As pesquisas a seguir, portanto, iniciam-se com uma crítica da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, a fim de defenderem a experiência da verdade, que nos é proporcionada pela obra de arte, contra a teoria estética, que se deixa limitar pelo conceito de verdade da ciência. Elas, porém, não se contentam somente com a justificação da verdade da arte. Antes, procuram, desse ponto de partida, um conceito de conhecimento e de verdade, que corresponde ao todo de nossa experiência hermenêutica. Tal como na experiência da arte temos de nos haver com verdades que suplantam fundamentalmente o âmbito do conhecimento metódico, algo semelhante vale para o todo das ciências filosóficas, nas quais nossa tradição histórica, em todas as suas formas, é transformada em objeto de pesquisa, e acaba, porém e ao mesmo tempo, ela mesma manifestando-se em sua verdade. A experiência da tradição histórica vai fundamentalmente além do que nela é possível ser pesquisado. Ela não mostra apenas no sentido de verdade ou inverdade, sobre o que decide a crítica histórica — transmite sempre a verdade, da qual urge em parte tirar proveito. VERDADE E MÉTODO Introdução
Só que o tato, de que fala Helmholtz, não é simplesmente idêntico com esse fenômeno moral e da lida. Mas aqui dá-se um comum essencial. Porque também o tato que atua nas ciências do espírito não se esgota em ser inconsciente e em ser um senso, mas é ao mesmo tempo uma forma de conhecimento e uma forma de ser. Pode-se observar isso mais exatamente com base na análise, acima efetuada, do conceito de formação. O que Helmholtz denomina de tato inclui a formação e é função da formação tanto estética como histórica. Tem-se de ter sentido ou tem-se de ter formado o sentido para o que é estético e o que é histórico, caso queiramos confiar no nosso tato no trabalho das ciências do espírito. Como esse sentido não é simplesmente um dispositivo natural, é com razão que falamos da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA ou histórica e não propriamente do sentido. É claro, porém, que uma tal consciência comporta-se com a imediaticidade do sentido, isto é, sabe separar e avaliar com segurança em cada caso específico, mesmo sem poder precisar seus motivos. É assim que quem possui sentido estético sabe separar o belo e o feio, a boa e a má qualidade, e quem possui sentido histórico sabe o que é possível e o que não é possível para uma época, e tem sentido quanto à diversidade do passado em face do presente. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
O que Kant de sua parte, através de sua crítica do juízo estético, legitimou e queria legitimar era a universalidade subjetiva do gosto estético, na qual não se encontra mais nenhum conhecimento do objeto, e, no âmbito das “belas artes”, a superioridade do gênio sobre toda estética da regra. É assim que a hermenêutica romântica e a historiografia, com relação à sua auto-evidência, encontram um ponto de vinculação somente no conceito de gênio, o qual alcança validade através da estética de Kant. Esse foi justamente o outro lado da atuação de Kant. A justificação transcendental do juízo estético alicerça a autonomia da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, da qual viria a derivar-se também a legitimação da consciência histórica. A subjetivação radical, que incluiu a refundamentação da estética de Kant, marcou verdadeiramente uma época. Ao desacreditar qualquer outro conhecimento teórico que não fosse o da ciência da natureza, forçou a auto-determinação das ciências do espírito a apoiar-se na doutrina de método das ciências da natureza. Mas ao mesmo tempo facilitou-lhes esse apoio, ao colocar à sua disposição, como um dispositivo secundário, o “momento artístico”, o “sentimento” e a “empatia”. A característica das ciências do espírito de Helmholtz, de que nos ocupamos acima, é, nos dois sentidos, um bom exemplo da atuação de Kant. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Finalmente isso acaba tendo influência também no desenvolvimento da estética filosófica, que, até, assume o conceito de símbolo no sentido universal de Goethe, mas do ponto de vista oposto, à realidade e à arte, isto é, pensando no “ponto de vista da arte” e da religião estética instruída do século XIX. Característico para isso é o posterior F.Th. Wischer, o qual, quanto mais se libera de Hegel, tanto mais amplia o conceito de símbolo de Hegel e vê no símbolo um dos desempenhos básicos da subjetividade. O “obscuro simbolismo da índole” empresta alma e significado ao, em si, inanimado (da natureza ou do fenômeno evidente aos sentidos). Como a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA sabe-se livre — em face do mítico-religioso — o simbolismo, que empresta a todos, também é “livre”. Por mais que uma indeterminação ambígua continue sendo adequada ao símbolo, já não mais pode ser caracterizada através de sua relação privativa para com o conceito. Passa a ter, antes, sua própria positividade como uma criação do espírito humano. É a completa concordância do fenômeno com a ideia, que — de acordo com Schelling — é pensada no conceito de símbolo, enquanto a não-concordância é reservada à alegoria ou à consciência mítica. Ainda em Cassirer encontramos, num sentido semelhante, o simbolismo estético, em face do simbolismo mítico, caracterizado pelo fato de que no símbolo estético a tensão da imagem e do significado é compensada pelo equilíbrio — um último eco do conceito classicista da “religião artística”. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Desse panorama sobre a história da palavra, do símbolo e da alegoria tiramos uma consequência objetiva. A sólida situação prévia (Vorfindlichkeit) da contraposição do conceito: o símbolo que cresce “organicamente” — a alegoria fria e adequada à compreensão perde seu caráter obrigatório, quando se reconhece sua vinculação com a estética do gênio e com a estética da vivência. Se já a redescoberta da arte do Barroco (um fato certamente constatável no mercado de antiguidades) e especialmente nas últimas décadas, a redescoberta da poesia barroca, bem como a mais recente pesquisa artístico-científica levaram a uma salvação honrosa da alegoria; assim, indicar-se-á agora também o fundamento teorético desse fato. O fundamento da estética do século XIX foi a liberdade da atividade simbólica da índole (Gemüt). Mas será que essa é uma base sustentável? Será que, na verdade, essa atividade simbólica não está sendo limitada ainda hoje pela sobrevivência de uma tradição mítico-alegórica? Quando se reconhece isso, o antagonismo de símbolo e alegoria tem de se relativizar de novo, embora, sob o preconceito da estética experimental, parecesse absoluto. Da mesma forma, a diferença entre a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA e a mítica mal conseguirá se fazer valer como um absoluto. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Devemos nos conscientizar de que o aparecimento de tais indagações implica numa revisão fundamental dos conceitos básicos e estéticos. Isso porque, claramente, trata-se aqui de mais do que uma mudança reiterada do gosto e da avaliação estética. Mais do que isso, o conceito da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA torna-se, ele mesmo, duvidoso — e com isso o ponto de vista da arte a que pertence. Será que, em face da obra de arte, o comportamento estético é uma atitude adequada? Ou será que o que denominamos “CONSCIÊNCIA ESTÉTICA” é uma abstração? A nova avaliação da alegoria, de que falamos, indica que, na verdade, também na CONSCIÊNCIA ESTÉTICA há um momento dogmático que firma sua validade. E causa diferença entre a consciência mítica e estética não deva ser absoluta, será que o conceito da arte não passará a ser, ele mesmo, questionável, por ser, como vimos, uma criação da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA. Seja como for, não podemos duvidar de que as grandes épocas da história da arte foram aquelas em que a gente se acercava de configurações, sem qualquer CONSCIÊNCIA ESTÉTICA e sem o nosso conceito de “arte”, configurações, cuja função de vida, religiosa ou profana, era compreensível para todos e não era degustável para ninguém apenas esteticamente. Pode-se acaso aplicar a elas o conceito de CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, como tal, sem restringir seu verdadeiro ser? VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Para aprender a mensurar corretamente a importância dessa questão, queremos apresentar, de início, uma ponderação histórica que deverá determinar o conceito de “CONSCIÊNCIA ESTÉTICA“, cunhado em seu sentido específico e histórico. Acreditamos hoje, abertamente, no que se refere à “estética”, não mais exatamente o que Kant vinculava a essa palavra quando denominou a doutrina do espaço e do tempo uma “estética transcendental” e entendeu a doutrina do belo e do sublime na natureza e na arte como uma “crítica do juízo”. O ponto de virada parece encontrar-se em Schiller, que transformou o pensamento transcendental do gosto numa exigência moral, formulando-o como um imperativo: Comporta-te esteticamente! VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Quero lembrar que em Helmholtz, no conhecido trecho de que partimos, aquele momento diferente, que distingue o trabalho das ciências do espírito em face das ciências da natureza, não soube caracterizar melhor do que através do adjetivo “artístico”. A essa relação teórica, corresponde positivamente o que podemos denominar de CONSCIÊNCIA ESTÉTICA. É-nos dado através do ponto de “vista da arte”, que Schiller foi o primeiro a fundamentar. Pois tal qual a arte da “bela aparência” se opõe à realidade — é uma figuração de “espírito alheado”, enquanto aquilo em que Hegel reconheceu a formação. Poder comportar-se esteticamente é um momento da consciência formada. Pois que na CONSCIÊNCIA ESTÉTICA encontramos as feições que caracterizam a consciência formada: elevação à universalidade, distanciamento da particularidade da aceitação ou rejeição imediata, deixar e fazer valer aquilo que não corresponde à própria expectativa ou à própria preferência. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
