O problema hermenêutico adquiriu uma nova ênfase na esfera da lógica das ciências sociais. Certamente, dever-se-á reconhecer que a dimensão hermenêutica encontra-se à base de toda experiência de mundo, desempenhando por isso uma função também no trabalho das ciências naturais, como ficou demonstrado sobretudo por Thomas Kuhn. E isso vale ainda com mais decisão para as ciências sociais, pois, à medida que a sociedade possui sempre uma existência compreendida no âmbito da linguagem, o próprio campo de objetos das ciências sociais (e não apenas sua formação teórica) é presidido pela dimensão hermenêutica. Em certo sentido, a crítica hermenêutica ao objetivismo ingênuo das ciências do espírito tem sua contrapartida na crítica da ideologia, inspirada em Marx (Habermas; cf. também a forte polêmica de Hans Albert contra essa corrente). Também a cura pelo diálogo representa um fenómeno hermenêutico eminente, cujas bases teóricas foram rediscutidas por J. Lacan e P. Ricoeur. O alcance da analogia entre doenças mentais e doenças sociais parece-me profundamente questionável. A situação do cientista social frente à sociedade não é a mesma que a do psicanalista frente a seu paciente. Uma crítica da ideologia que pensa estar isenta de toda preocupação ideológica não é menos dogmática que uma ciência social “positivista” que se compreende como técnica social. Frente a essas tentativas de mediação, parece-me compreensível a oposição defendida por Derrida entre a teoria da desconstrução e a hermenêutica. A experiência hermenêutica, no entanto, defende seu próprio direito contra uma tal teoria da desconstrução do “sentido”. Apesar de Nietzsche, buscar “sentido” na écriture nada tem a ver com metafísica. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 8.
O modelo fundamental de todo consenso é o diálogo, a conversa. Sabe-se que uma conversa não é possível, se uma das partes crê absolutamente estar numa posição superior em relação à outra, algo como se afirmasse possuir um conhecimento prévio dos preconceitos a que o outro se atém. Com isso, ele ver-se-ia trancado em seus próprios preconceitos. Em princípio, um consenso dialogai torna-se impossível quando um dos interlocutores do diálogo não se libera realmente para a conversa. Um caso semelhante seria, por exemplo, se alguém num ambiente social quisesse desempenhar o papel de psicólogo ou psicanalista e na pretensão de compreender psicanaliticamente os enunciados do outro não leva a sério o seu sentido. Neste caso, o companheirismo, base da vida social, estaria destruído. Essa problemática foi discutida sistematicamente sobretudo por Paul Ricoeur, ao falar do “conflito de interpretações”. Nessa discussão, situa Marx, Nietzsche e Freud de um lado e a intencionalidade fenomenológica da compreensão de “símbolos” de outro, buscando uma mediação dialética. De um lado, a derivação genética, como arqueologia, e de outro, a orientação para um sentido intencional, como teleología. Segundo ele, esse passo é apenas uma distinção preparatória, que limpa o terreno para uma hermenêutica geral, à qual caberia esclarecer a função constitutiva da compreensão de símbolos e da autocompreensão por meio de símbolos. Uma tal teoria geral hermenêutica parece-me inconsistente. Os modos de compreensão de símbolos, (117) dispostos aqui em paralelo, visavam sentidos de símbolo distintos, e por isso não constituem um “sentido” cada vez diverso da mesma realidade. Na verdade, um modo de compreender exclui o outro, porque se refere a algo diverso. Um compreende o que o símbolo quer dizer, o outro o que ele quer esconder ou mascarar. Trata-se de um sentido de “compreender” totalmente distinto. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 8.
A relação entre texto e interpretação que constitui o tema do presente estudo aparece, pois, aqui numa forma especial que Ricoeur chama hermenêutica da suspeita, hermeneutics of suspicion. E um erro privilegiar esses casos de compreensibilidade distorcida como caso normal na compreensão de textos. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 24.
Mas a interpretação não se limita aos textos e à compreensão histórica que neles se deve alcançar. Todas as estruturas de sentido concebidas como textos, desde a natureza (interpretatio naturae, (435) Bacon), passando pela arte (cuja carência de conceitos (Kant) converte-se em exemplo preferencial de interpretação (Dilthey)), até as motivações conscientes ou inconscientes da ação humana, são suscetíveis de interpretação. Essa pretende mostrar não o que é óbvio mas as verdadeiras e latentes concreções de sentido da ação humana, mesmo que o faça revelando o ser real de cada um como o ser de sua própria história (P. Ricoeur), mostrando assim que os condicionamentos sociais e históricos determinam imperceptivelmente nosso pensamento. A psicanálise e a crítica da ideologia, como inimigos a se enfrentar ou aliados em uma síntese cética ou utópica (Adorno, Marcuse), devem submeter-se ainda a uma reflexão hermenêutica. Isso porque o que eles assim descobrem e compreendem não é independente da situação do intérprete. Nenhum campo interpretativo se dá aleatoriamente e muito menos “objetivamente”. A reflexão hermenêutica mostra ao objetivismo do historicismo e da teoria positivista das ciências que eles agem a partir de pressupostos ocultos determinantes. Sobretudo a sociologia do saber e a crítica marxista da ideologia demonstraram aqui sua fecundidade hermenêutica. O valor cognitivo dessas interpretações só pode ser garantido mediante uma consciência crítica e uma reflexão da história dos efeitos. O fato de não possuírem a objetividade da science não desmerece seu valor cognitivo. Mas é só uma reflexão hermenêutica crítica, atuante nelas consciente ou inconscientemente, que faz aflorar sua verdade. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 28.
Desde então, continuei trabalhando nessa direção. E certamente não sou o único. A distinção que faz Wellek-Warren entre “denotativo e conotativo” exige uma análise mais precisa nessa direção. Na análise dos diversos modos de linguagem, busquei determinar sobretudo o significado que possui o escrito para a idealidade do elemento de linguagem. Recentemente Paul Ricoeur, em reflexões semelhantes, chegou aos mesmos resultados, a saber, o escrito confirma a identidade do sentido e testemunha a dissociação do lado psicológico do falar. Paralelamente isso esclarece de modo objetivo por que a hermenêutica que segue Schleiermacher, sobretudo Dilthey, apesar de toda sua preocupação psicológica, não assumiu a fundamentação romântica da hermenêutica no diálogo vital, mas retornou às “manifestações vitais fixadas por escrito” da antiga hermenêutica. Corresponde a isso o fato de Dilthey ver o triunfo da hermenêutica na interpretação literária. Frente a isso, designei a “conversação” como a estrutura do acordo na linguagem, caracterizando-a como dialética de pergunta e resposta. Isso confirma-se plenamente também no nosso “ser para o texto”. As perguntas que um texto nos impõe para sua interpretação só podem ser compreendidas se o texto for compreendido, por seu turno, como resposta a uma pergunta. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 29.