Gadamer (VM): nominalismo

A resposta a essa pergunta não é, de modo algum, evidente. Existe um grande movimento na filosofia atual, que não deve ser menosprezado em seu significado, para o qual há uma resposta segura a esta questão. Ele crê que todo o segredo e tarefa da filosofia consiste em formular o enunciado tão exato ao ponto de ele expressar inequivocamente o que se tem em mente. A filosofia deveria formular um sistema de signos que não dependesse da polissemia metafórica da linguagem natural, nem das diversas linguagens próprias das culturas dos povos modernos, e suas equivocidades e equívocos, mas que alcance univocidade e exatidão da matemática. A lógica matemática é considerada como o caminho de solução de todos os problemas que até o presente a ciência havia deixado ao encargo da filosofia. Essa corrente que parte da pátria do nominalismo e se estende por todo mundo representa uma vivificação das ideias do século XVIII. Enquanto filosofia, porém, ela sofre com uma dificuldade lógica imanente. Aos poucos ela vai se dando conta disto. É possível demonstrar que a introdução de um sistema de signos convencional jamais pode locupletar-se através do próprio sistema contido nessas convenções, e que portanto toda introdução de uma linguagem artificial pressupõe já uma outra linguagem usada no nosso falar. Aqui entra em discussão o problema lógico da metalinguagem. Atrás disso, porém, há ainda outra coisa. A linguagem que nós falamos e na qual vivemos tem um posicionamento privilegiado. E o pressuposto dos conteúdos para qualquer análise lógica posterior. E ela o é não como uma mera soma de enunciados, pois o enunciado que quer expressar a verdade deve satisfazer a condições bem diferentes do que aquelas da análise lógica. Sua pretensão à desocultação não consiste apenas em deixar e fazer estar ali aquilo que está ali. Não é suficiente que aquilo que está ali também seja proposto no enunciado. O problema é saber se tudo está ali de tal modo que pode ser exposto no discurso, e se pelo fato de se expor o que pode ser proposto não se estará afastando o reconhecimento daquilo que não obstante é e se experimenta. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 4.

Não me parece um acaso que o fenômeno da linguagem nas últimas décadas tenha ocupado o centro do questionamento filosófico. Talvez possamos dizer que, sob este signo, começa-se a transpor o maior abismo filosófico hoje existente entre os povos, qual seja, a oposição entre o extremo do nominalismo anglo-saxão, por um lado, e a tradição metafísica do continente, por outro. Em todo caso, a análise da linguagem, que começa refletindo sobre a problemática das lógicas das linguagens artísticas na Inglaterra e na América, aproxima-se surpreendentemente da reflexão e investigação da escola fánomenológica de E. Husserl. Assim como o reconhecimento da finitude e historicidade da pre-sença humana, desenvolvidas por M. Heidegger, transformou essencialmente a tarefa da metafísica, da mesma forma, o reconhecimento da significação autônoma da linguagem falada acabou por dissolver o afeto (72) antimetafísico do positivismo lógico (Wittgenstein). Da informação ao mito e à saga, que é igualmente uma “mostração” (Zeige) (Martin Heidegger), a linguagem perfaz o tema comum de todos. Quando se quer pensá-la verdadeiramente, parece-me que devemos nos perguntar se no fundo a linguagem não precisa significar “linguagem das coisas”. Se não é na linguagem das coisas que se revela a correspondência originária entre alma e ser, de tal modo que até uma consciência finita pode tomar conhecimento dela. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 6.

A consequência dessa ideia fundamental é que tudo que se experimenta no fluir da história com o passar ou com o devir depende de postulados pelos quais articula-se e diferencia-se essa, por assim dizer, liga de acontecimentos que transcorre. O que relativiza todas as fronteiras dentro do acontecer, todas as caracterizações significativas do acontecer como ocaso ou como surgimento, como devir ou como passar é, na verdade, uma postura de extremo nominalismo. Os seccionamentos da história são seccionamentos de nossa consciência que atingem nossas decisões de sentido. Sendo no fundo arbitrárias, elas não possuem nenhuma realidade verdadeiramente histórica. Devemos deixar de lado a crítica dessa ideia da história, que se fundamenta em pressupostos da ontologia grega, e ter presente um fenômeno fundamental que denuncia o falso princípio nominalista desse modo de consideração. VERDADE E MÉTODO II COMPLEMENTOS 10.