A ideia da formação estética, ao contrario — como a derivamos de Schiller — reside justamente em não mais vigorar nenhum padrão de conteúdo e em dissolver a unidade de filiação da obra de arte com o seu mundo. Uma expressão disso é a ampliação universal da posse que a consciência formada e estética reivindica para si. Tudo a que se atribui “qualidade” é seu. Abaixo disso, não faz mais nenhuma seleção, por não ser ela mesma, e não querer ser nada onde se pudesse mensurar uma seleção. Na qualidade de CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, ela é refletida a partir de todo o gosto determinante e determinado e representa, ela mesma, um grau zero de determinação. A essa consciência não vale mais a filiação da obra de arte com seu mundo, sendo que, ao contrário, a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA é o centro que vivencia, a partir do qual se mede tudo o que é válido como arte. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
O que chamamos de obra de arte e vivenciamos esteticamente repousa, portanto, sobre um desempenho de abstração. Na medida em que não se leva em consideração tudo em que uma obra se enraíza, como seu contexto de vida originário, isto é, toda função religiosa ou profana em que se encontrava e em que possuía seu significado, é aí que se tornará visível a “pura obra de arte”. A abstração da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA produz, nesse particular, um desempenho que é, para si mesma, positivo. Permite ver e ser para si próprio aquilo que é a pura obra de arte. Denomino esse seu desempenho a “diferenciação estética”. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Esses momentos podem ser suficientemente significantes, na medida em que incorporam a obra ao seu mundo e só com isso determinam toda a abundância do significado, que lhe é próprio originariamente. Mas a natureza artística da obra tem de se diferenciar de tudo isso. E o que justamente define a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA que realiza justo essa diferença entre o que está intencionado (Gemeinte) esteticamente e tudo que é extra-estético. Faz a abstração de todas as condições de acesso sob as quais uma obra se apresenta a nós. Uma tal diferenciação é pois, ela mesma, especificamente estética. Diferenciada a qualidade estética de uma obra, de todos os momentos que refiram conteúdo, que nos determinam a uma tomada de posição moral, religiosa e também quanto ao conteúdo. Da mesma forma, diferencia nas artes reprodutivas, o original (a poesia, a composição) de sua execução, e isso de tal maneira que tanto o original, em face da reprodução, como a reprodução em si, diferentemente do original ou de outras possíveis versões, pode ser o intencionado estético. O que perfaz a soberania da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, é poder realizar por toda parte uma tal diferenciação e poder ver tudo “esteticamente”. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
E por isso que a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA tem o caráter da simultaneidade, por reivindicar que nela se congregue tudo o que tem valor de arte. A forma de reflexão em que ela se movimenta, enquanto estética, bem por isso, não é somente uma forma presente. Pois na medida em que a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA eleva em si à simultaneidade, tudo a que empresta validade determina a si mesma ao mesmo tempo como uma consciência histórica. Não somente por incluir o conhecimento histórico, e por utilizá-lo como sinal distintivo — a dissolução de todo gosto que tem determinação de conteúdo, e que lhe é próprio, do ponto de vista estético, mostra-se também expressamente, na criação do artista, na conversão em algo histórico. A imagem da história, que não deve sua origem a uma necessidade de representação (Darstellung) contemporânea, mas sim à representation a partir da reflexão retroativa histórica, o romance histórico, principalmente, porém, as formas historiadoras, nas quais a arte da construção do século XIX divaga ininterruptamente em reminiscências de estilo, tudo isso mostra a pertença íntima dos momentos estético e histórico na consciência da formação. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
A “diferenciação estética”, que atua como CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, produz para si mesma uma própria existência externa. Comprova sua produtividade na medida em que prepara, para a simultaneidade, os seus devidos lugares, a “biblioteca universal”, no âmbito da literatura ou museu ou teatro permanente, a sala de concertos etc. Deve-se diferenciar claramente aquilo que surge agora daquilo que é mais antigo: O museu, p. ex., não é simplesmente um acervo que se tornou público. Mais do que isso, os antigos acervos espelhavam (nas cortes e nas cidades) a escolha de um determinado gosto e continham, preponderantemente, os trabalhos de uma mesma “escola”, concebida como exemplar. O museu, ao contrário, é o acervo de tais acervos e, caracteristicamente, alcança sua perfeição no encobrir seu próprio surgimento a partir desses acervos, quer através de uma reordenação histórica do conjunto, quer através da complementação mais abrangente possível. Algo semelhante pode-se apontar no teatro que devem permanente ou no empreendimento de concertos do último século, onde o repertório se distancia mais e mais do criar contemporâneo e se adequa à necessidade de uma auto-afirmação, que é característica para a sociedade instruída que sustenta essa instituição. Mesmo formas artísticas que tanto parecem resistir à simultaneidade da vivência estética, como a arte da construção, acabam sendo envolvidas por ela, quer através da moderna técnica de reprodução, quais aquelas maquetes em imagens, quer através do turismo moderno, que transforma as viagens em páginas de livros ilustrados. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
É assim que, através da “diferenciação estética”, a obra perde o seu lugar e o mundo a que pertence por se tornar parte integrante da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA. Por outro lado, a isso corresponde o fato de que também o artista perde seu lugar no mundo. Isso constata-se no descrédito daquilo a que denominamos arte por encomenda. Na consciência pública dominada pela época da arte vivencial, é preciso que se lembre expressamente que a criação ocorria por inspiração livre, sem encomenda, sem tema predeterminado, sem uma oportunidade dada, pois que na criação artística isso era caso de exceção, enquanto que nós vemos hoje o arquiteto, justamente por isso, como um fenômeno suigeneris, porque a sua produção, ao contrário dos poetas, pintores e músicos, não é independente de uma encomenda ou de uma oportunidade. O artista livre cria sem receber encomenda. Parece que o que o caracteriza é a completa independência de seu trabalho criativo, o que, por isso, lhe confere, mesmo socialmente, as feições características de um excêntrico, cujas formas de vida não podem ser mensuradas de acordo com as massas que obedecem aos costumes públicos. O conceito da boêmia, que surgiu no século XIX, espelha esse processo. A terra natal das pessoas itinerantes torna-se um termo genérico para o estilo de vida do artista. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Ao mesmo tempo, porém, o artista, que é tão “livre como um pássaro ou peixe”, é onerado com uma profissão que o torna uma figura ambígua. Pois uma sociedade instruída, despojada de suas tradições religiosas, logo espera da arte mais do que corresponde à CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, sob o “critério da arte”. A exigência romântica de uma nova mitologia, como é propalada por F. Schlegel, Schelling, Hölderlin e pelo jovem Hegel, mas, por exemplo e da mesma forma, presente nos ensaios e reflexões artísticas do pintor Philipp Otto Runge, dá ao artista e à sua tarefa no mundo a consciência de uma nova consagração. Torna-se algo como um “salvador secular” (Immermann), cujas criações, no miúdo, devem produzir a reconciliação da ruína, pela qual o mundo que se perdeu espera. Essa reivindicação determina desde então a tragédia do artista no mundo. Porque o resgate que a reivindicação encontra é sempre e apenas algo particular. Isso, porém, significa, na verdade, provar o contrário. A busca experimental por novos símbolos ou por uma nova “saga”, que a tudo vincule, pode, sem dúvida, congregar um público ao seu redor ou criar uma comunidade. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
