Gadamer (VM): pensamento metafísico

Na realidade, o conteúdo especulativo do conceito de vida, em ambos os autores, fica sem ser desenvolvido. Dilthey objetiva somente opor polemicamente o ponto de vista ao pensamento metafísico, e Husserl não possui a mínima noção da conexão desse conceito com a tradição metafísica, em particular com o idealismo especulativo. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.

Dessa forma, também a herança cristã da metafísica grega, a escolástica medieval, concebe a palavra a partir da species, como sua perfeição, sem compreender o mistério de sua encarnação. A experiência de mundo que se dá na linguagem e que orientou originariamente o pensamento metafísico acaba tornando-se algo secundário e contingente. Através de convenções próprias da linguagem, ela esquematiza o olhar pensante que se dirige às coisas, fechando-lhe o acesso à experiência originária do ser. Na verdade, porém, é ao caráter de linguagem da experiência de mundo que se esconde por trás da aparência de prioridade das coisas frente à sua manifestação na linguagem. É sobretudo a suposta possibilidade de objetivação universal de tudo e de todos que se apoia na idéia da universalidade da linguagem, e que através dessa suposição se coloca na penumbra. À medida que a linguagem — pelo menos na família das línguas indo-germânicas — dispõe da possibilidade de estender a função nominativa geral a qualquer parte da oração e transformar tudo em sujeito para outras sentenças possíveis, ela erige a aparência universal de coisificação, que acaba degradando a própria linguagem a um mero meio de entendimento. Por mais que procure descobrir os desvios verbais pela elaboração de sistemas de signos artificiais, nem mesmo a moderna analítica da linguagem é capaz de questionar o pressuposto fundamental desta objetivação. Ensina, ao contrário, e apenas pela sua (74) autolimitação, que enquanto todos esses sistemas pressuporem a linguagem natural, nenhuma liberação real pode se realizar, a partir do âmbito da linguagem, mediante a introdução de sistemas de signos artificiais. Assim como a clássica filosofia da linguagem constatou que a questão da origem da linguagem é uma questão insustentável, também a reflexão sobre a idéia de uma linguagem artificial levou à auto-suspensão dessa idéia e com isso à legitimação das linguagens naturais. Mas, via de regra, o que isso implica permanece impensado. Sabe-se, por certo, que as línguas têm sua realidade, em geral, lá onde são faladas, isto é, onde as pessoas logram entender-se entre si. Mas que tipo de ser é este que convém à linguagem? Aquele de um meio de entendimento? Parece-me que, ao desvincular o conceito da syntheke do seu sentido ingênuo de “convenção”, Aristóteles já havia chamado a atenção para o verdadeiro caráter ontológico da linguagem. VERDADE E METODO II PRELIMINARES 6.

Mas no idealismo alemão não foi tanto a reformulação de palavras e o forçar significados literais o que contribuiu para dissolver a figura tradicional dos conceitos metafísicos. Isso se deu principalmente pela tentativa de levar os princípios a sua contraposição e contradição. Desde a Antigüidade a dialética consiste em levar os antagonismos imanentes a seu extremo contraditório. E quando a defesa de dois enunciados contrapostos não tem um sentido meramente negativo, mas aponta à unificação do contraditório, alcança-se então em certa medida a possibilidade extrema que capacita o pensamento metafísico, isto é, o pensamento que se orienta por conceitos originariamente gregos, para o conhecimento do absoluto. A vida, porém, é liberdade e espírito. A conseqüência íntima dessa dialética, em que Hegel viu o ideal da demonstração filosófica, permite-lhe superar a subjetividade do sujeito e conceber o espírito também como espírito objetivo, como foi indicado acima. Mas em seu resultado ontológico esse movimento acaba de novo na presença absoluta do espírito ante si mesmo, como atesta a conclusão da Enciclopédia hegeliana. É por isso que Heidegger manteve um debate permanente e tenso com a sedução da dialética que, em lugar da destruição dos conceitos gregos, acabou transformando-os em conceitos dialéticos aplicados ao espírito e à liberdade, domesticando de certo modo o próprio pensamento. VERDADE E METODO II OUTROS 25.