias a seu respeito, sempre não esquecendo de olhá-los, sempre permanecendo abertos a seu “segredo”, quer dizer à essência oculta da técnica. Dando uma espécie de “palavra” de sua sabedoria: Gelassenheit zu den Dingen — deixar ser, em sentido forte, os objetos técnicos, a fim que sejam recolhidos em sua própria essência, não a nossa — Heidegger não demonstra que a ontologia é indissociável de uma ética, evidentemente situada fora de toda moral normativa?

Ethos significa estada. “Esta palavra designa a região aberta onde o homem habita” (QIII, p. 58). A ética heideggeriana não consiste no entanto em preservar unilateralmente o ser desta “estada” que a técnica tende a destruir: o habitar, a coisa, a terra, o enraizamento, a poesia, o sagrado ele mesmo … e a amizade. Não somente ela não ensina a recusar o mundo tal qual é: ela desejaria que o homem possa, com uma “força igual”, aí viver uma vida e um pensamento duplos: “… vagamos hoje em dia em uma morada do mundo onde o Amigo está ausente” podemos ler no texto sobre o poeta germânico Hebel (QIII, p. 64), “quele que seus pendores inclinam com uma for’;ca igual para o universo tecnicamente gerido e para o mundo pensado como a morada de uma habitação mais original”. Mas este Amigo “faz falta”.

Original

Excertos de ,

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

Designed with WordPress