1.3.2. Crítica da abstração da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Voltemo-nos agora para o conceito da diferenciação estética, cuja configuração formativa já descrevemos, e desenvolvemos as dificuldades teóricas que se encontram, no conceito do estético. A abstração ao “estético puro” suspende claramente a si mesma. Isso me parece tornar-se nítido na mais consequente tentativa de desenvolver ao final das diferenciações kantianas uma estética sistemática, o que devemos agradecer a Richard Hamann. Essa tentativa de Hamann notabiliza-se pelo fato de que ele realmente se reporta à intenção transcendental de Kant, demolindo assim o padrão unívoco da arte vivencial. Na medida em que elabora regularmente o momento estético onde quer que o encontre, surgem também formas especiais vinculadas a um fim, como a arte monumental ou a arte do cartaz, a reclamar seu direito estético. Mas também aqui, Hamann apega-se à sua tarefa da diferenciação estética. Pois nela diferencia o estético das relações extra-estéticas, nas quais a situação é a mesma, como a que nós podemos dizer também fora da experiência da arte, que alguém se comporta esteticamente. Portanto, restituir-se-á ao problema da estética sua inteira abrangência e restabelecer-se-á o questionamento transcendental que fora abandonado pelo ponto de partida da arte e pela sua separação entre a bela aparência e a rude realidade. À vivência estética é indiferente se o seu objetivo é ou não real, se a cena é o palco ou a vida. A CONSCIÊNCIA ESTÉTICA possui uma soberania ilimitada sobre tudo. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Essa crítica à doutrina da percepção pura, que se fez a partir da experiência pragmática, foi tornada, por Heidegger, em algo fundamental. Com isso, ela passa a ter validade também para a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, embora aqui o ver simplesmente não “faça vista grossa” sobre o que é visto, p. ex., com relação à sua utilidade geral para algo, mas demorar-se no aspecto. O olhar (Schauen) demorado e o perceber não são simplesmente um ver o puro aspecto, mas continuam sendo, eles próprios, um aprender como… O gênero de ser do que foi concebido (Vernommen) esteticamente não é ocorrência (Vorhandenheit). Onde se trata de uma representação significante, p. ex., em obras da arte plástica, desde que não sejam abstratas-desprovidas-de-objeto, a significância para o ler do aspecto é claramente norteadora. Só quando “reconhecemos” o que está representado, podemos “ler” uma pintura, só então é que ela é, no fundo, uma pintura. Ver significa subdividir desmembrando. Enquanto ficamos testando formas variáveis de agrupamento ou ficamos oscilando entre elas, como no caso de certos quadros enigmáticos, ainda não conseguimos ver o que é. Um quadro enigmático é, ao mesmo tempo, a eternização artística de tal oscilar, o “tormento” do ver. Algo semelhante a isso ocorre com a obra de arte linguística. Só quando entendemos um texto — portanto, quando, pelo menos, dominamos a linguagem de que se trata — , é que poderá ser uma obra de arte linguística para nós. Mesmo quando, por exemplo, escutamos a música absoluta, é necessário que a “entendamos”. E somente quando a entendemos, quando ela se torna “clara” para nós, é que vem a ser para nós uma configuração artística. Assim, embora a música absoluta seja, como tal, uma pura mobilidade da forma, uma espécie de matemática toante, onde não há conteúdo objetivamente significativo que possamos perceber, não obstante o entender mantém uma relação para com o que é significativo. A indeterminação dessa relação é que representa a relação específica de significado de uma tal música. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Ao que me parece, Kierkegaard já comprovou a insustentabilidade dessa posição, ao reconhecer a consequência destrutiva do subjetivismo, e ao ser o primeiro a descrever a autodestruição da imediaticidade estética. Sua doutrina do estágio estético da existência foi projetada do ponto de partida do ético, a quem se tornou patente a impossibilidade de salvação e a insustentabilidade de uma existência na pura imediaticidade e descontinuidade. Por isso, seu ensaio crítico é de um significado fundamental, pois a crítica apresentada aqui, referente à CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, revela as contradições internas da existência estética, de tal modo que esta está necessitada de ir além de si mesma. Na medida em que o estágio estético da existência se mostra em si insustentável, reconhece-se que o fenômeno da arte coloca uma tarefa à existência: a de, em face da atualidade exigente e arrecadadora da respectiva impressão estética, alcançar a continuidade da auto-evidência, que somente a existência humana (Dasein) pode sustentar. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
O panteão da arte não é uma atualidade independente do tempo, que se apresenta à pura CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, mas o fato de um espírito histórico que se concentra e se congrega. Também a experiência estética é uma forma de compreender-se. Todo compreender-se se completa, porém, em algo diferente do que aí se compreende, e inclui a unidade e a mesmidade desse diferente. Uma vez que encontramos no mundo a obra de arte e em cada obra de arte individual um mundo, este não continua a ser um universo estranho em que, por encantamento, estamos à mercê do tempo e do momento. Nele, mais do que isso, aprendemos a nos compreender, e isso significa que suspendemos a descontinuidade e a pontualidade da vivência na continuidade da nossa existência. O que importa, por isso, é chegar a um ponto de partida, com relação ao belo e à arte que não pretenda a imediaticidade, mas que corresponda à realidade histórica do homem. A invocação à imediaticidade, ao que for genial no momento, ao significado da “vivência”, não poderá resistir à reivindicação da existência humana à continuidade e à unidade do que é auto-evidente. A experiência da arte não poderá ser comprimida no descomprometimento da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
O conceito da “cosmovisão”, que nos é familiar e que surge pela primeira vez em Hegel, na Fenomenologia do Espíritom, para caracterizar a complementação postulatória da experiência ética fundamental em uma ordem moral do mundo, de Kant e de Fichte, só irá encontrar sua genuína cunhagem na estética. É a multiplicidade e a possível mudança das cosmovisões que acabou emprestando ao conceito “cosmovisão” esse tom com que estamos familiarizados. Nesse sentido, porém, o exemplo condutor é a história da arte, porque essa multiplicidade histórica não se deixa suspender na unidade de uma meta do progresso, voltada para a verdadeira arte. É verdade que Hegel só conseguiu reconhecer a verdade da arte devido ao fato de tê-la sobrepujado com o saber conceitual da filosofia, e construiu a história das cosmovisões, bem como a história mundial e a história da filosofia, a partir de uma completa autoconsciência do presente. Também nisso, porém, não se pode ver apenas que seja um desvio do caminho, já que, com isso, se ultrapassa o campo do espírito subjetivo. Nessa ultrapassagem reside um momento da verdade permanente do pensamento de Hegel. É verdade que, na medida em que a verdade do conceito, através disso, se torna todo-poderosa e suspende em si toda experiência, a filosofia de Hegel desautoriza, ao mesmo tempo e novamente, o caminho da verdade, que reconhecera na experiência da arte. Se procurarmos defender esse caminho no que lha cabe de razão, teremos de prestar conta, por princípio, ao que, aqui, se chama de verdade. São as ciências do espírito no seu conjunto onde se terá de ir encontrar uma resposta para essa pergunta. Pois estas não querem suplantar, mas compreender a variabilidade de todas as experiências, quer seja variabilidade da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA ou histórica, quer a da consciência religiosa ou política, o que, porém, significa: exceder-se em sua verdade. Ainda vamos pormenorizar essa questão de como Hegel e o que há de evidente nas ciências do espírito, o que representa a “escola histórica”, se comportam reciprocamente, e de como se reparte a ambos os lados, o que possibilita uma compreensão adequada daquilo que denominamos a verdade das ciências do espírito. Não poderemos fazer justiça ao problema da arte do ponto de vista da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, mas apenas do ponto de vista dessa moldura mais ampla. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
No início demos apenas um primeiro passo nessa direção ao procurar corrigir a auto-interpretação da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA e ao renovarmos a indagação com respeito à verdade da arte, a favor da qual a experiência estética representa um testemunho. O que nos importa, portanto, é ver a experiência da arte de tal maneira que venha a ser entendida como experiência. A experiência da arte não deve ser falsificada como um fragmento da formação estética que está na sua posse e, com isso, não deve ter neutralizada sua reivindicação própria. Veremos que nisso reside uma consequência hermenêutica de longo alcance, na medida em que todo encontro com a linguagem da arte é um encontro com um acontecimento não acabado e, ela mesma, uma parte desse acontecimento. É a isso que se tem de pôr em relevo contra a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA e contra a sua neutralização da questão da verdade. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Para fazer justiça à experiência da arte, iniciamos com a crítica da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA. A experiência da arte confessa, de si mesma, que não consegue apreender num conhecimento definitivo a verdade consumada daquilo que experimenta. Aqui não existe, por assim dizer, nenhum progresso de per si, e nenhum esgotamento definitivo daquilo que se encontra numa obra de arte. A experiência da arte sabe disso por si mesma. Seja como for, o que importa é não simplesmente admitir o que a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA pensa como sua experiência. Porque ela a pensa, como vimos, em consequência extrema, como a descontinuidade das vivências. No entanto, consideramos como inaceitável essa consequência. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Se quisermos saber o que é a verdade nas ciências do espírito, teremos então de dirigir a questão da filosofia ao conjunto dos procedimentos das ciências do espírito, da mesma forma que Heidegger a dirigiu à metafísica e tal qual nós a dirigimos à CONSCIÊNCIA ESTÉTICA. Não iremos ter de aceitar a resposta da auto-evidência das ciências do espírito, mas teremos de indagar o que é, na verdade, a sua compreensão. Na preparação dessa pergunta de longo alcance o que poderá servir, em especial, será a indagação sobre a verdade da arte, justamente porque inclui a compreensão da experiência da obra de arte, ou seja, representa até mesmo um fenômeno hermenêutico, e não, certamente, no sentido de um método científico. A compreensão pertence, antes, ao próprio encontro com a obra de arte, de maneira que apenas do ponto de vista do modo de ser da obra de arte é que se pode aclarar essa pertença. