Heidegger abusa de sua noção de “estrutura-como” (Als-Struktur) de uma forma frequentemente repetida por seus admiradores. Por um lado, supõe-se que o “como” seja uma estrutura global encontrada em todos os lugares e em todos os momentos: toda experiência é uma experiência de algo “como” algo, não importa o quão marginal ou nebuloso seja. Mas, ao mesmo tempo, ele também tende a usar o “como” como um tipo de medida que destaca casos privilegiados da realidade. Isso acontece, por exemplo, quando o comportamento teórico é elogiado como uma versão especialmente clara da estrutura “como”.
Por um lado, o “como” é tão universal que até mesmo uma pessoa sem brilho e vazia olhando para uma montanha reconhece levemente essa montanha como uma montanha, e não como algum outro tipo de ponto de referência. Até mesmo um animal teria de encontrá-la, ainda que vagamente, como uma montanha familiar e não como um fogo perigoso.
Mas, por outro lado, Heidegger também quer invocar uma versão exemplar e turbinada do “como”, de modo que algumas formas da estrutura do “como” nos dariam o “como” por excelência. Isso pode ser visto nas distinções apressadas que ele faz entre humanos e animais, aos quais é negado acesso total à estrutura do “como”, apesar do fato de que eles precisam viver em meio a alguma versão do “como” se quiserem ser mais do que meros autômatos. Pior ainda, essas supostas gradações continuam mesmo dentro do reino humano. Dizem-nos que o simples fato de olhar não revela o mundo “como” mundo em um grau tão significativo quanto outras experiências. Supostamente, o geólogo deveria ser capaz de ver a montanha “como” montanha mais do que um vagabundo bêbado; por sua vez, um ontólogo seria capaz de liberar a coisa em seu ser ainda melhor do que o geólogo, que está preso no nível da ciência positiva.
Esse apelo ilícito ao “como” ampliado é recorrente em todas as obras de Heidegger e de seus intérpretes, sobretudo nas reflexões sobre a obra de arte, que é continuamente considerada como exibindo a terra de uma forma que os utensílios simples não exibem. Mas essa afirmação é baseada em suposições que não resistem a um exame minucioso. Em suma, o uso duplicado de Heidegger da estrutura-como é o epítome da metafísica no sentido ruim. E embora eu não lute de forma alguma sob a bandeira de Derrida, essa duplicidade não pode sobreviver às primeiras cinco páginas de Discurso e Fenômenos. A estrutura-como é um conceito poderoso, mas é inadequado para a tarefa de estabelecer gradações e diferenças entre entidades.
(HARMAN, Graham. Tool-Being. Heidegger and the Metaphysics of Objects. Chicago: Open Court, 2002)