Gadamer (VM): hermenêutica romântica

O que Kant de sua parte, através de sua crítica do juízo estético, legitimou e queria legitimar era a universalidade subjetiva do gosto estético, na qual não se encontra mais nenhum conhecimento do objeto, e, no âmbito das “belas artes”, a superioridade do gênio sobre toda estética da regra. É assim que a hermenêutica romântica e a historiografia, com relação à sua auto-evidência, encontram um ponto de vinculação somente no conceito de gênio, o qual alcança validade através da estética de Kant. Esse foi justamente o outro lado da atuação de Kant. A justificação transcendental do juízo estético alicerça a autonomia da consciência estética, da qual viria a derivar-se também a legitimação da consciência histórica. A subjetivação radical, que incluiu a refundamentação da estética de Kant, marcou verdadeiramente uma época. Ao desacreditar qualquer outro conhecimento teórico que não fosse o da ciência da natureza, forçou a auto-determinação das ciências do espírito a apoiar-se na doutrina de método das ciências da natureza. Mas ao mesmo tempo facilitou-lhes esse apoio, ao colocar à sua disposição, como um dispositivo secundário, o “momento artístico”, o “sentimento” e a “empatia”. A característica das ciências do espírito de Helmholtz, de que nos ocupamos acima, é, nos dois sentidos, um bom exemplo da atuação de Kant. 203 VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.

1.1. A questionabilidade da hermenêutica romântica e sua aplicação à historiografia 941 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.

a) Pré-história da hermenêutica romântica 947 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.

A crítica da Bíblia, que conseguiu se impor amplamente no século XVIII, como mostra essa indicação a Spinoza, possui, em caráter absoluto, um fundamento dogmático na fé na razão do Aufklärung, e, de um modo semelhante, existe toda uma outra série de precursores que preparam o pensamento histórico, entre os quais há, no século XVIII, nomes esquecidos há muito tempo, que procuram oferecer diretivas para a compreensão e interpretação de livros históricos. Entre eles se encontra particularmente Chladenius, apresentado como um precursor da hermenêutica romântica, e de fato nele se descobre o interessante conceito do “ponto de vista” como fundamento do “por que conhecemos uma coisa desse e não de outro modo”. É um conceito procedente da ótica e que o autor toma expressamente de Leibniz. 985 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.

1.1.2. A conexão da escola histórica na hermenêutica romântica 1070 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.

Uma reflexão clara e metódica sobre isso não se encontra expressa obviamente em Ranke, nem no arguto metodólogo que foi Droysen, mas somente em Dilthey, que toma conscientemente a hermenêutica romântica e a amplia até fazer dela uma historiografia e até uma teoria do conhecimento das ciências do espírito. A análise lógica de Dilthey do conceito do nexo na história representa, segundo a questão em causa, a aplicação do princípio hermenêutico, segundo o qual as partes individuais de um texto só podem ser entendidas a partir do todo, e este somente a partir daquelas, sobre o mundo da história. Não somente as fontes chegam a nós como textos, mas também a realidade histórica é em si um texto que deve ser compreendido. Com essa transferência da hermenêutica para a historiografia, Dilthey torna-se o intérprete da escola histórica. Ele formula o que Ranke e Droysen, no fundo, pensavam. 1080 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.

Dessa maneira, a hermenêutica romântica e seu pano de fundo, a metafísica panteísta da individualidade foram determinantes para a reflexão teórica da investigação da história no século XIX. Isso foi decisivo para o destino das ciências do espírito e para a concepção do mundo da escola histórica. Ainda veremos que a filosofia hegeliana da história universal, contra a qual protesta a escola histórica, compreendeu o significado da história para o ser do espírito e para o conhecimento da verdade com uma profundidade incomparavelmente maior que aqueles grandes historiadores que não quiseram reconhecer sua dependência com respeito a ele. O conceito da individualidade de Schleiermacher, que caminhava lado a lado com os interesses da teologia, da estética e da filologia, não somente era uma instância crítica contra a construção apriorística da filosofia da história, como oferecia às ciências históricas, ao mesmo tempo, uma orientação metodológica que as remetia, num grau não inferior às ciências da natureza, à investigação, isto é, à única base que sustenta uma experiência progressiva. Dessa maneira, a resistência contra a filosofia da história universal acabou empurrando-a para o elemento da filologia. Seu orgulho estava em que tal metodologia não pensava o nexo da história universal teleologicamente, a partir de um estado final, como era o (203) estilo do Aufklärung pré-romântico ou pós-romântico, estado que seria igualmente o fim da história, o dia final da história universal. Pelo contrário, para ela não há nenhum final, e nenhum fora, além da história. A compreensão do decurso total da história universal só pode ser obtido a partir da própria tradição histórica. E esta é justamente a pretensão da hermenêutica filológica, ou seja, que o sentido de um texto pode ser compreendido por si próprio. Por consequência, o fundamento da historiografia é a hermenêutica. 1082 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.