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Para isso, escolhemos, como primeiro ponto de partida, um conceito que desempenhou importante papel na estética: o conceito do jogo. No entanto, o que nos importa é libertar esse conceito de seu significado subjetivo, que apresenta em Kant e em Schiller e que domina toda a nova estética e toda a nova antropologia. Quando, em correlação com a experiência da arte, falamos de jogo, jogo não significa aqui o comportamento ou muito menos o estado de ânimo daquele que cria ou daquele que usufrui e, sobretudo, não significa a liberdade de uma subjetividade que atua no jogo, mas o próprio modo de ser da obra de arte. Havíamos reconhecido na análise da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA que a contraposição de uma CONSCIÊNCIA ESTÉTICA e de um objeto não corresponde ao estado das coisas. É esse o motivo por que nos é importante o conceito do jogo. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Nossa indagação quanto à natureza do próprio jogo não poderá, por isso, encontrar nenhuma resposta, se é que a estamos esperando da reflexão subjetiva de quem joga. Em vez disso perguntamos pelo modo de ser do jogo como tal. Já tínhamos visto que não é a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, mas a experiência da arte e, com isso, a questão pelo modo do ser da obra de arte que terá de ser objeto de nossa ponderação. Mas justo isso a experiência da arte, que temos de fixar contra a nivelação da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, ou seja, que não é um objeto que se posta frente ao sujeito que é por si. A obra de arte tem, antes, o seu verdadeiro ser em se tornar uma experiência que irá transformar aquele que a experimenta. O “sujeito” da experiência da arte, o que fica e persevera, não é a subjetividade de quem a experimenta, mas a própria obra de arte. Encontra-se aí justamente o ponto em que o modo de ser do jogo se torna significante. Pois o jogo tem uma natureza própria, independente da consciência daqueles que jogam. O jogo encontra-se também lá, sim, propriamente lá onde nenhum ser-para-si da subjetividade limita o horizonte temático e onde não existem sujeitos que se comportam ludicamente. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
A isso podemos dar agora a forma que opomos à diferenciação estética, ao elemento constitutivo real da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, a “indiferenciação estética”. Com isso, tornou-se claro: o que é imitado na imitação, formulado pelo poeta, representado pelo ator, reconhecido pelo espectador, é de tal modo o que se tem em mente (Gemeinte), aquilo onde reside o significado da representação, que a formulação poética ou o desempenho da representação nem chegam a ser realçados. Onde se diferencia, o que se diferencia é a matéria de sua formulação, a composição poética de sua “concepção”. Mas essas diferenciações são de natureza secundária. O que o ator representa e o espectador reconhece são as formulações e a própria ação, tal qual foram pensadas pelo poeta. Temos aqui uma dupla mimesis: o poeta representa e o ator representa. Mas justamente essa dupla mimesis é una: O que se torna existência em um e no outro é a mesma coisa. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
A ideia de uma única representação correta, em face da finitude da nossa existência histórica, possui, ao que parece, algo que é um contra-senso. Ainda voltaremos a falar disso, numa outra correlação. Aqui, a conjuntura evidente, de que toda representação quer ser correta, serve apenas para confirmar, que a não diferenciação entre a intermediação e a obra ela mesma, é a verdadeira experiência da obra. Que a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA sabe como realizar a diferenciação estética entre a obra e a sua intermediação, em geral somente na forma da crítica, portanto, aí onde essa intermediação malogra, está de acordo com isso. A intermediação é, de acordo com a sua ideia, total. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
A intermediação total significa que o intermediante, enquanto intermediante, suspende-se. Isso quer dizer que a reprodução (no caso de peça teatral ou de música, mas também na palestra épica ou lírica), não será, como tal, temática, mas através dela, perpassando-a, e nela, a obra torna-se representação. Veremos que a mesma coisa vale para o caráter de acesso e de encontro, em que, construções e quadros se representam. Também aqui o acesso, como tal, não será ele mesmo temático, mas, ao contrário, também não é o caso de que se tenha de abstrair dessas relações de vida, a fim de compreender a própria obra. Antes, está nelas próprias. O fato de que existem obras que se originam num passado, do qual penetram no presente como monumentos duradouros, ainda não torna o seu ser, nem de longe, um objeto da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA ou histórica. Enquanto mantêm-se em suas funções, elas são contemporâneas a todo e qualquer presente. Mesmo quando, como obras de arte, ainda somente encontram seu lugar nos museus, não estão totalmente alheados de si mesmas. Não somente porque uma obra de arte jamais deixa apagar inteiramente os indícios de sua função originária, tornando possível ao perito, em reconhecendo-as, vir a restaurá-la, — a obra de arte, que recebe a indicação de seu lugar na justaposição de uma galeria, continua a ser sempre uma origem própria. Dá validade a si mesma, e como o faz — ao “matar” uma outra ou tornar-se bom complemento de uma outra — é algo ainda de si mesma. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Com isso repetem-se no fundo as aporias da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA que apresentamos acima. Pois é justamente a continuidade que tem de produzir toda compreensão do tempo, mesmo quando se trata da temporalidade da obra de arte. É aqui que o mal-entendido que se deu com a exposição ontológica do horizonte do tempo de Heidegger se vinga. Em vez de reter o sentido metodológico da análise existencial da pre-sença, procura-se tratar essa temporalidade existencial e histórica da pre-sença, determinada pela cura, pelo preceder a morte, isto é, pela finitude radical, como uma entre outras possibilidades de compreensão da existência, esquecendo além do mais que o que se revela aqui como temporalidade é o próprio modo de ser da compreensão. Querer distinguir a verdadeira temporalidade da obra de arte, como “tempo sagrado”, do tempo decadente e histórico, não passa, na verdade, de um mero reflexo da experiência humano-finita da arte. Somente uma teologia bíblica do tempo, cujo saber não procede do ponto de vista da autocompreensão humana mas da revelação divina, poderia falar de um “tempo sagrado” e legitimar teologicamente a analogia entre a a-temporalidade da obra de arte e esse “tempo sagrado”. Sem essa legitimação teológica, o discurso sobre o “tempo sagrado” encobre o verdadeiro problema que reside não no fato de a obra de arte poder subtrair-se ao tempo mas na sua temporalidade. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Nosso ponto de partida foi que o verdadeiro ser do espectador, que faz parte do jogo da arte, do ângulo da subjetividade, não pode ser adequadamente compreendido como uma forma de comportamento da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA. Mas isso não deve significar que também não se possa descrever a natureza do espectador a partir daquele tomar-parte (Dabeisein), a que demos relevo. Tomar-parte, como um desempenho subjetivo do comportamento humano, tem o caráter do estar-fora-de-si. No seu Fedro Platão já assinalou a incompreensão com que se costuma ignorar, com base na sensatez racional, a estética do estar-fora-de-si (Aussersichsein), quando nisso se vê uma mera negação do estar-em-si (Beisichsein), portanto, uma espécie de loucura. Na verdade, o estar-fora-de-si é a possibilidade positiva de se tomar parte inteiramente em alguma coisa. Um tal tomar-parte tem o caráter de um auto-esquecimento. Perfaz a natureza do espectador, o fato de estar entregue a uma visão, totalmente esquecido de si. O auto-esquecimento é, aqui, tudo, menos um estado privativo, pois procede da dedicação à causa, o que o espectador realiza como sendo seu desempenho positivo e próprio. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Seja como for, a “simultaneidade” convém ao ser da obra de arte. Ela perfaz a natureza do “tomar-parte”. Não é a simultaneidade da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA. Pois essa simultaneidade significa o ser-ao-mesmo-tempo e a igual-validade (Gleich-Gültigkeit) de diversos objetos estáticos da vivência numa consciência. A “simultaneidade”, ao contrário, significa aqui que algo individual, por mais remota que seja sua origem, na sua representação, alcança plena atualidade. A simultaneidade não é, pois, uma forma de acontecimento na consciência, mas uma tarefa para a consciência e um desempenho que será exigido dela. É constituída de maneira a se prender de tal forma à coisa em causa que esta se torna “simultânea”, o que significa, porém, que toda intermediação é subsumida em total atualidade. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Esse conceito da simultaneidade se origina, como se sabe, em Kierkegaard, que lhe deu um cunho especialmente teológico. Simultâneo, em Kierkegaard, não quer dizer ser-ao-mesmo-tempo, mas, formula a tarefa, que é proposta aos crentes, ou seja, de intermediar entre si aquilo que não é ao-mesmo-tempo, como a própria presença e a salvação de Cristo, de tal maneira pleno, que elas, apesar de tudo, possam ser experimentadas e levadas a sério como algo presente (em vez do distanciamento de outrora). Pelo contrário, a concomitância da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA repousa no encobrimento da tarefa que foi proposta com a simultaneidade. