Gadamer (VM): conhecimento histórico

Seja o que for que aqui venha a significar ciência, e mesmo que em todo conhecimento histórico esteja incluído o emprego da experiência genérica no respectivo objeto de pesquisa — o conhecimento histórico não aspira, no entanto,, a abranger o fenômeno concreto como no caso de uma regra geral. GVM I 1

Mas Helmholtz sabe que, para o conhecimento histórico, é determinante uma experiência totalmente diversa do que aquela que está a serviço da pesquisa das leis da natureza. GVM I 1

Por isso, procura fundamentar a razão pela qual o método indutivo encontra-se para o conhecimento histórico, sob condicionamentos diversos, do que para a pesquisa da natureza. GVM I 1

Por essa razão, o conhecimento histórico apresenta-se tão diverso, pois no seu âmbito não existe nenhuma lei da natureza, mas, isto sim, uma subordinação voluntária a leis práticas, ou seja, a mandamentos. GVM I 1

A forma de conhecimento do conhecimento histórico não se esgota, em absoluto, apenas nisso, isto é, em ter de admitir “a crença em testemunhos alheios” (tetens) em vez de “um concluir auto-consciente” (Helmholtz). GVM I 1

Não somente por incluir o conhecimento histórico, e por utilizá-lo como sinal distintivo — a dissolução de todo gosto que tem determinação de conteúdo, e que lhe é próprio, do ponto de vista estético, mostra-se também expressamente, na criação do artista, na conversão em algo histórico. GVM I 1

A história universal não é um simples problema marginal ou residual, do conhecimento histórico, mas seu verdadeiro ponto central. GVM II 1

Porém, pela ambiguidade inerente a qualquer crítica do presente, a proclamação do caráter modelar da arte grega, que deveria erigir um novo ideal ao próprio presente, significava, não obstante, um verdadeiro passo adiante rumo ao conhecimento histórico. GVM II 1

Ranke pode ter tido isso em mente como uma simples condição do conhecimento histórico. GVM II 1

Ele fundamenta tanto o modo de ser da história como a possibilidade de seu conhecimento histórico. GVM II 1

O objetivo dos objetivos, a que está referido o trabalho incansável da humanidade histórica, não pode ser levado a cabo a partir do conhecimento histórico. GVM II 1

A essa imagem da história corresponde também a posição do conhecimento histórico. GVM II 1

A fórmula de Droysen para o conhecimento histórico é, pois, “compreender investigando” (§ 8). GVM II 1

O que aos olhos de Droysen caracteriza o conhecimento histórico como investigação tem de ser uma infinitude diferente da do mundo desconhecido. GVM II 1

Com isso, a pretensão de ciência racional pura ficava estendida, em princípio, ao conhecimento histórico. GVM II 1

A dita escola tinha que exigir de uma fundamentação filosófica do conhecimento histórico o mesmo que havia feito Kant para o conhecimento da natureza. GVM II 1

Agora, frente à crítica da filosofia apriorista da história, viram-se jogados novamente para o campo de forças da crítica kantiana, cuja problemática se colocava agora também para o mundo histórico, uma vez rechaçada a pretensão de uma construção racional pura da história do mundo e uma vez que também o conhecimento histórico estava limitado à experiência. GVM II 1

Mas o que não pôde satisfazer a Dilthey foi a mera remodelação dessa construção e sua transposição ao terreno do conhecimento histórico , empreendida pelo neokantismo por exemplo, sob a forma da filosofia dos valores. GVM II 1

O que torna possível o conhecimento histórico é a homogeneidade de sujeito e objeto. GVM II 1

Na mencionada passagem do Aufbau, a autobiografia e a biografia — dois casos especiais de experiência e conhecimento históricos — conservam uma preponderância não inteiramente fundamentada. GVM II 1

Segundo esse esquema — de acordo com Dilthey — poderia pensar-se o conhecimento de nexos históricos cada vez mais amplos e estendê-lo até um conhecimento histórico universal, do mesmo modo que uma palavra só pode ser compreendida plenamente a partir da frase inteira e esta somente a partir do contexto do texto inteiro e até, da totalidade da literatura transmitida. GVM II 1

E então se apresenta a dúvida de se saber se o método comparativo faz realmente jus à ideia do conhecimento histórico. GVM II 1

Esse procedimento, que é habitual em certos âmbitos da ciência da natureza e que já festeja triunfos em alguns âmbitos das ciências do espírito, como a linguística, a ciência jurídica, a ciência da arte, não é elevado aqui de uma significação subordinada de instrumento de auxílio a um posto de significação central para a essência do conhecimento histórico? E esta significação não proporciona uma legitimação falsa a uma reflexão superficial e desvinculada? Não podemos, nisso, senão dar razão ao conde Yorck quando escreve: “A comparação é sempre estética, prende-se sempre com a forma”, e deve-se recordar que, antes dele, Hegel já desenvolveu uma crítica genial ao método comparativo. GVM II 1

E então em que se apoia sua distinção de elevar-se, apesar disso sobre si mesma e tornar-se assim capaz de um conhecimento histórico objetivo? Em Dilthey não se encontra resposta explícita a essa pergunta. GVM II 1

Assim, as ciências do espírito também procuram elevar-se metodicamente acima da casualidade subjetiva do próprio ponto de partida e da tradição que lhes é acessível, alcançando assim a objetividade do conhecimento histórico. GVM II 1

Mas foi somente Heidegger que tornou consciente, de uma maneira geral, a radical exigência que se coloca ao pensamento em virtude da inadequação do conceito de substância para o ser e o conhecimento histórico. GVM II 1

