A história é, realmente, uma fonte de verdade diferente do (29) que a razão teorética. Já Cícero tinha isso em vista, quando a denomina de vita memoriae. Seu direito próprio repousa no fato de que as paixões humanas não podem ser regidas através de prescrições genéricas da razão. Mais do que isso, para tanto são necessários exemplos convincentes, que somente a história pode fornecer. É por isso que Bacon denomina a história, que apresenta tais exemplos, como um outro caminho do filosofar (alia ratio philosophandi). VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Diz-se dessas afecções de que trata Aristóteles, que é através delas que o espetáculo teatral proporciona a purificação de paixões desse gênero. Como se sabe, essa tradução é discutível e, sobretudo, o sentido do genitivo. Mas a questão a que se refere Aristóteles parece-me inteiramente independente disto, e seu conhecimento tem de, no final, tornar-se compreensível, (136) porque duas concepções gramaticalmente tão diferentes podem contrapor-se tão tenazmente uma à outra. Parece-me claro que Aristóteles se refere à melancolia trágica que se assenhora do espectador à vista de uma tragédia. A melancolia, porém, é uma espécie de alívio e de solução, em que a dor e o prazer estão misturados de uma forma singular. Como é que, então, Aristóteles pode denominar esse estado de purificação? Qual é a impureza que adere às afecções, ou que são elas próprias, e como é que isso é expulso pela comoção? Parece-me que a resposta encontra-se no seguinte: o ser-assolado pela desolação e pelo calafrio representa uma bifurcação dolorosa. Há nisso uma desunião com o que acontece, um não-querer-ter-por-verdadeiro, que se rebela contra o horrendo acontecimento. No entanto, é justamente este o efeito da catástrofe trágica, isto é, que se dissolve a bifurcação com o que é. Deste modo, produz uma libertação universal do peito confrangido. Não somente nos livramos do desterro em que o que é desolador e espantoso desse destino único nos mantém presos, mas também, conciliados com isso, estamos livres de tudo que nos divide daquilo que é. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Por outro lado, tampouco se irá servir à consecução dos fins éticos com meras considerações sobre a idoneidade dos meios, já que a ponderação dos meios é, ela mesma, uma ponderação ética, e só através dela se concretiza, por sua vez, a correção ética do fim adequado. O saber-se, de que fala Aristóteles, se determina precisamente pelo fato de conter a aplicação completa e porque aciona seu saber na imediatez da situação dada. O único que pode completar o saber moral é, pois, um saber do que é em cada caso (Jeweiligen) um saber que não é visão sensível. Pois ainda que tenhamos de ver em cada situação o que esta nos está pedindo, esse ver não significa que percebamos o que nessa situação é o visível como tal, mas que aprendemos a vê-la como situação da atuação e, portanto, à luz do que é correto. E tal como na análise geométrica de superfícies “vemos” que o triângulo é a figura plana mais simples e que nele já não se podem fazer mais divisões, pois obriga a nos determos nele como num último passo, na reflexão ética o “ver” o imediatamente exeqüível também não é um mero ver, mas “nous”. Isso se confirma também a partir do que forma o contrário desse ver. O contrário da visão do correto não é o erro nem o engano, mas a cegueira. Quem está dominado por suas paixões se depara de repente com o fato de que não é capaz de ver numa situação dada o que seria correto. Perdeu o controle de si mesmo e, por conseqüência, a retidão, ou seja, perdeu o estar corretamente orientado em si mesmo, de modo que, desgovernado em seu interior pela dialética da paixão, parece-lhe correto o que a paixão lhe sugere. O saber (328) ético é verdadeiramente um saber peculiar. Abrange de uma maneira particular os meios e os fins e com isso diferencia-se do saber técnico. Por isso não tem demasiado sentido distinguir aqui entre saber e experiência, o que, de outra parte, convém perfeitamente à techne. O saber ético contém por si mesmo uma certa classe de experiência, inclusive veremos que esta é talvez a forma fundamental da experiência, ante a qual toda outra experiência é desnaturalizada, para não dizer naturalizada. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
E o que dizer do sentido e da interpretação de acontecimentos históricos? A consciência dos contemporâneos é de tal natureza (105) que aqueles que “vivenciam” a história não sabem como esta lhes acontece. Dilthey, pelo contrário, mantém-se até o fim fiel às conseqüências sistemáticas de seu conceito de vivência, como reza o modelo de biografia e autobiografia para a teoria formulada por Dilthey, acerca do contexto da história dos efeitos. Também a acirrada crítica feita por R.G. Collingwood à consciência metodológica positivista permanece presa à estreiteza subjetivista do problema, à medida que, lançando mão do instrumental dialético do hegelianismo de Croce com sua teoria do reenactment, fundamenta como caso modelar para a compreensão histórica a execução posterior de planos elaborados. Nesse ponto, Hegel foi mais conseqüente. Sua pretensão de se conhecer a razão na história fundamentava-se num conceito do “espírito”, cujo traço essencial é dar-se “no tempo” e a determinação do conteúdo dar-se apenas por sua história. Decerto, também para Hegel, havia os “indivíduos que participam da história do mundo”, por ele caracterizados como “encarregados do negócio do espírito universal”, e cujas decisões e paixões coincidiam com o que “se dava no tempo”. Esses casos excepcionais, porém, não definem para ele o sentido da compreensão histórica, sendo definidos como exceções a partir da concepção do filósofo acerca do que é o historicamente necessário. A saída que pretende atribuir ao historiador uma congenialidade com seu objeto, já tentada por Schleiermacher, certamente não traz resultado algum. Isso transformaria a história universal num espetáculo estético. Seria, por um lado, exigir demais do historiador e, por outro, subestimar sua tarefa de confrontar o próprio horizonte com o do passado. VERDADE E METODO II PRELIMINARES 8.
Uma das teses do Platão mais autêntico (tese que Aristóteles comentou e buscou fundamentar) também é que a essência da retórica não se esgota nessas artes que se podem formular como regras técnicas. Aquilo que fazem os mestres de retórica, criticados por Platão no Fedro, é algo que está “aquém” da verdadeira arte. Pois a autêntica arte da retórica é inseparável do conhecimento da verdade e do conhecimento da “alma”. Platão refere-se ao estado anímico do ouvinte, cujos afetos e paixões o discurso deve despertar para poder persuadir. Esse é o ensinamento do Fedro, e toda a retórica segue assim o princípio do argumentum ad hominem no trato cotidiano com as pessoas até os nossos dias. VERDADE E METODO II OUTROS 20.