Gadamer (VM): nexo vital

Dilthey parte da vida: a própria vida está apontada à reflexão. É a Georg Misch a quem devemos uma enérgica elaboração da tendência da filosofia da vida no filosofar de Dilthey. Seu fundamento repousa no fato de que a vida mesma contém saber. Já a interiorização (Innesein), que caracteriza a vivência, contém uma espécie de retorno da vida sobre si mesma. “O saber está aí, unido à vivência sem dar-se conta” (VII, 18). Essa mesma reflexividade imanente da vida determina também o modo como, segundo Dilthey, o significado surge no nexo vital. Somente se experimenta o significado, quando se sai à “caça das metas”. O que torna possível essa reflexão é um distanciamento, uma lonjura do nexo do nosso próprio fazer. Dilthey destaca, e, sem dúvida, com razão, que antes de toda objetivação científica o que se forma é uma visão natural da vida sobre si mesma. Esta se objetiva na sabedoria dos provérbios e sagas, mas sobretudo nas grandes obras da arte, nas quais “algo espiritual se desprende de seu criador”. Por isso a arte é um órgão especial da compreensão da vida, porque em seus “confins entre o saber e a ação” a vida se abre com uma profundidade que não é acessível nem à observação, nem à reflexão, (240) nem à teoria. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.

Nesse sentido, existe uma certa tensão natural entre o historiador e o filólogo que quer compreender um texto por sua beleza e verdade. O historiador interpreta direcionado a algo que não vem expresso no próprio texto e que absolutamente não precisa se encontrar na presumida orientação de sentido do texto. A consciência histórica e a consciência filológica entram aqui, no fundo, em conflito. Claro que essa tensão está quase anulada, desde que a consciência histórica modificou também a postura do filólogo. A partir daí, também este acabou por renunciar à ideia de que seus textos tenham para ele alguma validez normativa. Já não os considera como modelos do dizer e na exemplaridade do que dizem, mas ele também os contempla na perspectiva de algo a que eles mesmos não têm em mente, ou seja, ele os considera como historiador. E a filologia se converteu assim em uma disciplina auxiliar da historiografia. Isso se mostra na filologia clássica, no momento em que ela mesma começa a se chamar de ciência da antiguidade, em Wilamowitz, por exemplo. É uma seção da investigação histórica que tem por objeto sobretudo a língua e a literatura. O filólogo é historiador, na medida em que ganha para suas fontes literárias, uma dimensão histórica própria. Para ele, compreender quer dizer integrar um determinado texto no contexto da história da língua, da forma literária, do estilo etc, e em tal intermediação, finalmente, em todo o nexo vital histórico (343) . Somente de vez em quando se interpõe também algo de sua antiga natureza. Por exemplo, quando julga os historiadores antigos inclinar-se-á a conceder a esses autores mais crédito do que um historiador considera correto. Nessa espécie de credulidade ideológica, com a qual o filólogo superestima, em tais casos, o valor testemunhal de seus textos, aparece um resto derradeiro da velha pretensão do filólogo de ser amigo dos “belos discursos” e mediador da literatura clássica. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.

Habermas contrapõe a essa ideia o argumento de que a intervenção da reflexão acabou transformando profundamente o médium da ciência. Foi exatamente essa a herança imperecível que o idealismo alemão nos legou do espírito do século XVIII. Segundo Habermas, mesmo que a experiência hegeliana de reflexão já não possa realizar-se numa consciência absoluta, o “idealismo da estrutura da linguagem” (179) — que no fundo não passaria de mera “transmissão cultural”, na sua apropriação e desenvolvimento hermenêuticos — seria uma triste impotência frente ao todo real do nexo vital da sociedade, conjugando não apenas a linguagem mas também o trabalho e o domínio. A reflexão hermenêutica deveria transformar-se em crítica da ideologia. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 18.

No que se refere à primeira dessas questões, o conceito histórico (377) de estilo parece indiscutivelmente legítimo onde a vinculação a um gosto vigente representa o único padrão estético. Vale, portanto, em primeiro lugar, para os fenômenos decorativos, cuja determinação mais própria não é ser para si, mas estar em outra coisa e conformá-la à unidade de um nexo vital. O decorativo é uma espécie de qualidade coadjuvante que pertence, evidentemente, àquilo que tem uma determinação de outra ordem, ou seja, que tem um uso. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS EXCURSO I

Por outro lado, pode-se questionar se é legítimo estender o ponto de vista da história do estilo às assim chamadas obras de arte livres. Já era evidente para nós que também estas têm seu lugar originário em um nexo vital. Quem quiser compreendê-las não pode querer obter delas valores vivenciais quaisquer, mas deve tomar a atitude correta e isso significa sobretudo uma atitude historicamente correta. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS EXCURSO I