E verdade que já Dilthey havia rechaçado, para as ciências do espírito, os métodos das ciências da natureza, e que Husserl havia qualificado de “absurda” a aplicação do conceito natural-científico de objetividade às ciências do espírito, estabelecendo a relatividade essencial de todo mundo histórico e de todo conhecimento histórico. GVM II 1

Portanto, dado que o conhecimento histórico recebe sua legitimação da pré-estrutura da pre-sença (Dasein), ninguém há de querer atacar os critérios imanentes daquilo que quer dizer conhecimento. GVM II 1

Nem mesmo para Heidegger o conhecimento histórico é um projetar planejador, não é uma extrapolação de metas da vontade, nem pôr em ordem as coisas de acordo com desejos, preconceitos ou sugestões dos poderosos, mas é e continua sendo uma adequação à coisa, uma mesuratio ad rem. GVM II 1

O que a princípio parecia somente uma barreira que atrapalhava o conceito usual de ciência e método, ou uma condição subjetiva de acesso ao conhecimento histórico, passa agora a ocupar o lugar central de um questionamento fundamental. GVM II 1

Já em nossas considerações iniciais tínhamos apontado para a dificuldade de se pôr em consonância o conhecimento histórico, o qual também forma a nossa consciência histórica com esse ideal, e da dificuldade que surge daí de compreendê-lo em sua verdadeira essência, a partir do moderno conceito do método. GVM II 2

As grandes produções do romantismo, o redespertar dos tempos primitivos, o acolher a voz dos povos em suas canções, a coleção de contos e sagas, o cultivo dos usos mais antigos, a descoberta das línguas como concepções do mundo, o estudo da “religião e da sabedoria dos índios”, tudo isso desencadeou uma investigação histórica que foi convertendo, pouco a pouco, passo a passo, esse redespertar intuitivo num conhecimento histórico distanciado. GVM II 2

Vale ainda mais decisivamente para a consciência histórica e para a possibilidade de conhecimento histórico. GVM II 2

Pois que o homem, aqui, tenha a ver consigo próprio e com suas próprias criações (Vico), representa uma solução apenas aparente do problema que o conhecimento histórico nos coloca. GVM II 2

Claro que a essência geral da tradição é que, unicamente aquilo que se conserva do passado, como o não passado, é que torna possível o conhecimento histórico. GVM II 2

Naturalmente que isso não exclui que obras valuadas como clássicos coloquem problemas de conhecimento histórico a uma consciência histórica desenvolvida, consciente do distanciamento histórico. GVM II 2

E para determinar com exatidão esse conteúdo não se pode prescindir de um conhecimento histórico do sentido originário, e só por isso o intérprete jurídico tem que vincular o valor posicionai histórico que convém a uma lei, em virtude do ato legislador. GVM II 2

Só existe conhecimento histórico quando em cada caso o passado é entendido na sua continuidade com o presente, e isto é o que realiza o jurista na sua tarefa prático-normativa, quando procura “realizar a sobrevivência do direito como um continuum e salvaguardar a tradição da ideia jurídica”. GVM II 2

Pois bem, para Collingwood este é o nervo de todo conhecimento histórico. GVM II 2

Tampouco o que vem ao encontro de nosso conhecimento histórico, a partir da tradição ou como tradição — histórica ou filológicamente — , o significado de um evento ou o sentido de um texto era um objeto em si, fixo, que se tivesse meramente que constatar. GVM III 3

Esta é para ele a realidade originária “nuclear”, na qual também radica todo conhecimento histórico. GVM II Prel. 2

Todo conhecimento histórico é uma tal compreensão. GVM II Prel. 2

O condicionamento, portanto, não prejudica o conhecimento histórico, sendo um momento da própria verdade. GVM II Prel. 3

O conhecimento histórico jamais é mera atualização. GVM II Prel. 4

Importa demonstrar os limites da autoconcepção do conhecimento histórico e devolver uma legitimidade limitada à interpretação dogmática . GVM II Prel. 8

Essa legitimação do conhecimento histórico tem por base o conceito de unidade cultural e a apreensão sistemática de si mesmo numa filosofia dos valores. GVM II Compl. 10

Trata-se simplesmente de que nossa consciência histórica, impregnada de conhecimento da alteridade, do estranhamento e mundos históricos alheios, ao aspirar manter separados seus próprios conceitos e os conceitos dessas épocas e mundos alheios, ao final do enorme esforço de conhecimento histórico acaba sempre conjugando ambas as conceptualidades. GVM II Compl. 10

Algo dessa convergência conosco mesmos mantém-se vivo em todo conhecimento histórico. GVM II Compl. 10

Segundo ele, essas questões dizem respeito ao conhecimento histórico, e devem ser tratadas independentemente de qualquer relação com atualidade. GVM II Outros 17

Se quiséssemos estender realmente o conceito de estilo à história geral, como foi discutido sobretudo por Erich Rothacker, esperando com isso adquirir um conhecimento histórico, seríamos obrigados a admitir que a própria história obedece a um logos interior. GVM II Anexos Exc. I

Por mais evidente que tenha sido, a constituição do fato histórico, através da referência aos valores, não fez justiça às implicações do conhecimento histórico no acontecer histórico. GVM II Anexos 27

O ponto central da teoria sistemática do conhecimento histórico é, sem dúvida, a doutrina da reprodução da experiência do passado (Re-enactment). GVM II Anexos 27

Nesse sentido, a dogmática é, de fato, um elemento de nosso conhecimento histórico. GVM II Anexos 27

O conhecimento histórico, porém, não pode ser descrito adequadamente por meio desse conceito de objeto e objetividade. GVM II Anexos 27

 

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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