Uma análise da história do conceito mostra que é somente no Aufklärung que o conceito do preconceito recebeu o matiz negativo que agora possui. Em si mesmo, “preconceito” (Vorurteil) quer dizer um juízo (Urteil) que se forma antes da prova definitiva de todos os momentos determinantes segundo a coisa. No procedimento jurisprudencial um preconceito é uma pré-decisão jurídica, antes de ser baixada uma sentença definitiva. Para aquele que participa da disputa judicial, um preconceito desse tipo representa evidentemente uma redução de suas chances. Por isso, préjudice, em francês, tal como praejudicium, significa também simplesmente prejuízo, desvantagem, dano. Não obstante, essa negatividade é apenas secundária. É justamente na validez positiva, no valor prejudicial de uma pré-decisão, tal qual o de qualquer precedente, que se apoia a consequência negativa. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
E quando se considera a experiência na perspectiva a seu resultado passa-se por cima do verdadeiro processo da experiência; pois este é essencialmente negativo. Ele não pode ser (359) descrito simplesmente como a formação, sem rupturas, de generalidades típicas. Essa formação ocorre, antes, pelo fato de que as generalizações falsas são constantemente refutadas pela experiência, e coisas tidas por típicas hão de ser destipificadas. Isto tem sua cunhagem linguística no fato de que falamos de experiência num duplo sentido, de um lado, como as experiências que se integram nas nossas expectativas e as confirmam, de outro, como a experiência que se “faz”. Esta, a verdadeira experiência, é sempre negativa. Quando fazemos uma experiência com um objeto, isto quer dizer que até agora não havíamos visto corretamente as coisas e que é agora que nos damos conta de como são. A negatividade da experiência possui, por conseguinte, um particular sentido produtivo. Não é simplesmente um engano que se torna visível e, por consequência, uma correção, mas o que se adquire é um saber abrangente. Por consequência, o objeto com o qual se faz uma experiência não pode ser um objeto recolhido aleatoriamente, mas tem de ser de modo a que possa prestar-se a um melhor saber, não somente ele, mas também sobre aquilo que antes se acreditava saber, isto é, sobre uma generalidade. A negação, em virtude da qual a experiência chega a alcançar isto, é uma negação determinada. A essa forma da experiência damos o nome de dialética. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
De fato, e como já vimos, a experiência é em primeiro lugar sempre experiência de negatividade: não é como havíamos suposto. Face à experiência que se faz em outro objeto, se alteram as duas coisas, nosso saber e seu objeto. Agora sabemos outra coisa e sabemos melhor, e isto quer dizer que o próprio objeto “não se sustenta”. O novo objeto contém a verdade sobre o anterior. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
Mas com isso o conceito da experiência de que se trata agora adquire um momento qualitativamente novo. Não se refere somente à experiência no sentido do que esta ensina sobre tal ou qual coisa. Refere-se à experiência em seu todo. Esta é a experiência que cada um constantemente tem de adquirir e a que ninguém pode se poupar. A experiência é aqui algo que faz parte da essência histórica do homem. Ainda que se trate de (362) um objetivo limitado, da preocupação educacional, como a que os pais têm pelos seus filhos, preocupação de poupar alguém de determinadas experiências, o que é a experiência, em seu conjunto, não é algo que possa ser poupado a alguém. Nesse sentido a experiência pressupõe necessariamente que se desapontem muitas expectativas, pois somente é adquirida através disso. Dizer que a experiência é, sobretudo, experiência dolorosa e desagradável não é um exagero, mas que pode ser visto imediatamente se se atende à sua essência. Já Bacon estava consciente de que somente através de instâncias negativas se chega a uma nova experiência. Toda experiência que mereça este nome cruzou no caminho de alguma expectativa. O ser histórico do homem contém, assim, como um momento essencial, uma negatividade fundamental que aparece na relação essencial de experiência e penetração de espírito. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
Com isto prelineia-se o caminho da investigação que segue: deveremos indagar pela estrutura lógica da abertura que caracteriza a consciência hermenêutica, recordando o significado que convinha ao conceito de pergunta na análise da situação hermenêutica. É claro que em toda experiência encontra-se pressuposta a estrutura da pergunta. Não se fazem experiências sem a atividade do perguntar. O conhecimento de que algo é assim, e não como acreditávamos primeiramente pressupõe evidentemente a passagem pela pergunta se é assim ou de outro modo. A abertura que está na essência da experiência é, logicamente falando, esta abertura do “assim ou de outro modo”. Tem a estrutura da pergunta. E tal como a negatividade dialética da experiência encontrava sua perfeição na ideia de uma experiência consumada, na qual nos fazíamos inteiramente conscientes de nossa finitude e limitação, também a forma lógica da pergunta e a negatividade que lhe é inerente encontram sua consumação numa negatividade radical: no saber que não se sabe. É a famosa docta ignorantia socrática que abre a verdadeira superioridade da pergunta na negatividade extrema da aporia. Teremos, pois, que nos aprofundar na essência da pergunta, se quisermos esclarecer em que consiste o modo peculiar de realização da experiência hermenêutica. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
Já vimos que, logicamente falando, a negatividade da experiência implica a pergunta. Na realidade, o impulso, que é representado por aquilo que não quer integrar-se nas opiniões pré-estabelecidas, é o que nos move a fazer experiências. Por isso também o perguntar é mais um padecer que um fazer. A pergunta se impõe, chega um momento em que não mais se pode desviar-se dela, nem permanecer agarrados à opinião costumeira. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
Para descrever o verdadeiro método, que é o fazer da própria coisa, Hegel se reporta, por sua vez, a Platão, que gosta de apresentar o seu Sócrates em conversação com os jovens, porque estes estão dispostos a seguir as perguntas consequentes de Sócrates, sem fazer caso das opiniões reinantes. Ele ilustra seu próprio método do desenvolvimento dialético com esses “jovens flexíveis”, que se abstêm de se imiscuir no curso da coisa e não alardeiam sobre as ideias que lhes ocorrem. Dialética não é aqui mais que a arte de conduzir uma conversação e, sobretudo, de descobrir a inadequação das opiniões que dominam uma pessoa, formulando consequentemente perguntas e mais perguntas. A dialética é aqui, portanto, negativa, ela desconcerta as opiniões. Mas este desconcerto é ao mesmo tempo um esclarecimento, pois libera o olhar e lhe permite orientar-se adequadamente para a coisa. Tal como na conhecida cena do Ménon, o escravo é conduzido desde o seu desconcerto até a verdadeira solução do problema matemático que lhe colocam — uma vez que lhe falharam, uma após a outra, todas as opiniões prévias e insustentáveis — , toda negatividade dialética contém uma espécie de desenho objetivo prévio do que é verdade. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 3.