Gelven (1989:100-101) – estrutura circular da interpretação

Heidegger reflete sobre uma possível objeção que pode ser feita contra seu relato sobre sentido/significado. Ele pergunta: Se o sentido é estruturado sobre o que já está presente na relação do Dasein com o mundo, então não temos um círculo vicioso? Não estamos interpretando o que já é conhecido, então por que interpretar? Uma reclamação semelhante foi feita a Sócrates no diálogo Meno, de Platão:

MENO: E como você vai investigar, Sócrates, aquilo que não conhece? O que você apresentará como objeto de investigação? E mesmo que você descubra o que deseja, como saberá que isso é o que você não sabia?

SÓCRATES: …você argumenta que um homem não pode inquirir nem sobre o que ele sabe, nem sobre o que ele não sabe: pois se ele sabe, ele não tem necessidade de inquirir, e se não, ele não pode, (101) pois ele não conhece o próprio assunto sobre o qual ele deve inquirir. (Meno, 80b)

Como Platão, Heidegger não acha que o problema do raciocínio circular seja um protesto ocioso. Ele leva a sério a estrutura circular da interpretação. Ele não acha que seja um círculo vicioso, com certeza; mas é um círculo no qual ele insiste. Há uma solução bastante fácil, é claro: Embora eu esteja ciente do que indago ou interpreto, a indagação ou interpretação torna mais claro ou mais explícito o que eu estava apenas vagamente ciente antes da indagação. A única dificuldade com essa “solução” é que ela apenas localiza o problema. A questão então se torna: Como ocorre essa “explicitação”? Esse, é claro, é o problema sobre o qual a análise da interpretação de Heidegger pretende lançar uma luz considerável.

Em nada menos que três seções separadas, Heidegger comenta sobre a natureza circular de sua interpretação 1. A circularidade da interpretação é de grande importância quando Heidegger aplica essa estrutura ao problema específico do que significa ser (d. p. 173). A aplicação da estrutura da interpretação à questão específica de Ser e Tempo é, evidentemente, uma das principais razões pelas quais Heidegger enfatiza tanto o fato de fundamentar sua análise firmemente em seu relato do Dasein. Em vários pontos de sua discussão sobre a interpretação em geral, ele dá dicas de sua aplicação à questão do Ser. Isso não deve passar despercebido pelo leitor. A estrutura de Ser e Tempo, entretanto, exige que a análise existencial seja concluída antes que os fundamentos ontológicos sejam considerados.

[GELVEN, Michael. A commentary on Heidegger’s Being and Time. Rev. ed ed. DeKalb, Ill.: Northern Illinois University Press, 1989]

  1. Cf. Being and Time, pp. 152, 314, 432[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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