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Desta análise do trágico não extraímos apenas o fato de que aqui se trata de um conceito fundamental da estética, na medida em que o distanciamento do ser do espectador pertence à essência do trágico — mais importante é que o distanciamento do ser do espectador, que determina o modo de ser do estético, não contém algo como a “diferenciação estética”, que tínhamos reconhecido como o traço essencial da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA. O espectador não se comporta no distanciamento da consciência, que usufrui da arte da representação, mas sim na comunhão do tomar parte (Dabeisein). O genuíno centro de gravidade do fenômeno trágico reside, ao cabo, naquilo que está sendo representado e reconhecido e no qual, obviamente, a participação não pode ser aleatória. Por mais que o espetáculo teatral trágico, que é encenado solenemente no teatro, represente uma situação de exceção na vida de cada um, não é, certamente, como uma vivência aventuresca e não produz uma embriaguez de perplexidade, da qual redespertamos para o nosso verdadeiro ser, más a elevação e a comoção que se [138] apossam do espectador aprofundam, na verdade, sua continuidade consigo mesmo. A nostalgia trágica provém do autoconhecimento com que é contemplado o espectador. Reencontra-se a si mesmo na situação trágica, porque é seu próprio mundo, conhecido a partir da tradição religiosa ou histórica, que assim vem ao seu encontro, e ainda que para uma tomada de consciência posterior — certamente já a de Aristóteles, mais ainda a de Sêneca ou de Corneille — essa tradição já não possua mais caráter obrigatório, na atuação subsequente de tais obras e temas trágicos, encontra-se mais do que a manutenção da validade de um modelo literário. Não pressupõe apenas que o espectador ainda esteja familiarizado com a saga, inclui também o fato de que sua linguagem ainda o alcance realmente. Somente assim o encontro com tais temas e com tais obras trágicas poderá se tornar um auto-encontro. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Ela poderá apelar, especialmente, para aquilo que, segundo o uso da linguagem corrente, se chama um “quadro”. Sob essa designação, entendemos, sobretudo, o quadro de parede contemporâneo, que não está fixado em lugar determinado, e cercado pela moldura, a si mesmo se representa inteiramente — possibilitando, por isso mesmo, uma justaposição ao gosto de cada um, tal qual se vê na galeria moderna. Um tal quadro, ao que parece, não tem absolutamente nada em si da dependência objetiva de intermediação, que realçamos na obra literária e na música. Esse quadro, que é pintado exclusivamente para a exposição ou galeria, o que foi se tornando regra com o recuo da arte por encomenda, vem claramente ao encontro da exigência de abstração da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, bem como da teoria da inspiração, que foi formulada na estética do gênio. O quadro parece pois dar razão à imediaticidade da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA. É como se fosse a principal testemunha com relação à sua exigência universal e não se trata, visivelmente, de nenhuma coincidência casual o fato de que a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, que desenvolve o conceito da arte e do artístico como forma de concepção de configurações tradicionais, e que, com isso, realiza a diferenciação estética, é simultânea com a criação de acervos que reúnem no museu tudo o que, nesse sentido, estamos vendo. Com isso, tornamos toda obra de arte ao mesmo tempo num quadro; ao livrá-la de todas as suas relações vitais e do que há de especial nas suas condições de acesso, como um quadro, colocamo-la cercada por uma moldura e penduramo-la igualmente na parede. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
A questão pelo modo de ser do quadro, que colocamos aqui, indaga por algo que é comum a toda diversidade de modos de apresentação do quadro. Com isso, ela dedica-se a uma abstração. Mas essa abstração não é nenhuma arbitrariedade da reflexão filosófica, mas algo que ela encontra realizado pela CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, para a qual tudo que se deixa subordinar à técnica de imagem da atualidade, no fundo, torna-se quadro. Nessa aplicação do conceito do quadro não se encontra, certamente, nenhuma verdade histórica. A atual pesquisa artístico-histórica poderá nos instruir de uma forma abundante, sobre o fato de que, isso a que chamamos quadro possui uma história diferenciada. No fundo, a plena “soberania do quadro” diz respeito somente ao conteúdo do quadro (Theodor Hetzer) da fase de desenvolvimento da pintura ocidental, alcançada pela alta renascença. Somente aqui passamos a ter quadros que se estabelecem por si mesmos e que, sem moldura e sem o emolduramento do ambiente, já são, a partir de si, configurações unitárias e fechadas. Podemos, por exemplo, na exigência da concinnitas, que L.B. Alberti impõe ao quadro, reconhecer uma boa expressão teórica do novo ideal de arte, que determina a configuração dó quadro na Renascença. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
O conceito de quadro dos últimos séculos não certamente pode valer como um ponto de partida evidente. A presente investigação quer, antes, libertar-se dessa pressuposição. Ela gostaria de propor, para a maneira de ser do quadro, uma forma de concepção que o libere da relação com a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA e com o conceito de quadro, com os quais nos acostumou a galeria moderna e que o congregue de novo com os conceitos do “decorativo”, desacreditados pela vivencia-estética. Se nisso vierem a coincidir com a mais recente pesquisa da história da arte, que deu um fim aos ingênuos conceitos de quadro e de escultura, que dominavam na época da arte vivencial, não somente a consciência não será, certamente, casual. Antes, a mesma crise do quadro está no fundamento da pesquisa científica da arte como na reflexão filosófica, crise que provocou a atualidade do estado industrial e administrativo moderno e sua vida pública funcional. Somente a partir do momento em que não temos mais lugar para quadros, voltamos a saber que os quadros não são somente quadros, mas que requerem lugar. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Em contrapartida ao modo de pensar da mais recente estética, tínhamos desenvolvido acima o conceito do jogo como o genuino acontecimento da arte. Essa tentativa veio agora a se confirmar no fato de que, também o quadro — e com isso o conjunto da arte não dependente de re-produção — é um acontecimento do ser e, por isso, não pode ser adequadamente entendido como objeto de uma CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, mas, antes, [149] pode ser compreendido em sua estrutura ontológica, a partir de fenômenos como o da re-presentação. O quadro é um acontecimento do ser — nele o ser torna-se um fenômeno sensorial-visível. A originalidade da imagem, portanto, não se limita à função “retratante” do quadro — e, assim, também não ao domínio particular da pintura e das artes plásticas “objetivas”, do qual, por exemplo, a arte da construção ficaria totalmente excluída. A originalidade da imagem é, antes, um momento da essência, que encontra seu fundamento no caráter de representação da arte. A “idealidade” da obra de arte não pode ser determinada através da relação com uma ideia como um ser a ser imitado, reproduzido, senão que, como diz Hegel, como o “aparecer” da própria ideia. A partir do fundamento de uma tal ontologia do quadro, torna-se infundada a primazia do quadro pintado sobre madeira, que faz parte de um acervo de pinturas e que corresponde à CONSCIÊNCIA ESTÉTICA. O quadro guarda, antes, uma relação indissolúvel com o seu mundo. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Se partirmos do fato de que a obra de arte não pode ser compreendida do ponto de vista da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, muitos fenômenos, que assumem uma posição marginal para a mais recente estética, perdem o seu caráter problemático, e até se deslocam para o centro de um questionamento “estético”, que não se reduz através de uma forma artificial. O que estou querendo dizer são fenômenos como o portrait, a poesia em homenagem a, ou mesmo a alusão feita na comédia contemporânea. Os conceitos estéticos portrait, em homenagem a e alusão são, eles próprios, naturalmente, formados pela própria CONSCIÊNCIA ESTÉTICA. O que há de comum nesses fenômenos apresenta-se, para a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, no caráter da ocasionalidade, que tais formas de arte por si mesmas reivindicam. Ocasionalidade quer dizer que o significado continua se determinando, quanto ao conteúdo, a partir da ocasião em que ele é pensado, de maneira que ele contém mais do que sem essa ocasião. Assim, o portrait contém uma relação com o representado, para a qual não temos de deslocá-lo primeiro, mas que é intensionado expressamente na própria representação, caracterizando-o como portrait. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
