Gadamer (VM): opinião subjetiva

A esta arte de reforçar é que os diálogos platônicos devem sua surpreendente atualidade. Pois nela, o que foi dito transforma-se sempre nas possibilidades extremas de seu direito e de sua verdade, e sobrepuja toda contra-argumentação que pretenda pôr limites à vigência de seu sentido. Evidentemente, que aí não se trata de um mero deixar as coisas como estão. Pois aquele que quer conhecer não pode deixar o assunto na versão de simples opiniões, isto é, não lhe é permitido distanciar-se das opiniões que estão em questão. Aquele que fala é sempre, ele mesmo, aquele que se põe a falar até que apareça por fim a verdade daquilo de que se fala. A produtividade maiêutica do diálogo socrático, sua arte de parturiente da palavra orienta-se, obviamente, às pessoas humanas que constituem os companheiros do diálogo, porém limita-se a manter-se nas opiniões que estes exteriorizam e cuja conseqüência imanente e objetiva desenvolve-se no diálogo. O que vem à tona, na sua verdade, é o logos, que não é nem meu nem teu, e que por isso sobrepuja tão amplamente a opinião subjetiva dos companheiros de diálogo, que inclusive aquele que o conduz permanece sempre como aquele que não sabe. A dialética, como arte de conduzir uma conversação, é ao mesmo tempo a arte de olhar juntos na unidade de uma perspectiva (auvopav eia ev a Soa) isto é, a arte da formação de conceitos como elaboração da intenção comum. O que caracteriza a conversação, face à forma endurecida das proposições que urgem sua fixação escrita, é precisamente que, aqui, em perguntas e respostas, no dar e tomar, no passar ao largo de outro na conversa e no pôr-se de acordo, a língua realiza aquela comunicação de sentido cuja elaboração artística face à tradição literária, é a tarefa da hermenêutica. Por isso, quando a tarefa hermenêutica é concebida como um entrar em diálogo com o texto, isso é algo mais que uma metáfora, é uma verdadeira recordação do originário. O fato de que a interpretação que produz isso se realiza linguisticamente, não quer dizer que se veja deslocada a um médium estranho, mas, ao contrário, que se restabelece uma comunicação de sentido originário. O que foi transmitido em forma literária é assim recuperado, a partir do alheamento em que se encontrava, ao presente vivo do diálogo cuja realização originária é sempre perguntar e responder. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.

Mas essa palavra tampouco é o nome, e dizer não é nomear. Isso porque no nome e no nomear, como mostra por exemplo o relato do Gênesis, encontra-se a falsa implicação da imposição de nomes. Nossa fundamental relação de linguagem não consiste em dispormos do arbítrio e da liberdade de impor nomes: Uma primeira palavra não existe. Falar de uma primeira palavra é uma contradição. O sentido de toda palavra já pressupõe sempre um sistema de palavras. Também não posso dizer, por exemplo: “introduzo uma palavra”. É claro que há pessoas que afirmam isso, mas sobrestimam-se em demasia. Não são eles que introduzem a palavra. Na melhor das hipóteses, propõem uma expressão ou cunham um termo técnico por eles definido. Mas que esse termo venha a tornar-se uma palavra, isso não depende deles. Uma palavra introduz-se a si mesma. Ela só se torna uma palavra quando entra em comunicação. Isso não ocorre porque alguém a propõe e introduz num ato, mas quando e porque a palavra “se introduziu”. A própria expressão “uso de linguagem” sugere que existem coisas que ultrapassam a essência de nossa experiência de mundo que se dá na linguagem. Isso dá a impressão de que dispomos de palavras guardadas no bolso da calça, das quais lançamos mão quando precisamos, como se o uso de linguagem estivesse submetido ao arbítrio de quem utiliza a linguagem. A linguagem não depende de quem a usa. Na verdade, uso de linguagem significa também que a língua resiste a ser usada de maneira equivocada. É a própria língua que prescreve o que significa o uso de linguagem. Não se trata de uma mitologização da linguagem, mas de uma exigência da linguagem, que jamais poderá ser reduzida a uma opinião subjetiva individual. Somos nós, ninguém em particular e todos em geral, que falamos a cada vez, e esse é o modo de ser da “linguagem”. VERDADE E MÉTODO II COMPLEMENTOS 14.

Enquanto jurista, Betti está longe de supervalorizar a opinião subjetiva, por exemplo, as casualidades históricas que levaram à formulação de um conteúdo jurídico, equiparando assim a opinião subjetiva ao sentido jurídico. Mas, por outro lado, mantém-se tão fiel à “interpretação psicológica” formulada por Schleiermacher que sua própria posição hermenêutica está constantemente ameaçada de afundar e desaparecer. Por mais que se esforce para superar o reducionismo psicológico e conceber sua tarefa como a reconstrução do nexo espiritual de valores e conteúdos de sentido, só consegue fundamentar a proposição dessa autêntica tarefa hermenêutica através de uma espécie de analogia com a interpretação psicológica. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 27.