Mais tarde veremos que também Dilthey pensou, partindo dessas unidades relativas, edificando assim, inteiramente sobre a base da hermenêutica romântica. O que se há de compreender num e noutro caso é um conjunto de sentido, que em ambos os casos se encontra igualmente destacado de quem procura compreendê-lo: sempre é uma individualidade estranha, que deve ser julgada a partir de seus próprios conceitos, paradigmas etc., e que, apesar disso, pode ser compreendida, porque o eu e o tu são “momentos” da mesma vida. 1086 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.

Aqui também se percebe, como em Droysen, que o modo de proceder da hermenêutica romântica está subentendida, e que ele experimenta agora uma expansão universal. O nexo estrutural da vida, tal qual o nexo de um texto, está determinado (228) por uma certa relação entre o todo e as partes. Cada parte expressa algo do todo da vida, e tem, portanto, uma significação para o todo, do mesmo modo que seu próprio significado está determinado a partir deste todo. É o velho princípio hermenêutico da interpretação dos textos que vale também para o nexo da vida, porque nele se pressupõe de um modo análogo a unidade de um significado que se expressa em todas as suas partes. 1238 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.

A partir disso pode-se entender o que Dilthey vincula à hermenêutica romântica. Com a sua ajuda consegue ele cobrir a diferença entre a essência histórica da experiência e a forma de conhecimento da ciência, ou melhor, pôr em consonância a forma de conhecimento das ciências do espírito com os padrões metodológicos das ciências da natureza. Já vimos acima que o que o levou a isso não foi uma adaptação externa. Reconhecemos agora que não o conseguiu sem descuidar a própria e essencial historicidade das ciências do espírito. Isso se torna claro no conceito de objetividade válida nas ciências da natureza. E por isso que Dilthey gosta de empregar a palavra “resultados” e de demonstrar pela descrição da metodologia das ciências do espírito sua igualdade de categoria com as ciências da natureza. Para isso a hermenêutica romântica veio-lhe ao encontro, na medida em que, como já vimos, esta própria não levava em conta a essência histórica da experiência. Pressupunha que o objeto da compreensão é o texto a ser decifrado e compreendido em seu sentido. Assim, todo encontro com um texto é, para ela, um auto-encontro do espírito. Todo texto é suficientemente estranho para representar uma tarefa, e, no entanto, suficientemente familiar para manter sua essencial possibilidade de resolução, mesmo quando não se saiba de um texto a não ser que é texto, escrito ou espírito. 1332 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.

É indubitável que, com isso, não se satisfaça ao objetivo da escola histórica. A hermenêutica romântica e o método filológico, sobre os quais ela se ergue, não são base suficiente para a história; da mesma forma, não é satisfatório para Dilthey o conceito dos procedimentos indutivos que se pede emprestado (246) às ciências da natureza. A experiência histórica, tal como ele fundamentalmente a entende, não é um procedimento e não possui a anonimidade de um método. Certamente que dela se podem deduzir regras de experiência gerais, mas o seu valor metodológico não é o do conhecimento de leis, sob as quais se possam subsumir univocamente os casos que apareçam. Antes, as regras da experiência exigem um uso já experimentado e são, no fundo, o que são apenas nesse uso particular. Frente a essa situação é preciso admitir que o conhecimento das ciências do espírito não é o mesmo das ciências indutivas, mas possui uma objetividade bem diferente e deve ser adquirido de uma maneira totalmente diversa. A fundamentação das ciências do espírito na filosofia da vida de Dilthey e a sua crítica a todo dogmatismo, bem como ao dos empiristas, procuram tornar válido exatamente isso. Mas o cartesianismo epistemológico, ao qual não consegue escapar, acabou sendo mais forte, de maneira que, para Dilthey, a historicidade da experiencia histórica não chegou a se tornar verdadeiramente determinante. É verdade que Dilthey não menosprezou a significação que tem a experiencia de vida, tanto individual como universal, para o conhecimento das ciencias do espirito — mas ambos, para ele, são determinados de maneira meramente privada. Trata-se de uma indução não-metódica, carente de verificação, que já aponta para a indução metódica da ciencia. 1340 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.