As obras em quadro, que são monumentos religiosos ou profanos, dão, por isso, testemunho da valência universal do ser do quadro, com maior nitidez do que o portrait íntimo. Pois é sobre essa valência que repousa a sua função pública. Um monumento contém o que nele está representado, numa atualidade específica, que evidentemente é algo muito diferente do que a atualidade da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA. Não vive apenas da capacidade de expressão autônoma do quadro. Isso é o que ensina já o fato de que, também coisas diferentes dos quadros, p. ex., símbolos ou inscrições, podem assumir a mesma função. A premissa é sempre a reconhecibilidade daquilo que deve ser lembrado através do monumento, e igualmente o seu presente potencial. É assim que as figuras dos deuses, do rei, o monumento, que são apresentados a alguém pressupõem que o Deus, o rei, o herói, ou o acontecimento, a vitória ou o tratado de paz, já possuam uma atualidade determinante para todas as atualidades. O quadro que os representa, nesse caso, não atua diferente de uma inscrição, p. ex., mantêm-nos presentes nesse seu significado geral. Seja como for — quando se trata de uma obra de arte, isso não significa apenas que esse significado pressuposto acrescenta alguma coisa, mas também que pode falar de si próprio e que, com isso, se torna independente do prévio conhecimento que traz em si. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Nesse sentido, parece-me de uma força de comprovação decisiva o fato de que mesmo uma pura CONSCIÊNCIA ESTÉTICA conhece o conceito da profanação. Ainda sente a destruição de obras de arte como um sacrilégio. (A palavra sacrilégio vive hoje ainda quase que somente no emprego de “sacrilégio-da-arte”.) Para a moderna religião da formação estética, isto é um traço característico, a que se poderia acrescentar vários outros testemunhos. É assim que, p. ex., também a palavra “vandalismo”, que, em si, recua até a Idade Média, veio a ser propriamente aceita somente na reação às destruições praticadas pelos jacobinos na Revolução Francesa. A destruição de obras de arte é como uma violação de um mundo protegido pela sacralidade. Portanto, nem mesmo uma CONSCIÊNCIA ESTÉTICA que tenha se tornado autônoma poderá negar que a arte é mais do que ele próprio quer ter por verdadeiro. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Em conjunto com as investigações lógicas sobre a essência da expressão e do significado, que foram realizadas nas últimas décadas, a estrutura da referência, que pertence a todas essas formas de representação, foi elaborada de uma maneira especialmente intensa. Lembremo-nos aqui dessas análises, embora com outra intenção. O que nos importa, de momento, não é o problema do significado, mas a essência do quadro. Queremos compreender sua peculiaridade, sem nos deixar enganar pela abstração exercida pela CONSCIÊNCIA ESTÉTICA. Por essa razão, importa passar em revista esses fenômenos da referência, para fixar o que lhes é comum e o que os difere. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Ela não é tal, se apenas estiver de qualquer modo, em algum lugar qualquer, como um edifício que comprometesse a paisagem, mas somente o é quando representa a solução de uma “tarefa arquitetônica”. Por isso a também ciência da arte só considera os edifícios que contêm algo que mereça sua consideração, e chama-os de “monumentos arquitetônicos”. Quando um edifício é uma obra de arte, não representa somente a solução artística de uma tarefa arquitetônica, proposta pelo contexto de finalidade e de vida a que a obra pertence originariamente, senão que, de uma certa forma, a solução mantém também esse contexto, de maneira que ele está ali de modo patente, ainda que sua manifestação atual esteja já muito afastada de sua determinação de origem. Há algo nele que alude ao original. E quando essa determinação original se tornou completamente irreconhecível, ou a sua unidade acaba por romper-se ao cabo de tantas transformações em sucessivos tempos, o próprio edifício se torna incompreensível. A arte arquitetônica, a mais estatuária de todas as espécies de arte, é a que torna mais patente até que ponto a “distinção estética” é secundária. Um edifício não é nunca primariamente uma obra de arte. A determinação do objetivo, pelo qual ele se integra no contexto da vida, não pode separar-se dela, sem que perca algo de sua própria realidade. Se ele for ainda apenas objeto de uma CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, sua realidade será pura sombra e já não vive mais senão sob a forma degenerada do objeto turístico ou de reprodução fotográfica. A “obra de arte em si” se apresenta como uma pura abstração. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Se se observa desse modo, a gama completa das tarefas decorativas que se impõem à arquitetura, não será difícil de reconhecer que o preconceito da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, nelas, chega ao fracasso, do modo mais evidente, já que, segundo ela, a verdadeira obra de arte seria aquilo que, abstraído de todo espaço e de todo tempo, representa o objeto de uma vivência estética na presença do vivenciar. Na arquitetura torna-se inquestionável, que é necessário revisar a diferenciação habitual entre a obra de arte autêntica e a simples decoração. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Há que se colocar isso em prova agora, igualmente, no exemplo de se saber, se o aspecto ontológico que temos elaborado até aqui se estende também ao modo de ser da literatura. Aqui já não parece haver nenhuma representação que pudesse reivindicar uma valência ôntica própria. A leitura é um processo da pura interioridade. Nela parece consumada a liberação com respeito a toda ocasião e contingência, como se encontram na conferência pública ou na encenação. A única condição, sob a qual se encontra a literatura, é a transmissão linguística e seu cumprimento na leitura. Será que a diferenciação estética não encontrará, com o fato de que a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA se afirma a si mesma ante a obra, uma legitimação na autonomia da consciência ontológica. De qualquer livro não somente daquele afamado — pode-se dizer que é para todos e para ninguém. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Ou talvez não exista aqui um limite tão restrito? Existem obras científicas, que através de sua qualidade literária conquistaram a exigência de ser honradas como obras da arte literária, e de ser contadas entre a literatura universal. Do ponto de vista da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA isto é evidente na medida em que a referida consciência considera decisivo na obra de arte não o significado do conteúdo, mas unicamente a qualidade de sua formulação. Porém, na medida em que nossa crítica à CONSCIÊNCIA ESTÉTICA restringiu fundamentalmente o alcance deste ponto de vista, este princípio de delimitação entre arte literária e literatura tornar-se-á duvidoso. Já havíamos visto que nem sequer a obra de arte poética poderá ser concebida na sua verdade essencial, aplicando-lhe o padrão da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA. O que a obra poética tem em comum com todos os demais textos literários é que ela nos fala a partir do significado de seu conteúdo. Nossa compreensão não se volta especificamente para o desempenho de formulação, que lhe convém como obra de arte, mas para o que nos diz. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
A disciplina clássica, que se ocupa da arte de compreender textos, é a hermenêutica. Se nossas ponderações são corretas, o verdadeiro problema da hermenêutica terá que se colocar, no entanto, de uma maneira totalmente diferente da habitual. Terá de apontar na mesma direção em que nossa crítica à consciência estática havia deslocado o problema da estética. A hermenêutica teria, até, de ser entendida então de uma maneira tão abrangente que teria de incluir em si toda esfera da arte e seu questionamento. Qualquer obra de arte, não apenas as literárias, tem que ser compreendida no mesmo sentido em que [170] se tem de compreender qualquer outro texto, e esse compreender requer gabarito para tal. Com isso a consciência hermenêutica adquire uma extensão tão abrangente, que ultrapassa a da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA. A estética deve subordinar-se à hermenêutica. E este enunciado não se refere meramente à periferia do problema, mas vale antes de tudo para o conteúdo. E, inversamente, a hermenêutica tem de determinar-se, em seu conjunto, de maneira que faça justiça à experiência da arte. A compreensão deve ser entendida como parte da ocorrência de sentido, em que se formula e se realiza o sentido de todo enunciado, tanto dos da arte como dos de qualquer outro gênero de tradição. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Reconhecemos agora que foi precisamente esse movimento especulativo, o que tivemos em mente tanto na crítica da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, como na da consciência histórica, com que iniciamos a nossa análise da experiência hermenêutica. O ser da obra de arte não era um ser em si, do qual se distinguisse sua reprodução ou a contingência de sua manifestação; somente em uma tematização secundária, tanto de um como de outro, pode chegar a essa “distinção estética”. Tampouco o que vem ao encontro de nosso conhecimento histórico, a partir da tradição ou como tradição — histórica ou filológicamente — , o significado de um evento ou o sentido de um texto era um objeto em si, fixo, que se tivesse meramente que constatar. Também a consciência histórica encerrava em si, na realidade, a mediação de passado e presente. Ao reconhecer a linguisticidade como o médium universal dessa mediação, nossa colocação de seus pontos de partida concretos, a critica à CONSCIÊNCIA ESTÉTICA e histórica, e a hermenêutica que se teria que pôr em seu lugar, adquiriu a dimensão de um questionamento universal. Pois a relação humana com o mundo é linguística e portanto compreensível em geral e por princípio. Nesse sentido, a hermenêutica é, como vimos, um aspecto universal de filosofia e não somente a base metodológica das chamadas ciências do espírito. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 3.