Essa discussão do conceito do clássico não pretende para si um significado autônomo, porém gostaria de levantar uma questão: Essa mediação histórica do passado com o presente, tal como a realiza o conceito do clássico, estará presente em todo o comportamento histórico como substrato operante? Enquanto que a hermenêutica romântica pretendia ver na homogeneidade da natureza humana um substrato a-histórico para a sua teoria da compreensão, desligando com isso aquele que compreende congenialmente de todo condicionamento histórico, a autocrítica da consciência histórica acaba levando a reconhecer mobilidade histórica não somente no acontecer, mas também no próprio compreender. O compreender deve ser pensado menos como uma ação da subjetividade do que como um retroceder que penetra em um acontecer da tradição, no qual é o que tem de fazer-se ouvir na teoria hermenêutica, demasiado dominada pela ideia de um procedimento, de um método. 1597 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.

Este conceito da compreensão rompe, evidentemente, o círculo traçado pela hermenêutica romântica. Na medida em que já não se refere à individualidade e suas opiniões, mas à verdade da coisa, um texto não é entendido como mera expressão vital, mas é levado a sério na sua pretensão de verdade. O fato de que também isso, ou até precisamente isso, se chame “compreender” era antes uma obviedade — nisso recordo-me da citação de Chladenius. No entanto, a dimensão do problema hermenêutico foi desacreditada pela consciência histórica e pela versão psicológica que Schleiermacher deu à hermenêutica, e só pôde ser recuperada quando se tornaram patentes as aporias do historicismo e quando estas conduziram finalmente àquela mudança de rumo, nova e fundamental, para a qual, na minha opinião, o trabalho de Heidegger deu o mais decisivo impulso. Pois a distância de tempo em sua produtividade hermenêutica só pôde ser pensada a partir da mudança de rumo ontológico que Heidegger deu à compreensão como um “existencial” e a partir da interpretação temporal que aplicou ao modo de ser da pre-sença. 1643 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.

O projeto de um horizonte histórico é, portanto, só uma fase ou momento na realização da compreensão, & não se prende na auto-alienação de uma consciência passada, mas se recupera no próprio horizonte compreensivo do presente. Na realização da compreensão tem lugar uma verdadeira fusão horizôntica que, com o projeto do horizonte histórico, leva a cabo simultaneamente sua suspensão. Nós caracterizamos a realização controlada dessa fusão como a tarefa da consciência histórico-efeitual. Enquanto que, na herança da hermenêutica romântica, o positivismo estático-histórico ocultou essa tarefa, temos de dizer que o problema central da hermenêutica se estriba precisamente nela. É o problema da aplicação que está contido em toda compreensão. 1693 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.

Porém, a fusão interna da compreensão e da interpretação trouxe como consequência a completa desconexão do terceiro momento da problemática da hermenêutica, o da aplicação, do contexto da hermenêutica. Aplicação edificante que se dispensava, por exemplo, à Sagrada Escritura no apostolado e sermões cristãos, parecia ser algo completamente distinto da compreensão histórica e teológica da mesma. Nisso, nossas considerações nos forçam a admitir que, na compreensão, sempre ocorre algo como uma aplicação do texto a ser compreendido, à situação atual do intérprete. Nesse sentido nos vemos obrigados a dar um passo mais além da hermenêutica romântica, considerando como um processo unitário não somente a compreensão e interpretação, mas também a aplicação. Não significa isso voltar à distinção tradicional das três subtilitatae de que falava o pietismo, pois pensamos, pelo contrário, que a aplicação é um momento do processo hermenêutico, tão essencial e integrante como a compreensão e a interpretação. 1703 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.

Entretanto, havíamos partido do conhecimento de que também a compreensão que se exerce nas ciências do espírito é essencialmente histórica, isto é, que também nelas um texto só é compreendido, se for compreendido em cada caso de uma maneira diferente. Este era precisamente o caráter que revestia a missão da hermenêutica histórica, o refletir sobre a relação entre a identidade do assunto comum e a situação mutável, na qual se trata de entendê-lo. Tínhamos partido do fato de que a mobilidade histórica da compreensão, relegada a segundo plano pela hermenêutica romântica, representa o verdadeiro centro de um questionamento hermenêutico adequado à consciência histórica. Nossas considerações sobre o significado da tradição na consciência histórica engatam na análise heideggeriana da hermenêutica da facticidade, e procuram torná-la fecunda para uma hermenêutica espritual-científica. Mostramos que a compreensão é menos um método através do qual a consciência histórica se aproximaria do objeto eleito para alcançar seu conhecimento objetivo do que um processo que tem como pressuposição o estar dentro de um acontecer tradicional. A própria compreensão se mostrou como um acontecer, e filosoficamente a tarefa da hermenêutica consiste em indagar que classe de compreensão, e para que classe de ciência, é esta que é movida, por sua vez, pela própria mudança histórica. 1711 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.

E se isso é correto, então se coloca a tarefa de voltar a determinar a hermenêutica espiritual-científica a partir da jurídica e da teológica. Para isso faz-se necessária a ideia recém-alcançada, de que a hermenêutica romântica e sua coroação na interpretação psicológica, isto é, no deciframento e fundamentação da individualidade do outro, aborda o problema da compreensão de um modo excessivamente parcial. Nossas considerações não nos permitem dividir a colocação do problema hermenêutico na subjetividade do intérprete e na objetividade de sentido que se trata de compreender. Esse procedimento partiria de uma falsa contraposição que tampouco pode ser superada pelo reconhecimento da dialética do subjetivo e do objetivo. A distinção entre uma função normativa e uma função cognitiva faz cindir, definitivamente, o que claramente é uno. O sentido da lei, que se apresenta em sua aplicação normativa, não é, em princípio, diferente do sentido de um tema, que ganha validez na compreensão de um texto. É completamente errôneo fundamentar a possibilidade de compreender textos na pressuposição da “congenialidade” que uniria o criador e o intérprete de uma obra. Se isso fosse assim, as ciências do espírito estariam em maus lençóis. O milagre da compreensão consiste, antes, no fato de que não é necessária a congenialidade para reconhecer o que é verdadeiramente significativo e o sentido originário de uma tradição. Somos, antes, capazes de nos abrir à pretensão excelsa de um texto e corresponder compreensivamente ao significado com o qual nos fala. A hermenêutica, no âmbito da filologia e da ciência espiritual da história, não é um “saber dominador”, isto é, apropriação por apoderamento, mas se submete à pretensão dominante do texto. Mas para isso o verdadeiro modelo é constituído pela hermenêutica jurídica e teológica. A interpretação da vontade jurídica e da promessa divina não são evidentemente formas de domínio, mas de servidão. Ao serviço daquilo que deve valer, elas são interpretações, que incluem aplicação. A tese é, pois, que também a hermenêutica histórica tem que levar a cabo o fornecimento da aplicação, pois também ela serve à validez de sentido, na medida em que supera, expressa e conscientemente, a distância de tempo que separa o intérprete do texto, superando assim a alienação de sentido que o texto experimentou. 1717 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.

Já na análise da hermenêutica romântica tivemos ocasião de ver que a compreensão não se baseia em um deslocar-se para o interior do outro, em uma participação imediata de um no outro. Compreender o que alguém diz é, como já vimos, pôr-se de acordo sobre a coisa, não deslocar-se para dentro do outro e reproduzir suas vivências. Já destacamos que a experiência de sentido, que ocorre desse modo na compreensão, encerra sempre um momento de aplicação. Percebemos agora que todo este processo é um processo linguístico. Não é em vão que a verdadeira problemática da compreensão e a tentativa de dominá-la pela arte — o tema da hermenêutica — pertence tradicionalmente ao âmbito da gramática e da retórica. A linguagem é o meio em que se realiza o acordo dos interlocutores e o entendimento sobre a coisa. 2081 VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 1.

Mesmo a brilhante dialética com que E. Betti procurou justificar o legado da hermenêutica romântica conjugando o subjetivo e o objetivo mostrou-se insuficiente depois que Ser e tempo demonstrou o caráter ontológico prévio do conceito de sujeito e sobretudo quando o Heidegger tardio fez ruir o âmbito da reflexão filosófico-transcendental com a ideia da “virada” (Kehre). O “acontecimento” da verdade que forma o espaço de jogo do desocultar e ocultar conferiu um novo caráter ontológico a todo desocultar, mesmo àquele das ciências da compreensão. Isso possibilitou a formulação de uma série de novas perguntas à hermenêutica tradicional. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 8.

Compreender não é mera reprodução de um conhecimento, ou seja, não é mera execução reiterada do mesmo, mas está consciente do caráter repetitivo de sua execução. Como já formulara (122) August Boeckh, trata-se de conhecer o conhecido. Esta formulação paradoxal resume as ideias da hermenêutica romântica, que tinha clareza sobre a estrutura reflexiva do fenômeno hermenêutico. A inteireza do compreender exige que se traga à consciência o componente inconsciente da compreensão. Nesse sentido, a hermenêutica romântica tem por base um conceito fundamental da estética kantiana, o conceito de gênio, que cria a obra paradigmática, “de modo inconsciente” — como a própria natureza — , isto é, sem o emprego consciente de regras e sem imitar modelos. VERDADE E MÉTODO II COMPLEMENTOS 9.