O que é hermenêutica? Gostaria de partir de duas experiências de estranhamento que encontramos no âmbito de significações que atingem nossa existência. Refiro-me à experiência de [220] estranhamento da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA e da consciência histórica. O que quero dizer com isso pode ser expresso com poucas palavras: A CONSCIÊNCIA ESTÉTICA realiza a possibilidade, cujo valor não podemos negar nem minimizar, de relacionar-nos com a qualidade de uma obra de arte de forma crítica ou afirmativa. Mas isso significa que o que decide sobre a força enunciativa e a validade do que assim julgamos é, em última instância, nosso próprio juízo. Aquilo que recusamos não tem nada a nos dizer ou então recusamo-lo justo porque não tem nada a nos dizer. É isso que caracteriza nossa relação com a arte, no sentido amplo da palavra. Como mostrou Hegel, a arte também abarca todo o mundo religioso greco-pagão, enquanto arte-religião, como modo de experimentar o divino na resposta artística do homem. Quando esse mundo da experiência no seu todo se aliena como objeto de um julgamento estético, acaba perdendo sua autoridade originária e inquestionável. Nesse sentido, é preciso reconhecer que o mundo da tradição artística, a extraordinária simultaneidade com tantos mundos humanos proporcionada pela arte, é para nós bem mais que um mero objeto de aceitação ou rejeição livre. Ao contrário, o que se apodera de nós como obra de arte já não nos dá liberdade de distanciá-lo, de aceitá-lo ou recusá-lo a partir de nós mesmos. Será também que essas criações do engenho artístico humano, atravessando os milênios, foram feitas para prestar-se a essa aceitação ou recusa estética? Todo artista das culturas religiosas do passado expunha sua obra de arte com o único objetivo de ser aceita no que ela diz e representa e como pertencente ao mundo da convivência humana. A consciência da arte, a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA é sempre uma consciência secundária. É secundária frente à imediata pretensão de verdade que provém da obra de arte. Nesse sentido, quando julgamos algo a partir do ponto de vista de sua qualidade estética, estamos deixando de lado alguma outra coisa que nos atinge muito mais intimamente. Essa alienação ao juízo estético instala-se sempre que alguém se subtrai negligentemente, quando não atende o apelo imediato do que o atinge. É por isso que um dos pontos de partida de minhas reflexões afirma que a soberania estética instalada no âmbito de experiência da arte representa uma alienação frente à verdadeira realidade da experiência que encontramos nas configurações onde se enuncia a arte. VERDADE E METODO II OUTROS 17.
Assim, quando proponho o desenvolvimento da consciência hermenêutica como uma possibilidade mais abrangente, como contraponto a essa CONSCIÊNCIA ESTÉTICA e histórica, minha intenção imediata é buscar superar a redução teórico-científica que sofreu o que chamamos tradicionalmente de “ciência da hermenêutica” pela sua inserção na ideia moderna de ciência. Na hermenêutica de Schleiermacher fez-se ouvir tanto a voz do romantismo histórico quanto os interesses do teólogo cristão, na medida em que enquanto uma teoria geral da compreensão sua hermenêutica deveria favorecer a tarefa específica da interpretação da Sagrada Escritura. E, quando nos detemos a analisar essa hermenêutica, a perspectiva de Schleiermacher para essa disciplina mostra-se peculiarmente restringida pelo pensamento moderno de ciência. Schleiermacher define a hermenêutica como a arte de evitar mal-entendidos. Decerto, essa não é uma descrição totalmente errônea do esforço hermenêutico. O estranho induz facilmente mal-entendidos, produzidos pela distância temporal, pela mudança dos costumes de linguagem, a modificação do significado das palavras e dos modos de representação. Deve-se evitar o mal-entendido pela reflexão controlada por métodos. Mas também aqui devemos perguntar do seguinte modo: Quando afirmamos que compreender significa evitar mal-entendidos, estaremos definindo adequadamente o fenômeno da compreensão? Será que todo mal-entendido não pressupõe uma espécie de “acordo latente”? VERDADE E METODO II OUTROS 17.
O que quero evocar aqui não é nada mais que um fragmento da experiência vital. Dizemos, por exemplo: A compreensão e o mal-entendido se dão entre um eu e um tu. Mas já a simples formulação “um eu e um tu” testemunha uma alienação impressionante. Isso simplesmente não existe. Não existe nem “o” eu nem “o” tu. Existe apenas um eu que diz “tu” e que diz “eu” frente a um tu. Mas essas são situações já sempre precedidas pelo entendimento. Como sabemos, poder chamar o outro de “tu” pressupõe sempre um profundo consenso. Já existe ali um suporte permanente. Mesmo onde tentamos entender-nos a respeito de questões que dividem nossas opiniões, sempre está em jogo esse suporte, mesmo que raramente o saibamos. Ora, a ciência da hermenêutica quer-nos fazer crer que o texto que devemos compreender seria algo estranho, que tenta induzir-nos a mal-entendidos. Nesse caso, deveríamos eliminar todos os momentos que pudessem permitir a infiltração desses mal-entendidos, através de um controlado método da educação histórica, pela crítica histórica e por métodos de controle reforçados pela empatia psicológica. Isso me parece a descrição, em parte válida mas muito fragmentária, de um fenômeno de vida abrangente que constitui o “ser-nós”, do qual todos participamos. Creio que a tarefa consiste em evitar os pressupostos que estão à base da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, da consciência histórica e da técnica de evitar os mal-entendidos, superando assim as alienações presentes neles. VERDADE E METODO II OUTROS 17.
O que é isso que, nessas três experiências, nos pareceu ficar negligenciado? E por que sua particularidade nos chamou tanto a atenção? O que significa a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA frente à plenitude daquilo pelo qual já sempre fomos tocados e que na arte costumamos chamar de “clássico”? Nesse sentido, o que algo nos diz e aquilo que julgamos significativo já não se encontram sempre [224] delineados? Muitas vezes, com uma certeza instintiva, fazemos afirmações como “isso é clássico, isso permanecerá”. Estas afirmações, mesmo estando erradas, são válidas para nossa consciência. No entanto, elas já delinearam de antemão nossas possibilidades de julgar esteticamente algo. Não se trata de critérios puramente formais que pretenderiam julgar e aprovar arbitrariamente o nível de configuração ou o grau de conformação segundo a perspectiva do virtuosismo artístico. Encontramo-nos antes dentro de um espaço de ressonância estética de nossa existência sensitivo-espiritual, mantido pelas vozes que nos alcançam constantemente, e isso precede todo julgamento estético expresso. VERDADE E METODO II OUTROS 17.
Com efeito, devemos perguntar como legitimar o condicionamento hermenêutico de nosso ser frente à existência da ciência moderna, uma vez que esta se baseia totalmente no princípio da imparcialidade e na ausência de preconceitos. Não se trata de dar normas à ciência e recomendar-lhe moderação — isso, sem mencionar que esse tipo de sermão sempre contém algo de cômico. A ciência não fará nossa vontade. Seguirá seu caminho movida por uma necessidade interna, que não depende de seu arbítrio, gerando sempre novos conhecimentos e produções que nos assombram. Não existe outra opção. É absurdo implorar a um pesquisador da área de genética, alertando-o dos perigos da criação de um super-homem. Também não se pode encarar o problema como se nossa consciência humana se opusesse ao curso científico das coisas, pretendendo construir assim uma espécie de contraciência. Mesmo assim não podemos deixar de perguntar se esses objetos aparentemente tão inofensivos, como a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA e a consciência histórica, não apresentam uma problemática própria que afeta primeiramente nossa moderna ciência da natureza e nosso comportamento técnico frente ao mundo. Mesmo que, baseados na ciência moderna, erigíssemos um mundo técnico novo capaz de modificar tudo ao nosso redor, isso ainda não prova que o pesquisador, munido dos conhecimentos decisivos para isso, tenha se dado conta, nem um pouco, dessas desvalorizações técnicas. O que move o verdadeiro pesquisador é a pura vontade de conhecer e nada mais. Apesar disso, devemos nos perguntar se também frente ao conjunto de nossa civilização moderna, baseada na ciência, não acabamos [226] negligenciando alguma coisa. E se não se esclarecerem as pressuposições sob as quais se encontram essas possibilidades de conhecimento e de produção, isso não acarretará que a mão que emprega esses conhecimentos acabará se tornando destrutiva? VERDADE E METODO II OUTROS 17.
A ocasionalidade deve aparecer como um momento de sentido dentro da pretensão de sentido de uma obra e não como o rastro do ocasional, velado por trás das obras e que deve ser descoberto através de interpretação. Se fosse o caso desse último, significaria que só estaríamos em condições de compreender o sentido do todo através da reconstituição da situação originária como tal. Se a ocasionalidade representa um momento de sentido na pretensão da própria obra, então o caminho para o entendimento do conteúdo de sentido da obra é ao mesmo tempo uma oportunidade para que o historiador experimente algo da situação originária, para onde aponta a própria obra. Nesse sentido, nossas considerações fundamentais sobre o modo de ser do ser estético estabeleceram uma nova legitimação para o conceito de ocasionalidade, que ultrapassa todas as formas específicas de legitimação. Assim, o jogo da arte não está elevado acima de tempo e espaço como afirma a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA. Mesmo que reconheçamos o fundamental, não podemos falar de uma irrupção do tempo no jogo, como o fez recentemente Carl Schmitt, com relação ao drama de Hamlet. VERDADE E METODO II ANEXOS EXCURSO II
Nesse ponto, o conceito de sentido defendido pela filosofia idealista da identidade foi funesto. Ele reduziu a competência da reflexão hermenêutica à chamada “tradição cultural”, seguindo a linha de Vico que só considerava compreensível para os homens o que era feito por estes. A reflexão hermenêutica, que representa o ponto central de toda minha investigação, tenta mostrar justamente que esse conceito da compreensão de sentido é errôneo, e nessa perspectiva tive de restringir também a famosa determinação de Vico. Parece-me que tanto Apel quanto Habermas fincam pé nesse sentido idealístico do compreender o sentido, que nada tem a [471] ver com o ductus de minha análise. Não foi por acaso que orientei a minha investigação pela experiência da arte, cujo “sentido” não pode ser esgotado pela compreensão conceitual. O fato de eu ter desenvolvido o questionamento de uma hermenêutica filosófica universal, tomando como ponto de partida a crítica à CONSCIÊNCIA ESTÉTICA e refletindo sobre a arte — e não partindo imediatamente do âmbito das chamadas ciências do espírito — não significa, de modo algum, um arrefecimento diante da exigência de método na ciência. Significa antes uma primeira medição do alcance que possui a questão hermenêutica e que não busca primeiramente designar certas ciências como hermenêuticas, mas trazer à luz uma dimensão que precede a todo uso do método na ciência. E por isso que a experiência da arte tornou-se importante em muitos aspectos. O que significa essa superioridade temporal que a arte reivindica como conteúdo de nossa CONSCIÊNCIA ESTÉTICA formativa? Surge então uma dúvida: Será que essa CONSCIÊNCIA ESTÉTICA que a “arte” tem em mente — como ocorre com o próprio conceito de “arte”, elevado ao caráter pseudo-religioso — não representa uma diminuição de nossa experiência da obra de arte, tal como a consciência histórica e o historicismo são uma diminuição da experiência histórica? E igualmente intempestiva? VERDADE E METODO II ANEXOS 29.
O problema fica bem caracterizado no conceito kierkegaardiano da “simultaneidade”. Seu significado não é exatamente a onipresença, no sentido de uma atualização histórica, mas coloca uma tarefa que posteriormente eu mesmo chamei de tarefa da aplicação. Frente à objeção de Bormann, gostaria de argumentar que a diferenciação que propus entre simultaneidade e concomitância estética segue a mesma linha de Kierkegaard, embora formulada com uma aplicação de conceitos distinta. É possível que Bormann se refira à seguinte nota do diário: “A situação da simultaneidade é levada a bom termo”. Nesse caso, eu digo a mesma coisa com a expressão “totalmente mediado”, e isso significa, até a imediata coexistência (Zugleichsein). Para quem tem presente o uso de linguagem de Kierkegaard em sua polêmica contra a “mediação”, isso soa como uma clara recaída em Hegel. Deparamo-nos aqui com dificuldades típicas que a hermeticidade da sistemática hegeliana provoca a toda tentativa de manter distância de sua coerção conceitual. Elas atingem tanto Kierkegaard quanto minha própria tentativa de ganhar distância frente a Hegel, à mão de um conceito kierkegaardiano [472]. Assim, comecei a estudar Hegel a fim de aguçar a dimensão hermenêutica da mediação, tanto de antanho quanto do hoje, frente à ingênua falta de conceitos da concepção histórica. Foi nesse sentido que confrontei Hegel com Schleiermacher. Mas, na verdade, na concepção da historicidade do espírito, dou um passo a mais que Hegel. O conceito de Hegel sobre “religião da arte” designa exatamente aquilo que move a minha dúvida hermenêutica sobre a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA: A arte tem sua possibilidade suprema não como arte, mas como religião, como presença do divino. Mas quando Hegel declara que toda arte é algo já passado, essa arte acaba sendo absorvida também pela consciência que recorda historicamente, e como passada ganha sincronicidade estética. Foi a visão desse contexto que me impôs a tarefa hermenêutica de afastar a verdadeira experiência da arte — que não experimenta a arte como arte — da CONSCIÊNCIA ESTÉTICA, lançando mão do conceito da não diferenciação estética. Creio tratar-se aqui de um problema legítimo, que não procede da devoção à história, mas que nossa experiência da arte não pode perder de vista. Trata-se de uma alternativa falsa querer considerar “arte” como originariamente contemporânea, como a-histórica ou como vivência da formação histórica. Hegel tem razão. Por isso, continuo sem poder concordar com a crítica de Oskar Becker, assim como com qualquer objetivismo histórico, que dentro de certos limites poderia ser válido: a tarefa da integração hermenêutica continua de pé. Pode-se dizer que isso corresponde mais ao estágio ético de Kierkegaard do que ao religioso. E nisso Bormann poderia ter razão. Mas o estágio ético não contém um certo predomínio conceitual também no próprio Kierkegaard? E é assim que alcança transcendência religiosa, mas apenas na medida em que “chama a atenção”, e não de outro modo. VERDADE E METODO II ANEXOS 29.
Há que se dizer que o fato de apelar à verdade da arte contra as dúvidas do relativismo histórico, que questionavam radicalmente a pretensão da filosofia de buscar a verdade pela via conceitual não representava nenhuma saída satisfatória. Por um lado, esse testemunho é muito forte. Porque ninguém pretende estender a fé no progresso, própria da ciência, aos cumes da arte e ver, por exemplo, em Shakespeare um progresso sobre Sófocles, ou em Miquelângelo um progresso sobre Fídias. Mas, por outro lado, o testemunho da arte é também muito frágil, uma vez que a obra de arte subtrai ao conceito a verdade que ela materializa. Em todo caso, a formação que proporcionava a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA era tão insegura como a da consciência histórica e seu pensamento sobre as “concepções de mundo”. Mas isso não significa que a arte, assim como o confronto com as tradições do pensamento histórico, perdera seu fascínio. Ao contrário, a enunciação da arte como a enunciação dos grandes filósofos denotava ainda mais uma aspiração à verdade, confusa e inevitável, que não se podia neutralizar com nenhuma “história do problema” nem se deixava submeter às leis da rígida cientificidade e do progresso metodológico. Esse sentimento foi caracterizado então na Alemanha como “existencial”, sob a influência de uma reapropriação de Kierkegaard. Interessava uma verdade que não fosse devida tanto a alguns enunciados ou conhecimentos gerais, mas à imediatez das próprias vivências e à intransferibilidade da própria existência. Pensávamos que Dostoievski podia nos ensinar muito sobre isso. Os volumes de suas novelas, encadernados em vermelho, na edição de Piper, brilhavam em todas as escrivaninhas. As cartas de Van Gogh e Ou isto ou aquilo de Kierkegaard, que ele contrapunha a Hegel, nos fascinavam e por trás de todas as audácias e os riscos de nosso compromisso existencial aparecia — como uma ameaça ainda apenas visível ao tradicionalismo romântico de nossa cultura educativa — a figura gigante de Friedrich Nietzsche com sua crítica extática a tudo, também a todas as ilusões da autoconsciência. Onde estava o pensador cuja força filosófica poderia fazer frente a esses desafios? VERDADE E METODO II ANEXOS 30.
Quando comecei a elaborar uma hermenêutica filosófica, sua própria pré-história exigia que se tomasse as ciências “da compreensão” como ponto de partida. Mas acrescia-se a elas um complemento que até o momento não foi levado em conta. Refiro-me à experiência da arte. Isso porque ambas, a arte e as ciências históricas, são modos de experiência que implicam diretamente nossa própria compreensão da existência. A ajuda conceitual para a problemática da “compreensão”, formulada em sua amplitude correta, foi tomada da elaboração heideggeriana da estrutura existencial da compreensão, que ele chamou primeiramente de “hermenêutica da facticidade”, a auto-interpretação do fáctico, quer dizer, da existência humana real. Meu ponto de partida foi, então, a crítica ao idealismo e a suas tradições românticas. Vi claramente que as formas de consciência que havíamos herdado e adquirido, a CONSCIÊNCIA ESTÉTICA e a consciência histórica, eram figuras alienadas de nosso verdadeiro ser histórico e que as experiências originárias transmitidas pela arte e pela história não podiam ser compreendidas partindo-se daí. A distância tranquila que a consciência burguesa gozava de sua cultura ignorava o fato de que todos estamos implicados na situação e nela estamos em jogo. Por isso, a partir do conceito de jogo, busquei superar as ilusões da autoconsciência e os preconceitos do idealismo da consciência. O jogo nunca é um mero objeto, mas existe para aquele que participa dele, mesmo que seja ao modo de espectador. A inadequação dos conceitos de sujeito e objeto, já assinalada por Heidegger na exposição da pergunta pelo ser, formulada em Ser e tempo, poderia ser mostrada aqui de maneira concreta. O que mais tarde levou à “guinada” do pensamento em Heidegger, eu próprio procurei descrever como uma experiência-limite de nossa autocompreensão, como a consciência da história dos efeitos, que é mais ser do que consciência. O que assim formulei não era uma tarefa para a práxis [496] metodológica da arte e da ciência histórica nem tampouco se referia em primeira mão à consciência de método dessas ciências. Referia-se exclusivamente e em primeiro lugar à ideia filosófica da prestação de contas, da explicação. Até que ponto o método é uma garantia de verdade? A filosofia deve exigir da ciência e do método que reconheçam sua parcialidade no conjunto da existência humana e de sua racionalidade. VERDADE E METODO II ANEXOS 30.