Com seu artigo Studien zur Frugeschichte der Hermeneutik (Estudos sobre a história primitiva da hermenêutica), H.-E. Hasso Jaeger enriqueceu nosso conhecimento do período inicial da hermenêutica com um capítulo totalmente novo. Sabia-se já que a palavra “hermenêutica” apareceu pela primeira vez num escrito de Joh. Conrad Dannhauer, e sabia-se pelo menos desde Dilthey que a hermenêutica possui uma certa pré-história humanista. Mas, com a avaliação que Jaeger faz de Dannhauer, o quadro se modifica. Jaeger demonstra de início que Dannhauer perseguiu já em sua juventude o programa de uma lógica da interpretação e que introduziu em 1629 a expressão “hermenêutica” com essa finalidade. Frente a Dilthey, Jaeger não parece considerar essa hermenêutica como um antecedente teológico — e nesse sentido muito pobre — da hermenêutica romântica, mas como uma criação própria do movimento humanista, sem relação alguma com a controvérsia sobre o princípio bíblico que se deu entre Lutero e os papistas. Dilthey havia nos mostrado que essa controvérsia levara a uma primeira formulação dos princípios hermenêuticos da exegese protestante da Bíblia, formulação que aparece documentada em Flacius Illyricus. Mas H. Jaeger procura evitar, o quanto possível, o aspecto teológico do problema. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 21.

Seguindo essa temática universal, aberta por Schleiermacher e sobretudo sua contribuição mais própria, a introdução da interpretação “psicológica”, destinada a complementar a interpretação “gramatical” tradicional, a hermenêutica evoluiu no século XIX para uma metodologia. Seu novo objeto são os “textos”, uma entidade anônima, que o investigador deve enfrentar. Na linha de Schleiermacher, Wilhelm Dilthey levou a cabo a fundamentação hermenêutica das ciências do espírito, estabelecendo as bases para sua equiparação com as ciências naturais e ampliando o acento que Schleiermacher dera à interpretação psicológica. Segundo Dilthey, o verdadeiro triunfo da hermenêutica estaria na interpretação das obras de arte, que traz à consciência uma produção genial inconsciente. Frente à obra-de-arte, todos os métodos psicológicos tradicionais — gramatical, histórico, estético e psicológico — , só representam uma suprema realização do ideal da compreensão na medida em que todos esses recursos e métodos se põem a serviço da compreensão da obra concreta. Aqui, e sobretudo no campo da crítica literária, o aperfeiçoamento da hermenêutica romântica deixa um legado que denuncia sua origem remota, mesmo no uso da linguagem: o de ser crítica. Crítica significa preservar a obra individual em sua validade e conteúdo e diferenciá-la de tudo que não satisfaz seu critério. O esforço de Dilthey serviu para estender o conceito metodológico da ciência moderna também à “crítica” e desdobrar cientificamente a “expressão” poética partindo de uma psicologia compreensiva. Foi tomando o caminho que passa pela “história da literatura” que ele inaugurou o termo “ciência da literatura”. Reflete o ocaso de uma consciência da tradição na época 314] do positivismo científico do século XIX, que no espaço da língua alemã elevou a equiparação com o ideal da ciência natural moderna a ponto de modificar o nome. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 22.

Isso faz parte da antiga tradição neoplatônica. A metáfora tem seu pointe no fato de a forma cunhada não estar presente fragmentariamente, mas estar plenamente presente em todas as cunhagens. A aplicação do conceito no “pensamento emanantista” também se apoia nessa verdade. Segundo Rothacker, essa ideia está presente como fundamento geral de nossa imagem histórica do mundo. É claro que a crítica à psicologização do conceito de “expressão” abrange todo o conjunto da presente investigação e serve de base para a crítica à “arte da vivência” e à hermenêutica romântica. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS EXCURSO VI

A ligação e o apoio que Dilthey encontra na hermenêutica romântica, que nesse século XX se apoia no renascimento da filosofia especulativa de Hegel, suscitou uma ampla crítica ao objetivismo histórico (Conde Yorck, Heidegger, Rothacker, Betti etc). VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 27.

O que era essa hermenêutica filosófica? Em que difere da hermenêutica romântica, que nasceu quando Schleiermacher aprofundou uma antiga disciplina teológica, culminou na hermenêutica das ciências do espírito de Dilthey e acabou sendo considerada como uma metodologia das ciências do espírito? Com que direito meu próprio ensaio podia chamar-se de hermenêutica filosófica? VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 30.